Metalúrgicos precisam incorporar luta contra agronegócio, diz sindicalista


Por Celso Horta
Do Brasil de Fato

 

Por Celso Horta
Do Brasil de Fato

 

Rafael Marques é ex-funcionário da Villares e trabalhador da Ford desde 1986. Neste início de 2013, aos 48 anos, passou a comandar um dos principais postos de liderança da classe trabalhadora brasileira e da Central Única dos Trabalhadores (CUT): o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. À cabeceira da mesa ocupada pelo ex-presidente Lula nos anos 1970, no “palácio das pastilhas”, hoje em reforma, centro de São Bernardo, Rafael concedeu esta entrevista ao Brasil de Fato. O socialismo continua no horizonte, avalia, e a classe trabalhadora brasileira vive um momento de pleno emprego e de ofensiva em suas lutas e conquistas sociais e políticas.

Com otimismo e muita fé nos governos do PT e na capacidade de luta dos trabalhadores, na condição de dirigente estadual do Partido, Rafael reafirma os compromissos éticos do PT e a necessidade de fazer a reforma política e enfrentar o monopólio da comunicação no Brasil. Também acredita que, ao lado da defesa de qualidade melhor do trabalho, é hora de levantar a bandeira do seguro-emprego, complemento do seguro-desemprego, um velho conhecido dos trabalhadores brasileiros. 

     

     

Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos

do ABC – Foto: Amanda Perobelli

Brasil de Fato – Pleno emprego, juros em queda, inflação controlada. É possível imaginar, a partir desta conjuntura, uma saída da defensiva política para os trabalhadores brasileiros?

Rafael Marques – Não concordo que a gente viva uma defensiva política. Os trabalhadores estão numa ofensiva: participamos da luta pela democracia, pelas diretas, por avanços na constituição, por uma central sindical combativa, elegemos o presidente da República, tudo isto é obra da classe trabalhadora brasileira. Tudo foi conquistado com muita luta, por melhores condições de trabalho, de vida, salariais. Resultou num acúmulo que permitiu para à classe trabalhadora oferecer ao Brasil um presidente operário. E nestes 10 anos de governo do PT o Brasil cresceu e as lutas dos trabalhadores não diminuíram. O mapa do Dieese mostra uma continuidade das conquistas salariais ao longo do governo Lula. E também das greves. Elas continuaram existindo, não com a mesma intensidade, mas continuaram acontecendo, normalmente, num ambiente democrático. Aqui no ABC, no ano passado, fizemos campanha salarial com greve. No campo o conflito existe, a reforma agrária continua sendo tema fundamental, apesar do avanço dos assentamentos no Brasil. 

Mas no plano ideológico e da ética, o cenário não é de retrocesso, de defensiva?

Eu não concordo que o PT perdeu a bandeira ética. Nunca se investigou tanto, nunca se colocou tanto o Brasil no avesso. Houve erros, mas tudo isto se deu de maneira aberta, democrática, transparente. Houve CPIs, a imprensa pode dizer o que quis, e muita mentira foi dita. Os réus da Ação Penal 470 foram julgados sem base de fatos, mas sim em cima de indícios. Um absurdo que não é tradição da justiça brasileira. O governo Lula não perdeu. Temos um problema sério na comunicação. Esta sim tenta fazer da experiência do governo do PT uma agenda negativa. Mas o povo brasileiro sabe que não é. Até porque nunca a mídia esteve tão à prova quanto hoje, nunca tantas pessoas disseram desconfiar da mídia, porque é muito evidente a condução que deram ao processo e o tratamento que dão às mudanças que o Brasil está atravessando. 

Neste quadro de crise internacional do capitalismo, o desempenho negativo da indústria nacional pode ameaçar esta conjuntura favorável aos trabalhadores?

A situação da indústria no Brasil reflete a crise que acontece mundo afora. Nossa central sindical, este sindicato, nós percebemos a tempo de reagir. Não a favor da indústria, mas dos trabalhadores. A defesa da indústria nacional é muito importante para o Brasil e o governo Dilma a incorporou. E é uma agenda vitoriosa, as medidas adotadas vão impedir que o Brasil se aprofunde na crise, como ocorreu com outros Estados nacionais. A ideia aqui foi injetar recursos diretamente na classe operária. Foram feitas a correção da tabela do imposto de renda, do salário mínimo, nova tabela de participação nos lucros e resultados, desoneração de produtos básicos que repercutem diretamente na redução do custo de vida. Injeção direta na veia do consumo. E, agora a redução do preço da conta de luz. 

Você concorda com o discurso, assumido também pelo governo Dilma, da necessidade do “pibão”?

Nas nossas campanhas salariais sempre lutamos para conseguir, além da inflação, o aumento real. O crescimento do PIB, durante os governos do Lula, levou categorias profissionais do Brasil inteiro a avançarem muito na questão salarial. Mais de 90% das categorias têm conseguido inflação mais aumento real e, agora, participação nos lucros das empresas. Acho que é uma grande distribuição de renda. Parte da mobilidade social que vivemos nos últimos anos se deveu aos reajustes do salário mínimo e às convenções coletivas, de todas as categorias. Neste sentido o crescimento do PIB é indispensável, inclusive para bancar este novo modelo de Estado. Um Estado que intervém na economia, gerencia crise, oferece vagas de ensino superior a milhões de brasileiros, na extensão universitária, nas escolas técnicas, no ProUni. 

Mas estes investimentos, feitos a custo da expansão do agronegócio, da mineração, da exportação desenfreada de commodities, não vão prejudicar o país a longo prazo?

O avanço do agronegócio pode existir com PIB grande ou PIB pequeno. O modelo pode ser mais concentrador ou mais distributivo. Esta é a questão. Os recursos colocados na agricultura familiar, por exemplo, foram muito maiores. Sabemos dos problemas causados pelo agronegócio – é monocultura. Por isso está na agenda do movimento sindical a recuperação da indústria brasileira. A boa pauta de exportação é a manufaturada, trabalhada. Mas a luta contra o agronegócio que os companheiros do campo fazem muito, nós temos de incorporar. 

O consumo de produtos da economia solidária pode ter algum papel na construção da unidade entre as lutas dos trabalhadores urbanos e rurais?

Acho fundamental. Criar um modelo de comercialização, fazer com que os produtos cheguem à mesa dos trabalhadores, às fábricas ou aos mercados. São negociações que tem de ser feitas. Imagino, por exemplo, refeições coletivas dos trabalhadores abastecidas com produtos da reforma agrária, da agricultura familiar. Experiências pequenas como já fizemos, de colocar na fábrica um posto da agricultura familiar, também cabem. 

Esta conjuntura de “pleno emprego” pode se refletir em mais unidade dentro da classe trabalhadora brasileira?

Acho que a direção da CUT tem uma compreensão e um papel muito claro da importância da unidade dos trabalhadores do Brasil. Existe uma agenda consensual, a redução da jornada de trabalho, a luta pelo fim do fator previdenciário, por melhores condições de trabalho no campo, são agendas que unificam as centrais sindicais. Em torno de outras questões há divergências, por exemplo, na luta contra a terceirização. Há centrais que representam muitos terceirizados, então as divergências aparecem, o que é da natureza do ambiente democrático que vivemos. 

A estratégia da defesa do emprego, que parece ter orientado as lutas operárias no último período, cede lugar a estratégia de perseguir qualidade no emprego?

Não podemos abrir mão da defesa do emprego. Tínhamos pleno emprego nos Estados Unidos, em vários países da Europa, agora não tem. Temos de construir condições estruturantes no nosso país para que o pleno emprego permaneça. Sabemos que o aquecimento do consumo é importante, mas tem limite. É preciso olhar para outra agenda, a dos investimentos. Isto significa que a defesa do emprego implica em outras bandeiras. Investimentos exigem qualificação profissional, melhoria da educação. Há bandeiras que vão naturalmente entrar na agenda do trabalhador. Por exemplo: a circulação do trabalhador brasileiro no Brasil e fora do Brasil. É uma bandeira que temos de defender. A circulação livre, não só de bens, mas de pessoas na América Latina. Emprego de qualidade significa que o trabalhador possa viver melhor: frequentar cinema, teatro, praticar esportes. 

     

     

Centrais sindicais e movimentos sociais reunidos

em manifestação em São Paulo – Foto: ABr

Há novas bandeiras em discussão capazes de garantir esta condição que você chama de estruturante para o emprego no Brasil?

Estamos trabalhando com o governo brasileiro a criação de um modelo de proteção ao emprego. Assistimos uma redução de emprego muito forte na crise, inclusive entre metalúrgicos. E o seguro-desemprego tem um papel. Mas podemos ter um modelo novo de seguro, que é o seguro-emprego. Na Alemanha, por exemplo, quando uma empresa é alcançada por alguma crise, ela não demite o empregado imediatamente. Ele tem pelo menos dois anos de garantia de emprego, de garantia de renda. 

Em que pé está esta discussão no Brasil?

Uma comissão composta de representantes do governo, empresários e sindicalistas foi conhecer o modelo alemão. O projeto está em estudo na Secretaria Geral da Presidência da República, junto com o Ministério do Trabalho. Podemos fazer nascer um novo modelo de seguro-emprego no Brasil. Já existe em outros países, mas nós podemos trazer para o Brasil também. 

E em relação a qualidade do emprego: quais as principais bandeiras?

A defesa da saúde do trabalhador é uma das principais lutas. As condições de trabalho na fábrica estão mudando muito por conta do modelo de produção. Existem as chamadas doenças invisíveis provocadas pela pressão das chefias, assédio, pelo modelo hierárquico das empresas, cobrança de resultados etc. É uma questão de ética no trabalho. Porque a primeira questão da ética é a garantia da vida das pessoas. Porque você não pode entrar numa fábrica ameaçado de não sair de lá, de ser escravo do trabalho. As condições em que se submetem os trabalhadores bolivianos no Brasil são exemplos de falta de ética na contratação do trabalhador. Não é só usar uma luva, um óculos, o EPI. 

Quais as principais bandeiras políticas do movimento sindical hoje?

O PT vai fazer uma agenda de debate sobre o legado de 10 anos de governo do PT e as centrais sindicais têm de participar desta reflexão. O Brasil não é o país que a grande imprensa pinta o tempo todo. E as conquistas deste governo constituem um legado e é muito importante que sua defesa faça parte da agenda do movimento sindical. A democratização dos meios de comunicação é também pauta fundamental desta agenda. É uma preocupação muito forte deste sindicato. Desde a época de Lula começamos esta disputa. Temos de democratizar os meios de comunicação. A imprensa brasileira não pode falar o tempo todo que vai ter apagão no Brasil e, de repente, acabou a agenda do apagão. Não pode um jornalista alimentar especulação no mercado, sem qualquer lei que possa coibir ações criminosas na imprensa. 

O fato de o governo federal não querer entrar nesta agenda dificulta esta questão?

Eu acho que o movimento sindical tem de entrar nesta agenda. Nós estamos influenciando a agenda do governo. Conseguimos uma concessão de uma TV, de rádio, vamos conseguir fazer da TVT uma rede importante no Brasil, com capilaridade. Temos que pressionar o governo para que as agendas positivas aconteçam. E a da comunicação é uma delas. Além de outras bandeiras, a da reforma política, financiamento público de campanha, voto em lista, reestruturação partidária. São agendas importantes, temos de lutar por elas. 

E o socialismo? Arquivamos?

Todos nós nos afirmamos como socialistas. Desde a juventude nos colocamos como agentes transformadores, como socialistas. E estamos cumprindo uma etapa fundamental na construção de um novo modelo de socialismo. Os avanços nos satisfazem, nos deixam realizados? Evidentemente que não. Mas, que as oportunidades para os cidadãos brasileiros estão surgindo, estão. Então o socialismo que estamos construindo é um socialismo de oportunidades iguais, no campo da educação, da saúde, dos direitos. É importante assistir o Maluf preso por três meses. Ninguém imaginava isto no Brasil, passar 81 dias numa prisão preventiva. É importante no imaginário de um país que está querendo se redescobrir. O socialismo é uma afirmação de todos nós e estamos construindo este processo.

 

     

     

Posse de Rafael Marques à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos

Foto: Paulo Roberto de Souza

Mas, na questão do fim da exploração do trabalho pelo capital, você vê algum avanço?

Vejo o Brasil como um país com uma pauta ambiental importante. É um dos países que melhor convive com a agenda ambiental, que menos agride sua biodiversidade. Tem a ver com uma agenda progressista, de caráter socialista. Vejo a recuperação dos direitos do povo indígena, a questão dos negros, dos jovens, das mulheres, temos uma presidenta, entendo isto como uma pauta moderna e socialista. O socialismo histórico nunca se preocupou com estas pautas. Eu vejo este modelo baseado no direito à diversidade sexual, religiosa, a repactuação das dívidas históricas. 

São questões da democracia. Mas e no plano econômico? Como é a pauta do socialismo hoje?

Eu acho que estas questões da democracia influenciam o econômico. Se refletem no combate às teses neoliberais, em um Estado que obrigou os bancos a baixarem os juros, reduziu tarifas de energia, está obrigando as empresas a serem mais produtivas e competitivas, a entregar um serviço melhor ao consumidor, que toca obras de infraestrutura, gera emprego e facilita a vida e a renda das pessoas. Um Estado forte, indutor de uma agenda econômica e social que conseguiu fazer frente a uma crise financeira internacional. Isto tudo, somado, significa que estamos construindo um modelo socialista, com muita perspicácia, perseverança, realizações… 

No plano teórico, tudo isto não significa ficar apenas dentro de um ideário neodesenvolvimentista? A inteligência brasileira, capaz de pensar um novo ideário de socialismo para o Brasil, não está muito longe desta experiência de governo que você se refere?

Não é bem verdade. A campanha do Haddad, por exemplo, permitiu uma boa reaproximação da intelectualidade. Na cidade de São Paulo, ela vai ter a oportunidade de fazer um processo de reflexão que pode ajudar muito São Paulo e o Brasil. Agora, quando você está no governo, o pragmatismo é inerente. Um governante que não é pragmático é governante de um mandato só.