“Governo abandonou Reforma Agrária iludido com agronegócio”, diz Stedile


Por Celso Horta
Do jornal ABDC MAIOR

Há mais de 30 anos na luta dos trabalhadores rurais sem terra, João Pedro Stédile, um gaúcho descendente de italianos, ficou conhecido pela forma direta como manifesta suas opiniões políticas. O coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) avalia que o Brasil passa por um refluxo no movimento popular. Stédile dá nota oito para a presidente Dilma Rousseff e cinco para todo o governo, que para ele reúne setores da burguesia e dos trabalhadores.

Por Celso Horta
Do jornal ABDC MAIOR

Há mais de 30 anos na luta dos trabalhadores rurais sem terra, João Pedro Stédile, um gaúcho descendente de italianos, ficou conhecido pela forma direta como manifesta suas opiniões políticas. O coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) avalia que o Brasil passa por um refluxo no movimento popular. Stédile dá nota oito para a presidente Dilma Rousseff e cinco para todo o governo, que para ele reúne setores da burguesia e dos trabalhadores.

Vocês enquadram a gestão do PT dentro do modelo do neo-desenvolvimentismo? Por que?

A formulação que os movimentos sociais fazem, entre eles o MST e a Via Campesina, é que os governos Lula e Dilma são fruto de uma frente política de classes da sociedade brasileira. Dela, participam desde a grande burguesia até os mais pobres. E isso dá estabilidade e popularidade ao governo. Porém, o mantém como governo de composição de classes, com decisões heterogêneas e, às vezes, até contraditórias, ora beneficiando a burguesia, ora os trabalhadores, ora os mais pobres.

No plano econômico, o próprio governo tem se autodefinido como neodesenvolvimentista. É uma alternativa importante ao projeto tucano e do imperialismo, o neoliberalismo. O neodesenvolvimentismo procura desenvolver políticas que gerem crescimento econômico e distribuição de renda. Isso é importante, porém insuficiente.

Os problemas graves da sociedade brasileira, como emprego e moradia digna para todos, terra aos sem terra, universalização da educação e acesso à cultura, somente se resolverão com reformas estruturais. E apenas serão viáveis com a retomada da mobilização de massas uma correlação de forças dentro do governo mais compromissada com os trabalhadores.

Em relação à Reforma Agrária, quais os avanços e recuos durante estes dez anos?

Nos últimos dez anos, não houve avanços em termos de Reforma Agrária. Reforma Agrária é uma política pública que leva a democratização da propriedade da terra, como bem da natureza, ao maior número possível de seus cidadãos. Nos últimos dez anos, se ampliou a concentração da propriedade da terra. E pior, concentrou inclusive nas mãos do capital estrangeiro e de empresas que não são da agricultura.

O governo Dilma não conseguiu nem resolver o problema social das 150 mil famílias que estão acampadas, algumas há mais de cinco anos. Portanto, o governo Dilma abandonou a Reforma Agrária, iludido com o sucesso do agronegócio, que produz, ganha dinheiro, mas concentra a riqueza e a terra e aumenta a pobreza no campo.

Como você avalia o governo Dilma do ponto de vista ideológico: de 1 a 10, qual a nota?

A presidenta Dilma tem um bom desempenho pessoal e ideológico, daria oito. A composição de seu governo, formada pelas forças políticas que detêm o controle dos ministérios, é bem pior do que no governo Lula. São prepotentes e desconhecem as prioridades do povo. Ainda estão navegando com as políticas sociais do governo Lula. Daria 5 para eles.

Gestões municipais progressistas podem ajudar o fortalecimento de organizações como o MST que defendem a agricultura familiar e a economia solidária?

Nós somos devotos de Santo Antonio Gramsci, o mais interessante dos santos italianos, sobretudo porque foi um sábio e comprometido com os trabalhadores. E ele dizia que a luta de classes ocorre em todos os espaços da sociedade moderna. Seja nas disputas eleitorais, seja em muitos espaços de pequenos poderes, que ele chamava de “estado ampliado”.

Portanto, todos os espaços, um jornal, uma rádio, uma televisão comunitária, um sindicato, uma prefeitura, um governo do estado… Todos são espaços que podem acumular forças para o projeto da classe trabalhadora ou podem acumular forças para os capitalistas e os exploradores. Nós acreditamos e defendemos que as prefeituras podem e devem ser espaços importantíssimos para desenvolver políticas públicas a favor das necessidades do povo, democratizar a participação popular nas decisões municipais, etc.

Há partidos e organizações de vanguarda preocupados com esta construção? Que movimentos você enxerga como atores políticos no futuro imediato e de médio prazo?

Infelizmente, no sentido genérico e incluindo todas as categorias do campo e da cidade, vivemos um período de refluxo do movimento de massas. E isso retirou força política para a classe atuar nas disputas da sociedade. Porém, esses períodos são limitados, em algum momento virá um novo processo de ascenso. Ninguém sabe quando, nem como. E somente nos períodos de reascenso é possível rearticular formas organizativas e forças políticas-ideológicas.

Por isso que agora estamos vivendo uma pasmaceira, em termos de organização política, que nos leva apenas a disputar eleições. Que são necessárias, porém insuficientes para o projeto da classe trabalhadora. Então, em períodos difíceis como esse, temos de investir na formação de militantes, no estímulo da luta social, e na construção de meios de comunicação alternativos até que a maré mude.

O MST há muito denuncia a judicialização da política no Brasil. Esta ofensiva da direita em torno da exploração política do mensalão, como ferramenta de combate ao PT, é parte do mesmo processo de subordinar direitos políticos ao judiciário?

Claro. A classe dominante brasileira é muito esperta e experiente. Não é por nada que manda há 500 anos. Ela sabe que não tem hegemonia no governo federal. Participa, mas não manda. Então, para se contrapor às forças da classe trabalhadora, nos últimos dez anos, a prioridade da burguesia, além de ganhar dinheiro na economia, tem sido utilizar-se do judiciário e dos meios de comunicação para combater as idéias e os programas da classe trabalhadora. E o episódio recente do STF é apenas um capítulo dessa ofensiva e controle hegemônico que a burguesia tem sobre o judiciário e o usará contra todos os que assumirem compromissos claros com a classe trabalhadora.

Que peso você atribui à regulação da mídia na construção de um país democrático e socialmente justo?

A classe dominante tem no controle hegemônico da mídia, uma de suas principais armas para manter o controle da população, enganá-la e fazer a luta de classes contra o povo e os trabalhadores. Por isso, é fundamental trabalharmos em duas direções: primeiro, lutar pela democratização dos meios de comunicação. Segundo, construirmos nossos próprios meios de comunicação populares, para fazer essa disputa de ideias, de forma democrática, mas com as mesmas condições.