Agroecologia terá plano nacional e cria um novo marco para o país


Por Najar Tubino
Da Carta Maior


O governo federal lançará em breve o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), depois de mais de um ano de discussão com dezenas de entidades da sociedade civil e representantes de 10 ministérios. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas disse que o plano será importante não só para a agricultura familiar, mas para todo o país.


Por Najar Tubino
Da Carta Maior

O governo federal lançará em breve o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), depois de mais de um ano de discussão com dezenas de entidades da sociedade civil e representantes de 10 ministérios. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas disse que o plano será importante não só para a agricultura familiar, mas para todo o país.

Os investimentos em 134 iniciativas envolvendo 14 metas dentro de quatro eixos principais – produção, uso e conservação de recursos naturais, conhecimento, comercialização e consumo. O secretário Valter Bianchini, da Agricultura Familiar do MDA disse em Botucatu recentemente que o PLANAPO contará com um volume importante de recursos, na ordem de R$7 bilhões, e contará com diretrizes definidas até 2015. A Política Nacional de Agroecologia foi definida pelo decreto 7.794 no ano passado.

É um marco fundamental para o país, onde o agronegócio, por sua importância econômica, dita regras e condicionantes por todo lado. Recentemente um grupo de pesquisadores, dois deles ligados à Embrapa e um à UNICAMP, lançaram as “Sete Teses do Mundo Rural”, uma cantilena que mais parece um panfleto da TFP – Tradição, Família e Propriedade –, de tão rançoso.

Além do tradicional deslumbre da modernização da agricultura, que vive novos tempos, de inovação tecnológica acima de tudo, e consequente mudanças sociais, ditadas pela monetarização, o arrazoado decreta a falência das propriedades familiares, o fim da reforma agrária e define como quimérica e absurda a proposta de difundir as tecnologias chamadas alternativas.

Reforma agrária

“Em nenhum momento da história agrária os estabelecimentos rurais de menor porte econômico estiveram tão próximos da fronteira da marginalização… 2/3 dos estabelecimentos, quase três milhões de unidades, se apropriam de magros 3,3% da renda bruta do setor.” Esse é um dos trechos mais brilhantes das teses. Mas tem outro ainda mais revelador: “a história não terminou, mas o passado vai se apagando, desaparecem as teses sobre o campesinato, desaparecem alguns termos do passado, entre os quais a reforma agrária. O tema da reforma agrária perdeu sua relevância e a insistência, e correspondente alocação de recursos, em ações estatais nesse campo não encontra nenhuma justificativa razoável”.

É uma beleza. O Censo do IBGE, de 2006, o primeiro que coletou dados sobre a agricultura familiar no Brasil, aponta um número superior a 12 milhões de pessoas vivendo em mais de quatro milhões de estabelecimentos rurais, ocupando uma área de 80 milhões de hectares. Certamente estão todos condenados, na visão desses pesquisadores, especializados no “mundo rural”. Que na verdade é um mundinho de uma elite no país, muito poderosa, que movimenta bilhões de reais por ano – somente na exportação de carne foram quase seis bilhões de dólares em 2012. A soja envolve mais de 30 bilhões de dólares. É um mundo financiado por tradings internacionais, conhecidas pelas letras ABCD – de ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.

Falência de milhões

Vamos dizer que esse é o capitalismo na versão rural. Mas daí a decretar a liquidação da agricultura familiar que abastece o mercado interno e envolve milhões de pessoas já é um pouco acima da cota do razoável. Porém, é sintomático. Porque as Sete Teses foram lançadas justamente na hora que o governo federal lançará o PLANAPO. No momento em que os sojicultores comemoram 10 anos de implantação da inovação da Monsanto no mundo, e que depois de vencida a validade da patente, lança a segunda semente. Inclusive o próprio ministro da Agricultura brasileiro foi à China numa comitiva do agronegócio argumentar a favor da tecnologia da múlti. E ao mesmo tempo, a mesma Monsanto desistiu de produzir semente transgênica na União Europeia, seguindo a BASF, que já havia transferido seu centro de pesquisa da Alemanha para os Estados Unidos, concentrando seus negócios nas duas Américas.

Uma faceta do agronegócio todo mundo conhece – a produção intensiva – só é viável pela aplicação de fertilizantes químicos e de agrotóxicos. O que a Monsanto, Basf e Syngenta produziram nos últimos tempos foi uma semente frankenstein, onde o próprio veneno faz parte da planta. Porque as corporações vendem o veneno também. Por outro lado, se os resíduos de agrotóxicos causam doenças, principalmente vários tipos de câncer, as mesmas empresas produzem remédios para tratar as doenças. É um ciclo virtuoso. E nada se descobre sobre a influência dos transgênicos na saúde humana porque ninguém pesquisa, muito pelo contrário, as corporações boicotam qualquer iniciativa nesse sentido.

Princípio e não receita

Por isso, elas temem tanto a agroecologia, que muito mais do que uma técnica de plantio saudável, envolve princípios éticos, que valorizam a vida em primeiro lugar, tanto nossa, como das outras espécies, integradas ao ambiente natural. Por isso, os pesquisadores ligados ao agronegócio, e eles são maioria, tentam sempre desmerecer ou desmoralizar os princípios ecológicos. Não são produtivos, não são eficientes, não rendem economicamente. O que já virou uma falácia, quando se sabe que os negócios orgânicos no mundo giram em mais de US$50 bilhões, sendo que os principais consumidores são americanos e europeus. E o orgânico, nesse caso, é o certificado, com selo, exige auditorias, custos extras e um mercado elitizado e de exportação.

No Brasil, onde se estima que 100 mil propriedades usem práticas ecológicas e de agricultura orgânica, existe o conceito de produto ecológico. Ele é produzido por um grupo de agricultores identificados, com técnicas conhecidas e discutidas com consumidores e entidades representativas da sociedade civil. A Rede Ecovida, no sul do país, é um exemplo. Tem mais de 300 organizações de agricultores familiares e de consumidores reunidas em 26 núcleos, envolvendo os três estados do Sul, e funciona desde 1998. A comercialização ocorre em feiras ecológicas. Que, hoje em dia, se disseminaram pelo Brasil. Em Pernambuco, por exemplo, são 52, 14 somente em Recife e região metropolitana. A maioria dos agricultores familiares é da Zona da Mata, mas as feiras estão presentes no sertão, no agreste e no São Francisco.

Venda direta e mais barato

A feira, do latim feria, dia de festa, é um evento que acompanha a humanidade desde os primórdios. No Brasil, o primeiro registro em São Paulo é de 1914. Na década passada eram 867 na capital paulista atendendo 900 mil pessoas. Não são todas ecológicas, mas muitos produtores vendem suas mercadorias diretamente aos consumidores, fugindo do esquema das redes de supermercados – as três maiores Walmart, Carrefour e agora Casino, ex-Pão de Açúcar.

A feira tem preço melhor, produto melhor, é um espaço de convivência e de troca de experiências. Não está na estatística. Nem no controle das corporações. Muito da produção vendida nas feiras vem das centrais de abastecimento, as Ceasas, um sistema criado na época dos militares, e que na década de 1980 foi transferido aos estados e municípios. Um trabalho da CONAB sobre o volume de mercadoria que passa pelos 72 entrepostos do atacado no Brasil dá uma ideia do mercado interno – são 18 milhões de toneladas de frutas, verduras e legumes. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial, embora perca 30% do campo até a mesa do consumidor.

A Associação das Centrais de Abastecimento encaminharam o Plano Nacional ao governo federal, com objetivo de melhorar a infraestrutura, fiscalizar os produtos, cuidar de embalagens, melhorar a sanidade, informar os produtores – são 22 mil cadastrados e 200 mil funcionários nos 72 entrepostos-, entre muitas outras coisas. Inclusive a criação de um índice geral de preços.

“-Nenhum dos institutos de pesquisa reflete diretamente as oscilações nas centrais de abastecimento… esta carência de informação e acompanhamento faz com que a natural sazonalidade na comercialização deste tipo de produto adquira proporções grandiosas gerando assim grande desconforto e desinformação a toda a população”. Diz o documento do Plano Nacional de Abastecimento. O tomate está aí para não deixar dúvidas.

Quanto vale o mercado interno de frutas, verduras e legumes, sem contar a produção vendida diretamente aos consumidores, e que não passa por centrais: R$21 bilhões, em 2011. Imagina se o Brasil fosse importar isso, ou seja, a balança agrícola é totalmente favorável, porque o mercado interno está abastecido. Com exceção do trigo – 50% importado – o resto é produção local. E, crescendo de 20 a50% ao ano, a produção ecológica vai ganhando espaço. Um caminho traçado por centenas de organizações de agricultores e agricultoras familiares, por assentados e assentadas e por comunidades tradicionais quilombolas e indígenas. É o outro mundo rural, afinal, no campo não vivem apenas fazendeiros e sojicultores, muito pelo contrário, a maioria deles mora na cidade ou nas capitais do centro do país.

Enquanto os porta-vozes do agronegócio vão difundindo a ideologia retrógrada da “inovação tecnológica”, propriedade de uma única empresa, que tinha por meta transformar as sementes do mundo em vários tipos de frankenstein, o povo da agroecologia e dos assentados se organiza. No início do mês aconteceu o III Encontro Internacional de Agroecologia da América Latina em Botucatu (SP), com mais de dois mil participantes.

Na mesma época a 12ª Jornada de Agroecologia do MST ocorria em Maringá e Paiçandu, no Paraná, com mais de três mil participantes. Em Luziânia, a partir do dia 15 de agosto, 800 delegados de 18 estados da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (FETRAF), se reuniram no III Congresso para discutir a diversidade da agricultura familiar, a organização produtiva, agroecologia, política para o semiárido e reforma agrária. No Brasil os assentamentos ocupam 43 milhões de hectares, a maior parte no norte e no nordeste.

Para não deixar de falar em inovação tecnológica a última na área da pecuária de corte: os confinadores, que engordam boi em 90 dias, vão usar anabolizante, ou como dizem os modernos – promotor de crescimento. Coisa que os americanos fazem há muito tempo. Justamente o diferencial do Brasil era a carne produzida com capim. Trocaram por uma arroba a mais – de inchaço na verdade –, em troca poderão perder metade do mercado externo. Totalmente inovador.