As multinacionais e suas responsabilidades na crise alimentar

 
Por Silvia Ribeiro
Do Rebelión

 
Por Silvia Ribeiro
Do Rebelión

Como serpente que morde a própria cauda, o sistema alimentar industrial – que é o principal causador das mudanças climáticas globais -, sacode-se pela perda das colheitas devido à intensa seca nos Estados Unidos. Em algumas áreas, embora haja colheita, ela não pode ser usada porque, por falta de chuvas, as plantas não processam os fertilizantes sintéticos e se tornam tóxicas para o consumo. Tudo está relacionado ao mesmo sistema industrial: sementes uniformes e sem biodiversidade, com agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, com alto uso de transportes, energia e petróleo – e portanto com alta emissão de gases de efeito estufa -, e controlado por multinacionais.

No caso do milho, a escassez se exacerba por que 40% da produção nos Estados Unidos são destinadas ao etanol, ou seja, para alimentar carros em vez de gente.

Ao serem os Estados Unidos um dos principais exportadores mundiais de milho, soja e trigo, juntamente com o fato de que 80% da distribuição mundial de cereais está nas mãos de quatro multinacionais, que gerenciam o abastecimento para obter mais lucros, a queda de produção nesse país tem efeito dominó sobre o mercado global, onde os preços dos alimentos estão disparados. Além dos grãos, sobem os preços das aves, suínos e reses, já que mais de 40% da produção de cereais do mundo é utilizada como forragem para a criação industrial confinada de animais. É outro absurdo do mesmo sistema agroindustrial, já que seria muito mais eficiente usar os cereais para alimentação humana e consumir menos carne, ou que as criações fossem em pequena escala com forragens diversificadas. A criação industrial confinada e massiva de animais é, além de tudo,  a origem de epidemias como a gripe suína e aviária, que por sua vez geram escassez e aumento de preços, como temos visto recentemente no México, com o aumento do preço dos ovos por um surto de gripe aviária.

Os que mais sofrem com os aumentos de preços são os mais pobres, principalmente os urbanos, que usam 60% de sua renda na alimentação.

Pelo contrário, a vintena de multinacionais que controlam o sistema alimentar agroindustrial (da Monsanto à Wall Mart, passando por Cargill, ADM, Nestlé e algumas mais), as que controlam sementes e matrizes de criação, os agrotóxicos, a compra, a distribuição e o armazenamento de grãos(também para biocombustíveis), os processadores de carnes, alimentos e bebidas, assim como os supermercados, são os responsáveis pela crise, mas blindaram-se contra seus efeitos, transferindo os prejuízos para os pequenos produtores, aos consumidores e ao orçamento público. Para elas, o caos climático e a escassez não significam perdas, mas sim aumento de lucros, como acontece com as sementes, agrotóxicos e fertilizantes que se tornam a vender, ou com as empresas que armazenam cereais e os açambarcam, especulando com eles, vendendo-os mais caros, ou com os produtos nos supermercados, cujos preços aumentam muito mais do que a proporção no início da cadeia.

O caso do milho no México é ilustrativo. Apesar de os agricultores do norte do país afirmarem ter dois milhões de toneladas para vender, recentemente foram importadas 1,5 milhões de toneladas (transgênicas) dos Estados Unidos, e por outro lado, serão vendidas 150 mil toneladas a El Salvador e outra partida à Venezuela. Anteriormente, tinham sido compradas meio milhão de toneladas da Àfrica do Sul. Absurdo para o clima, pelos transportes desnecessários, e brutal contra a produção nacional. Questionado, o Secretário de Economia, Bruno Ferrari (anteriormente funcionário da Monsanto), lavou as mãos, alegando que era uma decisão de empresas privadas.

Na realidade, como explica Ana de Ita, do Centro de Estúdios para el Campo Mexicano (Ceccam), ocorre que no contexto das políticas para liberalizar a produção agrícola nacional, que precederam a assinatura do TLCAN (Tratado de Livre Comércio da América do Norte – N. do T.), desmantelou-se a semi-estatal Compañia Nacional de Subsistências Populares (Conasupo), que equilibrava o comércio interno de milho, entregando o mercado interno às multinacionais – empresas como Cargill, ADM, Corn Products International, juntamente com grandes criadores suínos, avícolas e processadores industriais de “tortillas”. Estas compram a quem mais lhes convenha, seja por que é mais barato ou por outras razões, como comprar de agricultores com os quais tem contratos de produção nos Estados Unidos.

Esse tipo de empresas – e seus ex-funcionários no governo, como Ferrari – são as que afirmam que é necessário importar milho, porque a produção nacional não é suficiente. Contudo, nos últimos o México tem produzido, nos últimos anos, em torno de 22 milhões de toneladas anuais, com o consumo humano em torno das 11 milhões de toneladas anuais. São usadas em derivados industriais outras 4 milhões de toneladas, restando ainda 7 milhões. Contudo, as empresas importam de 8 a 9 milhões de toneladas anuais adicionais, por que são usadas 16 milhões de toneladas anuais na criação industrial em massa de aves e suínos – também de grandes empresas.

Se a criação fosse descentralizada e com forragens diversas, haveria produção suficiente, sem epidemias e sem milho transgênico de multinacionais, e muito mais fontes de trabalho local. A importação de milho não é necessária ao México, pois é simplesmente um negócio entre multinacionais, permitido e subsidiado pelo governo.

Se as políticas públicas protegessem a produção agrícola e a pecuária diversificada e em pequena escala, com sementes próprias e públicas nacionais, os riscos, – inclusive os climáticos -,teríamos produção alimentar suficiente, acessível e de muito melhor qualidade.

Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC.

*Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti