O Globo debate Reforma Agrária: Editoral dos proprietários x MST


Da Página do MST


Da Página do MST

Confira o debate do jornal O Globo sobre o tema da Reforma Agrária. De um lado, o editorial do jornal, representando os grandes proprietários rurais e o agronegócio. De outro, a resposta de Marina dos Santos, da coordenação nacional do MST, ao apontar o fato da problemática agrária estar longe de ser resolvida, e que o caminho certamente não é pelo modelo do agronegócio.     

Marina dos Santos – Por um novo modelo agrícola

Nos últimos anos, tornaram-se corriqueiras as análises de que a questão agrária no Brasil está resolvida. Essas análises desconhecem ou ignoram os graves problemas que a sociedade brasileira enfrenta no meio rural. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem terra vivendo em acampamentos rurais. Há 4 milhões de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome.

Há uma absurda concentração fundiária que se estende à riqueza produzida na agricultura. De acordo com o último censo agropecuário, 3,8 milhões de estabelecimentos rurais – 72,9% do total – respondem por apenas 4% do Valor Total da Produção Declarada (VTPD).

São famílias desassistidas de créditos e políticas públicas, sem perspectiva de progredir economicamente na agricultura. Só lhes é dada uma alternativa: permanecer o maior tempo possível no campo e depois migrar para as favelas dos grandes centros urbanos.

No outro extremo, 51,3% do VTPD estão concentrados nas mãos de 0,4% de proprietários rurais. Ou seja, o modelo do agronegócio, centrado na agroexportação, beneficia cerca de 22 mil proprietários rurais, de um universo de 5 milhões de estabelecimentos agrícolas.

Sobre a produção de alimentos, basta prestar atenção aos frequentes alertas da inflação causada pela escassez de alimentos. É inaceitável que o Brasil, com seu tamanho, tenha uma baixa oferta de alimentos.

Por isso, defendemos um modelo de agricultura que, além de promover a democratização do acesso à terra, por meio de um programa de reforma agrária, produza alimentos saudáveis, assegure a preservação ambiental e garanta a soberania alimentar do país.

Há no Nordeste mais de 200 mil hectares em projetos de irrigação, com recursos públicos, que serão destinados, preferencialmente, a capitalistas sulistas. Uma área suficiente para assentar 100 mil famílias em propriedades de dois hectares irrigados. Junto à distribuição de terras, é necessária uma política agrícola associada à implantação de agroindústrias nas áreas da reforma agrária; universalização de ensino público no meio rural; assistência técnica centrada na agroecologia, na cooperação agrícola, na preservação e no reflorestamento ambiental; e uma política de comercialização que assegure renda aos camponeses.

Aos que sempre argumentam que esse programa custaria muito caro aos cofres públicos, ao menos tenham a honestidade de reconhecer que a agricultura do agronegócio, para favorecer uma minoria de proprietários rurais, custa uma quantia muito superior a qualquer programa de reforma agrária.


Editorial do O Globo – Causa revogada

Os desentendimentos recentes entre representantes do movimento dos sem terra e o governo federal, em que há, como desde o início da Era Lula, em 2003, aliados do MST, são reveladores do momento de dificuldades por que passa a proposta de reforma agrária.

A militância da divisão de terras, bandeira histórica na política brasileira, não se cansa de reivindicar mais lotes e recursos para os assentados. sempre será assim, é da lógica deste tipo de luta. Mas quem está no governo precisa ter outra perspectiva das demandas que chegam da sociedade – se houver um mínimo de consciência pública. De fato, no governo Dilma cai o ritmo de assentamentos. Na gestão FH, a média anual de famílias assentadas foi de 67.588; com Lula, 76.761, e Dilma, 22.552.

A explicação é plausível, dada por alguém insuspeito para os chamados movimentos sociais, ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência: é preciso, primeiro, tratar de reformar os atuais assentamentos, dar-lhes condições de se sustentar por conta própria. Carvalho não errou ao afirmar que muitos deles são “quase favelas rurais”. Foi até elegante. Reportagem feita pelo GLOBO confirmou a precariedade de projetos do Incra. Mesmo em São Paulo, estado em que há amplos canais de comercialização de produtos agrícolas e infraestrutura em geral.

É razoável considerar que uma das causas do visível fracasso de assentamentos de reforma agrária seja o descuido na distribuição de terras, feita sob pressão política. Ajuda, ainda, na distorção usar a estatística fria do número de famílias assentadas como indicador da eficiência do programa de reforma da estrutura fundiária.

Pode-se distribuir centenas de milhares de pessoas pelo interior do país sem que elas ascendam socialmente por meio do cultivo da terra. É o que tem acontecido, com muito assentado sobrevivendo apenas graças ao Bolsa Família.

A intenção do governo de dar prioridade ao apoio aos assentamentos existentes – por meio de treinamento, assistência técnica etc. – faz sentido. Pode não coincidir com as estratégias políticas do MST e aliados, mas é o correto.

Outro aspecto da atual discussão sobre reforma agrária é saber se a proposta continua atual ou foi superada pelo vertiginoso crescimento da agricultura capitalista no Brasil, indutora da modernização de propriedades de todos os tamanhos. Inclusive o minifúndio, principalmente aquele incluído em grandes redes de fornecedores da agroindústria.

Como o “latifúndio improdutivo” foi, na prática, extinto pela agricultura de mercado, ligada ao mundo e às bolsas de commodities, passou a haver falta de terra boa para distribuir. O avanço da agricultura, então, esvaziou a antiga proposta de distribuição de terras. Há, inclusive, redução da população no campo, por força da urbanização do país, um processo clássico, universal. Daí o MST se voltar contra a grande propriedade produtiva. Outro erro, pois, assim, o movimento deixa de ser social para incorrer no Código Penal.