Mais uma vez adiado, julgamento de Chafik deve ocorrer em agosto

 

 

 

Por Joana Tavares
Do Portal Minas Livre

 

Eles já estavam em Felisburgo quando souberam da notícia: depois de mais de oito anos de espera, o julgamento do acusado de ser o mandante do crime que matou cinco pessoas do acampamento, em novembro de 2004, havia sido adiado. Pela terceira vez, as famílias acampadas no Terra Prometida, no Vale do Jequitinhonha, tiveram que lidar com a angústia da espera. 

 

 

 

Por Joana Tavares
Do Portal Minas Livre

 

Eles já estavam em Felisburgo quando souberam da notícia: depois de mais de oito anos de espera, o julgamento do acusado de ser o mandante do crime que matou cinco pessoas do acampamento, em novembro de 2004, havia sido adiado. Pela terceira vez, as famílias acampadas no Terra Prometida, no Vale do Jequitinhonha, tiveram que lidar com a angústia da espera. 

“A gente já estava na cidade quando chegou a notícia  que foi adiado, mas a gente já estava com as coisas pra vir e pegou e veio, né? Pra poder ver se eles marcam de novo, porque como pode uma pessoa matar essa porção de gente e ficar aí no solto no mundo?”, questiona Anita Pereira da Silva, uma das acampadas presentes na manifestação em frente ao Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, na manhã de quarta-feira, 15 de maio, no dia em que começaria o esperado júri do fazendeiro Adriano Chafik.

Vestindo bonés e hasteando bandeiras, cerca de 400 pessoas do MST aguardaram a resposta de uma reunião feita com o juiz Glauco Soares, presidente do Tribunal do Júri, com representantes do movimento e parlamentares.

Ênio Bohnenberger, da direção nacional do MST deu a notícia: “O juiz acenou que o julgamento será na segunda quinzena de agosto, que seria o prazo para ouvir todas as testemunhas do Chafik”.

O motivo para mais esse adiamento teria sido a necessidade de ouvir as testemunhas – 60 – do fazendeiro em Jequitinhonha. “Nós até entendemos, aceitar que é difícil. Não aceitamos esses quase nove anos de impunidade e a violência que continua no campo”, denuncia.

Uma das justificativas para o novo adiamento seria a possibilidade de depois ser solicitado um anulamento do julgamento, como aconteceu na terça-feira (14) com o caso da missionária Dorothy Stang. A segunda turma do Supremo Tribunal Federal decidiu pelo anulamento da condenação de Vitalmiro Bastos de Moura, condenado duas vezes pelo assassinato.

“Não podemos baixar nossa bandeira. Temos de dormir de olho aberto e intensificar o trabalho na sociedade”, alerta Ênio, reforçando que o movimento se manterá mobilizado nesses três meses, cobrando justiça. Ainda nesta quarta-feira, militantes do MST marcham em Brasília contra a impunidade.

O advogado e integrante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) William Santos avalia que o adiamento foi uma manobra dos réus para adiar o processo. “Eles podem, como já fizeram, postergar ainda mais o julgamento e a decisão.

Mas nós não vamos deixar eles fazerem isso, precisamos nos manter mobilizados”, destaca William, lembrando que o réu Adriano Chafik conseguiu, por duas vezes, habeas-corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para responder ao processo em liberdade, apesar de ter confessado participação no massacre em depoimento à Polícia.

Uma das exigências dos movimentos sociais era que o caso fosse desaforado da comarca de Jequitinhonha para Belo Horizonte, para que não houvesse interferências no processo.

“O desaforamento para o Fórum em Belo Horizonte pode permitir uma isenção no julgamento. Esperamos que Chafik já saia daqui com prisão decretada, para que ele não possa recorrer mais”, aponta William.

Justiça demora para garantir assentamento

Maria Gomes, liderança do acampamento Terra Prometida, não escondeu a decepção com mais esse adiamento, mas espera que agora todos os argumentos fiquem certos para que não haja mais demora na condenação.

“O juiz está lá para cumprir uma lei do nosso país, que não foi feita para os pobres, né?”, diz. Ela explica ainda que a Justiça está demorando para cumprir outro direito dos acampados: a desapropriação da área.

Em dezembro de 2009, um decreto de desapropriação foi assinado pelo então presidente Lula. Apesar do documento, que prevê a destinação da terra para a reforma agrária, por descumprimento da legislação ambiental, até hoje não foi cumprido o decreto.

“Estamos dependendo da juíza Rosilene Maria Clemente de Souza Ferreira, da Vara Agrária, que sentou em cima do processo, mesmo já estando tudo lá. Só falta ela imitir a posse”, conta Maria Gomes.

Como as 55 famílias – eram 230 na época da ocupação, em 2002 – estão há mais de dez anos vivendo de forma precária na área, o MST fez uma audiência no Senado Federal na semana passada, buscando outras formas de garantir o assentamento, como a aplicação da lei 4.132, que garante a desapropriação por interesse social. Segundo Maria, o prefeito de Felisburgo já enviou uma carta ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com um pedido formal para a desapropriação do Terra Prometida.

Maria Gomes ressalta que as famílias preferem a desapropriação via imissão de posse da Justiça, que não prevê pagamento de indenização ao fazendeiro, que é acusado de ter adquirido as terras por um processo de grilagem.

“Tem dois processos de desapropriação andando: um está nas mãos do Incra, para avaliar se consegue comprar, que já tem um pedido do município.E tem esse outro processo, que seria o mais justo, que está nas mãos da Rosilene, que age sem dó nem piedade contra nós trabalhadores”, resume.

Massacre

O agricultor Joaquim Batista da Silva não se sente inibido. Ao contar do dia 20 de novembro de 2004, abre a camisa e mostra as marcas dos dois tiros que levou. Ele e seu filho, na época com 12 anos, estavam se preparando para fazer farinha quando ouviram a confusão de pistoleiros chegando.

“Quando fui chegando, eles estavam com arma na mão e fui tomando tiro. Meu menino também tomou tiro, perto do olho e perto da orelha. Tinham armas nas duas mãos”, relata.

Dona Maria dos Santos perdeu, naquela manhã, o marido Joaquim José dos Santos e o genro. Ela ainda viu o marido ferido, com a perna quebrada, e ficou com ele nas três horas em que agonizou, até falecer.

“Depois disso, fiquei com problema na cabeça. Qualquer coisa eu desmaio, é muito difícil”, diz. Nem ela, nem as outras viúvas, nem ninguém do acampamento recebeu nenhum tipo de indenização até hoje.

Além de Joaquim, foram mortos no massacre Iraguiar Ferreira da Silva, Miguel Jorge dos Santos, Francisco Nascimento Rocha e Juvenal Jorge da Silva. Outras 20 pessoas ficaram feridas, as casas e escola foram queimadas. “O pessoal lá tá assombradinho até hoje. Eles andam ameaçando nós direto na cidade”, relata Joaquim.

A lavradora Anita Pereira conta que é cheio de capangas do Adriano rondando o acampamento. Ela diz que esse é o lado ruim de morar lá, pois as famílias estão unidas e organizadas na produção.

“Agora está mais ou menos por causa da seca, mas no fim de abril deu uma chuvadinha e deu pra plantar. De todo jeito, a sempre pega um trenzinho daqui e dali e vai levando a vida”, conta.

Reforma Agrária

“A luta de vocês, além de pedir a prisão dos responsáveis pelo massacre, é uma luta por reforma agrária. Temos que agradecer a luta que vocês fazem para que a reforma agrária seja uma realidade. É com reforma agrária que a gente faz justiça no campo, divide renda, produz alimento de boa qualidade”, diz o deputado Rogério Correia, um dos deputados que manifestou seu apoio no ato. Sindicatos, militantes do movimento estudantil e pastoral também se manifestaram ao lado dos agricultores.

Na manhã de ontem (14), a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos promoveu, na Câmara dos Deputados, um ato público pela condenação de Adriano Chafik.