Não existe uma ação para democratizar a terra

 

 


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

 

 

Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

A Reforma Agrária parou em 2012 e foram poucos os investimentos do governo na produção dos camponeses e nos assentamentos.

Além disso, há um novo discurso de que “agora é preciso desenvolver os assentamentos já existentes, não desapropriar terras”.

Assim, o governo se afasta cada vez mais dos camponeses e dos movimentos sociais do campo.

“A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio”, analisa Marina dos Santos, da Coordenação Nacional do MST.

Apesar do cenário desfavorável, Marina defende a pressão sobre o governo para que a Reforma Agrária seja colocada em pauta.

Confira a entrevista de Marina para a página do MST sobre as perspectivas da Reforma Agrária e a importância da luta pelo campo:

Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indicam que 10.815 famílias foram assentadas de janeiro a novembro. O que esse número representa para a Reforma Agrária?

Esse número é irrisório, dada uma realidade tão complexa que temos no Brasil, com altíssimo nível de concentração de terra, que só aumenta com a ação das transnacionais, que vem se apropriando das terras no Brasil e na América do Sul.

É um número que reflete o aumento da concentração, da desnacionalização da terra e dos bens naturais. Por outro lado, o governo  prioriza o agronegócio, o latifúndio, a produção de poucos produtos para exportação, em detrimento do fortalecimento da agricultura familiar camponesa.

A opção do governo pelo agronegócio é clara, demonstra tanto o discurso político da maioria dos ministérios como a liberação de recursos para as grandes empresas. A Reforma Agrária está praticamente parada no país. Não existe uma ação do governo de democratizar a terra e para enfrentar o latifúndio improdutivo. Pelo contrário.

Essa atitude em relação à Reforma Agrária se agravou no governo Dilma?

Isso vem da década de 90, com a aceleração do modelo neoliberal e do surgimento e consolidação do agronegócio no Brasil. E nos últimos anos, todos os governos têm propagandeado que fizeram a maior Reforma Agrária de todos os tempos, mas há uma contradição enorme aí. E os grandes meios de comunicação ignoram isso. O índice Gini mostra que a concentração de terras não está mudando.

É inexplicável os governos fazerem “a maior Reforma Agrária do mundo”, quando o Gini aponta a manutenção da concentração de terras. Você não pode democratizar a terra se ao mesmo tempo ela está concentrada. A Reforma Agrária está paralisada por causa do modelo de desenvolvimento em questão hoje no Brasil, o agronegócio.

A grande imprensa aponta que como o agronegócio gerou empregos para trabalhadores de baixa renda, que desistiram de lutar pela Reforma Agrária. Como você analisa isso?

É outra contradição. O que temos visto é que quem garante a produção de alimentos saudáveis e a geração de empregos é a agricultura familiar, não o agronegócio. Pelo contrário, o agronegócio estimula o êxodo rural, a saída das famílias do campo, que vão para as médias e grandes cidades urbanas tentar sobreviver. Essa é uma tese que não condiz com a realidade do campo brasileiro.

Qual o percentual de assentados que desistem de seu lote. Por que existe essa desistência?

Há alguns anos, pesquisas indicavam que menos de 10% dos assentados desistiam do lote. Em um contexto geral da agricultura brasileira e levando em conta o êxodo rural causado pelo agronegócio, o percentual dos assentamentos é bem abaixo da média do campo. Os principais motivos que levam as famílias a desistir do lote é a falta de políticas públicas e de infraestrutura.

O governo tem várias medidas que facilitam o acesso às políticas públicas pelos grandes proprietários, que já tem uma infraestrutura razoável. Quem está sendo assentado agora não tem nenhum tipo de infraestrutura e não há facilidades que propiciem que os assentados acessem crédito. E onde há, é muito burocratizado. É difícil para muitos ter acesso aos créditos disponíveis para a pequena agricultura, e os assentados ficam a mercê de uma sobrevivência sem o apoio das políticas públicas.

Como você vê o discurso do Incra de que a prioridade agora é desenvolver os assentamentos?

A questão é que nem o desenvolvimento dos assentamentos está sendo feita pelo Incra e pelo governo. Estão investindo em determinados estados para criar assentamentos modelos, que vão facilitar a propaganda da Reforma Agrária e dos assentamentos. São raros os assentamentos que estão tendo apoio a esse processo de infraestrutura e desenvolvimento.

Infelizmente, eles têm atuado menos na questão de desapropriação das terras improdutivas para a realização dos assentamentos, o que é uma pena, porque o lema desse governo é o combate à miséria.

A realização da Reforma Agrária, a distribuição de terras e o investimento nas áreas dos assentamentos são uma política fundamental para superar a miséria do país. Tanto da população que vive no interior como de quem mora nas cidades, que teriam acesso a geração de emprego, ao crescimento do mercado local, à produção de alimentos mais farta, barata e com maior qualidade.

Que medidas seriam necessárias por parte do governo para colocar em curso uma Reforma Agrária efetiva?

A primeira medida deveria fazer uma reestruturação para fortalecer o Incra, que está completamente sucateado, com poucos funcionários, salários baixos e poucos recursos para  realizar o trabalho de campo. Teria que renovar o quadro funcional, tirando pessoas desmotivadas e até contrárias à realização da Reforma Agrária, disponibilizando recursos para garantir o trabalho de campo.

O outro elemento é disponibilizar recursos de fato, aumentando a verba do Incra para a realização de desapropriações, aquisições de terras e vistorias. E fazer uma sinalização política para a sociedade de que o governo estaria disposto à realização da Reforma Agrária, com o enfrentamento do latifúndio.

Qual o papel dos movimentos sociais nesse contexto?

Os movimentos têm de continuar cumprindo seu papel organizador, mobilizador e de pressão. Devem continuar organizando os trabalhadores sem-terra pelo país. E pressionar os governos para que cumpram sua responsabilidade, punindo o latifúndio improdutivo e realizando a Reforma Agrária.

E os desafios para o ano que vem?

É a necessidade de articulação e unidade dos movimentos sociais do campo, que foi iniciada neste ano com o encontro unitário [organizado em agosto pelos movimentos sociais, sindicatos e organizações de indígenas, quilombolas e ribeirinhos]. Temos que continuar trabalhando para garantir a unidade das lutas e pautas de todos movimentos sociais do campo, para que isso garanta uma maior pressão sobre o governo federal.

Os movimentos devem continuar organizando as áreas de assentamento, tanto nos quesitos culturais, de educação, da formação técnica e política dos assentados, para que produzam alimentos de qualidade, livre de agrotóxicos, para a população do campo e da cidade.

E na parte de apontar as contradições do agronegócio?

Outro desafio importante é denunciar para a sociedade o uso dos agrotóxicos, que é um grande vilão do agronegócio. A sociedade está ganhando uma consciência do mal que o agronegócio faz, com sérias consequências para as pessoas, o meio ambiente, para o conjunto da sociedade com o alto uso de venenos no campo.

Temos que ganhar a simpatia da sociedade para a realização da Reforma Agrária, porque ela não vai se concretizar apenas com a pressão dos movimentos do campo. Se o conjunto da sociedade brasileira não pautar, reivindicar e cobrar de fato a Reforma Agrária, não conseguiremos realizá-la.