Lindbergh Farias denuncia começo da ofensiva ruralista


Por Lindbergh Farias
Do Correio Braziliense


A pressão da maioria ruralista no Congresso mais uma vez surtiu efeito: a Medida Provisória nº 571/2012, do Código Florestal, foi revista, piorada e aprovada a toque de caixa na Câmara e no Senado. Agora segue para sanção da presidente Dilma Rousseff, que deve vetá-la, ao menos em parte.


Por Lindbergh Farias
Do Correio Braziliense

A pressão da maioria ruralista no Congresso mais uma vez surtiu efeito: a Medida Provisória nº 571/2012, do Código Florestal, foi revista, piorada e aprovada a toque de caixa na Câmara e no Senado. Agora segue para sanção da presidente Dilma Rousseff, que deve vetá-la, ao menos em parte.

Nesse tempo todo, temos visto reiteradas investidas da bancada ruralista contra os nossos biomas, seguidas de insistentes tentativas do governo de evitar um desastre. A cada rodada de tramitação, porém, a lei vai se desfigurando mais um pouco, e a proteção ambiental no Brasil, se perdendo.

O tratamento dado pelo novo texto à recuperação de matas ciliares, as APPs, é lapidar. Para restaurar o equilíbrio entre a pequena produção rural — supostamente ameaçada de extinção pelo código — e a preservação ambiental, a presidente criou a chamada “escadinha”, escalonando as faixas de recomposição de acordo com o tamanho da propriedade.

A comissão mista que examinou a MP, composta em sua maioria por representantes do setor agropecuário, não se satisfez. Disse que agora quem estava sob ameaça de extinção era… o médio produtor! E enfiou um bode na sala: ameaçou simplesmente acabar com as APPs em todos os rios intermitentes do país, para conseguir no final um acordo para reduzir a faixa mínima de recomposição para propriedades médias e grandes, de até 15 módulos fiscais, e deixar aos estados a definição das faixas de proteção nos latifúndios. Caso seja aprovada, essa mudança fará com que 3 milhões de hectares de matas em margem de rio deixem de ser recuperados — um quarto de tudo o que o país precisa recompor em APPs ciliares.

Essa própria discussão, porém, torna-se supérflua, já que, pelo texto aprovado, qualquer pomar passará a valer como APP: acreditemos ou não, os parlamentares da comissão mista incluíram no texto da MP 571 a possibilidade de recompor matas ciliares com árvores frutíferas, eliminando a razão de ser das áreas de preservação permanente.

Igualmente insidiosas foram as alterações feitas ao artigo 1º da MP. O texto do código aprovado no Senado e defendido pela presidente Dilma preservava a essência da lei de 1965, ao estabelecer, em seu artigo 1º, que o código tem como “fundamento” a proteção às florestas. A redação proposta pela Câmara e ora recuperada em sua essência pela comissão exclui esse fundamento e deixa de reconhecer a importância das florestas para a sustentabilidade do agronegócio. Não é mais um Código Florestal; é um código disciplinador de atividades rurais, que separa preservação de florestas de biodiversidade e de clima, como se fossem conceitos separáveis e não uma coisa só.

O comportamento em relação ao código nos últimos três anos tem sido guiado por duas ilusões. A primeira é a de que a correlação de forças no Congresso Nacional é um espelho dos anseios e sentimentos da sociedade brasileira. Não é, como demonstraram pesquisas de opinião e o movimento popular Veta, Dilma.

A segunda ilusão é a de que o novo Código Florestal trará a sonhada “paz ao campo”. Ao contrário, ele faz parte de uma agenda mais ampla do setor. O novo código visa resolver o passivo. Mas há outras demandas, que são para o futuro. Essa agenda tem dois desdobramentos já pautados no Congresso: o Projeto de Lei nº 2289/2007, que regulamenta a venda de terras para estrangeiros, e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 215, que congela a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a criação de unidades de conservação no país.

O Brasil tem sido arrastado no debate do Código Florestal pela agenda de um único setor. Há boa justificativa para isso: a economia rural está aquecida e o agronegócio tem sido vital para proteger o país contra os efeitos da crise internacional. Porém, ainda que todas as aspirações desse setor fossem legítimas, por definição elas não são uma visão de Estado.

É hora de pôr um freio de arrumação à agenda ruralista e de abrir um debate com a sociedade. O que o Brasil quer fazer com os dividendos da expansão sem precedentes da agropecuária? Entregá-los nas mãos das traders estrangeiras, que concentram terras e renda, confiando que o mercado produzirá o maior grau de prosperidade para o país? Ora, isso equivaleria ao grau de desregulamentação que produziu a atual crise econômica. É isso o que nós queremos?

Enquanto esse debate não for internalizado, estaremos condenados a ver a novela do Código Florestal se repetir indefinidamente e a vida parlamentar brasileira virar uma sucessão de convulsões. É preciso cortar esse mal pelo tronco — porque a raiz, infelizmente, já se fincou no solo.