Terras: velha pauta, novos desafios


Por Sérgio Leitão*
Da ANPR

A partir desta semana, uma nova legislação florestal começa a vigorar no Brasil. Ao mesmo tempo em que a presidenta Dilma finaliza, com vetos à medida provisória, mais uma etapa do longo processo de mudanças no Código Florestal brasileiro, o debate sobre a terra e a territorialidade no país assume novos e contraditórios contornos.

Por Sérgio Leitão*
Da ANPR

A partir desta semana, uma nova legislação florestal começa a vigorar no Brasil. Ao mesmo tempo em que a presidenta Dilma finaliza, com vetos à medida provisória, mais uma etapa do longo processo de mudanças no Código Florestal brasileiro, o debate sobre a terra e a territorialidade no país assume novos e contraditórios contornos.

Foi com olhos e mentes nessas novas dimensões do debate da terra que, em agosto de 2012, camponeses, índios, ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco e quilombolas de diversas regiões do país realizaram em Brasília o II Congresso Nacional dos Trabalhadores e Povos do Campo – ocorrido 51 anos depois do primeiro encontro. Foi no governo de João Goulart, em 1961, que camponeses se reuniam pela primeira vez para encontrar uma pauta comum a diversos movimentos sociais. Era o auge da discussão sobre a reforma agrária.

Com o golpe de 1964, toda a articulação para fazer a reforma agrária acontecer foi desmantelada. Por ironia, tudo aquilo que o governo Goulart queria fazer para acelerar a solução do problema, como estabelecer na lei a desapropriação das terras utilizando como pagamento títulos da dívida agrária, os militares o fizeram. Mas somente no papel.

Na prática, o que os militares fizeram foi transferir o conflito fundiário do Sul, Sudeste e Nordeste para a Amazônia, o que lhes resolveu dois problemas. Usavam a massa de trabalhadores deslocados para ocupar a região – daí o slogan do governo Médici: “Uma terra sem homens para homens sem terra” – e esvaziavam o conflito onde ele se apresentava sob a forma da reivindicação da democratização da posse da terra.

A lição dos militares fez escola nos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula. Em ambos os governos, quando se falava em reforma agrária, nunca se mostrava o dado real que a distribuição maciça de terras recaía sobre áreas publicas na Amazônia, que já pertenciam ao Estado. Não se alterava o quadro de concentração fundiária nas mãos de particulares.

O questionamento desse quadro só ocorreu com a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que restaurou a força do debate sobre a propriedade da terra, pressionando o governo a desapropriar imóveis rurais também no Sul e Sudeste.

Com o presidente Lula no poder e a melhora da situação econômica, além do aumento da rede de proteção social, diminuiu o número de pessoas que encontravam na reforma agrária uma forma de garantir o seu sustento. Ao mesmo tempo, a força do agronegócio se expandiu, com o setor assumindo o papel de âncora da economia, resultado do aumento vertiginoso das exportações de produtos agrícolas. E, apesar das promessas, pouco se avançou em termos de garantir uma melhor distribuição de terras e evitar a concentração fundiária.

Agora, no governo Dilma, com a realização do Congresso, faz-se a tentativa de criar uma pauta unificada de reivindicação de todos os setores que lutam pela democratização da posse da terra. A realidade, entretanto, é radicalmente distinta daquela do primeiro encontro. As formas de ocupação da terra no Brasil são muito mais amplas do que aquelas que até então se abrigavam debaixo do guarda-chuva da reforma agrária.

Infelizmente, o problema da terra, em suas novas e antigas dimensões, permanecerá por muito tempo como a grande questão nacional (parafraseando Joaquim Nabuco, que fez tal afirmação se referindo à escravidão). E a disputa pela terra passa a sofrer novas mutações. A mudança do Código Florestal é apenas a primeira delas. Em nome de superar os entraves ao crescimento econômico, a função social da terra de proteger o meio ambiente é colocada em xeque por um setor tido como moderno. Ao que tudo indica o enfrentamento mal começou.

*SÉRGIO LEITÃO – Advogado, é diretor de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil