“O agronegócio é um mal para a nação”, constata economista


Da IHU On-Line

Da IHU On-Line

“Já retiraram o tema da pauta e ficam nos enganando de vez em quando”.  É com esta declaração que o professor da USP e membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária – ABRA, José Juliano de Carvalho Filho, resume a discussão acerca da reforma agrária no Brasil. Para ele, esta é uma discussão dividida entre a “pequena política e a grande política: a pequena política cabe aos subalternos, que podem até brincar de fazer política, contanto que não incomodem a grande política, que representa o interesse do capital. A política agrária brasileira nunca deixou de ser uma pequena política, nunca aconteceu para valer. Quando os movimentos sociais têm mais força, aparecem concessões, mas não se pode dizer que exista um programa de reforma ou de apoio ao pequeno produtor no país”.

Por outro lado, a aposta do governo no agronegócio demonstra que o Brasil “aceitou entrar de uma forma subalterna e marginal no mercado internacional”, diz na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. E dispara: “Nessa conjuntura, o Brasil é delegado a ser produtor de álcool, soja, papel, polpa de suco de laranja; mas nada mais do que isso. Portanto, não se trata de uma maldição histórica”.

O economista diz ainda que a aprovação do novo Código Florestal e a polêmica PEC 215 “demonstram que o agronegócio não tem interesse apenas em desenvolver uma agricultura moderna, mas também em formar um monopólio nacional e internacional. Se deixarmos que as empresas transnacionais façam o que estão tentando fazer, haverá um monopólio tanto na área de sementes, na área de produção, como na área do consumo”.

José Juliano de Carvalho Filho é graduado e doutor em Economia pela Universidade de São Paulo, e pós-doutor pela Ohio State University. Leciona na Faculdade de Economia e Administração – FEA da USP, e é membro da Associação Brasileira da Reforma Agrária – ABRA.

Confira a entrevista:


Como avalia o investimento do governo no agronegócio e a declaração de que é preciso elaborar uma agenda estratégica para fortalecer o agronegócio nacional?

Tudo isso é uma lástima. Para entendermos o governo agrário e a política governamental de hoje, temos de compreender a adesão do Brasil ao agronegócio, ou seja, há um retorno à exportação de commodities de baixo valor agregado. Essa posição é lamentável sob vários aspectos. No caso do campo, o avanço de monoculturas de soja, cana-de-açúcar, silvicultura promove uma concentração fundiária em áreas como a de São Paulo, Rio Grande do Sul e Amazônia.

O governo está refém dos grandes produtores do agronegócio em detrimento de qualquer pretensão de justiça agrária ou de manter uma produção familiar com políticas apropriadas para ela. Se não bastasse isso, o novo presidente do Incra, Carlos Guedes de Guedes, declarou que o órgão não vai mais tratar de desapropriações, mas passará a apoiar os produtores, já que o importante no país é a produção. Essa é uma conversa tão velha, que se estende desde antes do governo Fernando Henrique Cardoso, quando se dizia que a reforma agrária era inviável porque era muito cara. Isso acontece porque não se entende a reforma agrária como terra, mais políticas públicas apropriadas. Não se entende que essas áreas precisam ter proteção do Estado, e que as que estão próximas de áreas do agronegócio precisam ter uma regulação maior. Do contrário, tudo acontece em função das monoculturas. O agronegócio é um mal para a nação, porque concentra a renda, cria pobreza, destrói emprego.

Além disso, medidas como a aprovação do novo Código Florestal e a PEC 215 demonstram que o agronegócio não tem interesse apenas em desenvolver uma agricultura moderna, mas também em formar um monopólio nacional e internacional. Se deixarmos que as empresas transnacionais façam o que estão tentando fazer, haverá um monopólio tanto na área de sementes, na área de produção, como na área do consumo.

Historicamente, a política econômica para a agricultura esteve muito associada a determinadas culturas. Pode-se dizer que essa política se mantém? Como vê, nesse quadro histórico, a discussão acerca da reforma agrária? Por que ela ficou em segundo plano?

Teoricamente, a produção agrícola brasileira está ligada à época da colônia, que investiu primeiramente no açúcar, depois no ciclo do ouro, depois no café. Ocorre que desde os anos 1930 o Brasil mudou, passou a ser um país em busca da industrialização. Entretanto, nos últimos anos, se analisarmos as exportações, veremos que as culturas de subsistência têm tido um peso muito grande na balança comercial. Isso demonstra que o Brasil aceitou entrar de uma forma subalterna e marginal no mercado internacional. Essa forma subalterna e marginal, junto com a nova divisão internacional do trabalho, imposto pelo neoliberalismo, crescente pelo mundo. Nessa conjuntura, o Brasil é delegado a ser produtor de álcool, soja, papel, polpa de suco de laranja; mas nada mais do que isso. Portanto, não se trata de uma maldição histórica.

Nessa conjuntura, discussão da reforma agrária está completamente de lado. A discussão divide-se entre a pequena política e a grande política: a pequena política cabe aos subalternos, que podem até brincar de fazer política, contanto que não incomodem a grande política, que representa o interesse do capital. A política agrária brasileira nunca deixou de ser uma pequena política, nunca aconteceu para valer. Quando os movimentos sociais têm mais força, aparecem concessões, mas não se pode dizer que exista um programa de reforma ou de apoio ao pequeno produtor no país.

A reforma agrária, embora 80% da população viva na zona urbana, continua sendo um problema grave, porque parte desses 80% vive nos arredores das cidades e enfrentam problemas de falta de terra.

É uma escolha política?

Foi uma opção do governo, apesar de ser um governo vindo de base popular. Costumo dizer que a maior vitória da esquerda na história das eleições brasileiras se transformou na maior vitória da direita.

Qual é o peso do MST nesta discussão da reforma agrária e enfrentamento do agronegócio?

Tenho muito cuidado em criticar o MST, e não quero que minhas críticas sirvam para ir contra as lutas dos movimentos sociais, mas vejo o MST acuado e com uma ação muito menor. Enquanto isso, do lado contrário, as forças mais reacionárias se veem livres de enfrentamento, tanto por parte do governo, que com eles concorda, quanto por parte dos movimentos sociais.

O que mudou na política agrícola e agrária do governo FHC para os governos Lula e Dilma? Há aspectos que o senhor destacaria como relevantes?

Destacaria pequenas coisas para melhor e muitas coisas para pior. Entre as pequenas coisas está a distribuição de merenda escolar pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab. De modo geral, não houve mudança nos aspectos fundamentais, ou seja, permaneceu a mesma política do governo Fernando Henrique Cardoso, com pequenas mudanças. O trato com os movimentos sociais já não é um trato com repressão, mas tanto os governos Lula quanto o de Dilma tentaram cooptá-los.

A política agrária é pífia e junto disso se tem um incentivo para o agronegócio com muito dinheiro, muito apoio de crédito agrícola. Há uma diferença muito grande entre o que é a política agrária e o que é a política agrícola. Então, de um lado tem o Ministério do Desenvolvimento Agrário e, de outro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Se você analisar todos os documentos do governo Lula – e eu fiz questão de analisá-los –, irá perceber que as propostas de campanha acerca da reforma agrária sumiram. De ponto de vista estrutural, esses três governos procuraram desacreditar a reforma agrária. Quando se assiste à Comissão de Agricultura no Congresso Nacional, assiste-se a uma demonstração da luta de classes, ao vivo e a cores.

No programa da presidente Dilma sobre o combate à pobreza no campo, a questão da má distribuição da terra não aparece como causa de pobreza. Então, essa situação só tende a piorar.

Há uma tentativa de retirar esse tema da pauta?

Já retiraram o tema da pauta e ficam nos enganando de vez em quando.

Como vê a compra de terras por empresas estrangeiras no país? Quais as implicações disso para o futuro?

Essa é mais uma submissão a esse modelo do agronegócio. Porém, neste caso específico, não se trata apenas do agronegócio, haja vista as compras de terras envolverem a compra de áreas ricas em água. A água é um fator estratégico. No futuro vai haver guerras pela água.

O meu colega Ariovaldo Umbelino mostra em seus estudos que o governo brasileiro não nega o avanço do capital estrangeiro na compra de terras nacionais, mas se utiliza dessa questão para encobrir o que está acontecendo com o Programa Terra Legal, ou seja, o beneficiamento de grandes grileiros.

Além disso, muitos pesquisadores acadêmicos passaram a reproduzir uma visão norte-americana, ligada ao Banco Mundial. Os estudos deles são financiados por empresas multinacionais e eles não denunciam esses casos. Basta ver, no Brasil, a situação da Embrapa, que está ligada com a Monsanto. Como se não bastasse, o governo fala em abrir o capital da Embrapa. Isso quer dizer que o país irá entregar essa empresa e o banco de angiosperma que ela tem. Os absurdos foram agravados nos últimos governos.

Quais os desafios da política agrícola e agrária nesta conjuntura?

Só vejo uma saída: a retomada das lutas dos movimentos sociais. Mas não vejo como fazer isso sem representatividade política. As poucas conquistas em torno da reforma agrária foram fruto de lutas. É preciso ter pessoas envolvidas com a consciência de que é preciso fazer algo para ter um país melhor. É preciso uma rearticulação política, porque perdemos as defesas.

Deseja acrescentar algo?

O Brasil é uma série de frustrações. Toda vez que achamos que aconteceria uma mudança ela acabou não acontecendo. Veja bem, primeiro teve a luta pelas reformas nos anos 1960, que acabou com o golpe de Estado do então presidente João Goulart. Depois, teve as Diretas Já, e nada. E agora, temos uma sucessão de governos de esquerda que acabaram fazendo o que a direita não conseguiria fazer, porque não conta com oposição política. O Brasil parece um campo livre.