Médicos cubanos conhecem a população que atendem, diz militante do MST

 

Por Thamires Andrade
Do UOL

 

Filho de uma militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) de São Paulo, Angelo de Oliveira Teodoro, 25, mudou-se para Cuba para estudar medicina. Aluno de escola pública, Teodoro prestou vestibulares para ingressar em universidades brasileiras, mas sem sucesso.

A oportunidade de estudar surgiu graças a um convênio do MST com a Elam (Escola Latino-Americana de Medicina), do país de Fidel Castro, que destina um número de vagas na instituição aos brasileiros. Prestes a entrar no quarto ano do curso, Teodoro lista as diferenças entre o sistema de saúde cubano e o brasileiro.

Uma das principais disparidades é a quantidade de médicos disponíveis para a população. “Em Cuba, cada médico é responsável, em média, pelo atendimento de quatro quadras, ou seja, o profissional conhece toda a população que vive naquele local e sabe os problemas de saúde dos pacientes que atende”, afirma.

Em entrevista ao UOL, o estudante, natural de Teodoro Sampaio (a 660 km de São Paulo), conta sobre o funcionamento da universidade cubana, o atendimento nos postos de saúde e a solidariedade dos médicos da região:

Como surgiu a oportunidade de estudar medicina em Cuba?

Já tinha prestado vários vestibulares aqui no Brasil, mas infelizmente nenhum deu certo. A oportunidade surgiu, pois minha mãe é militante do MST e o movimento tem convênio com a Elam. Depois de me inscrever, fiz uma prova na embaixada de Cuba sobre conhecimentos gerais e passei por uma entrevista. São etapas eliminatórias em que eles avaliam currículo e histórico escolar para saber se a pessoa está apta para cursar medicina lá.

Qual o critério para ser aprovado na Elam?

A faculdade tem convênio com mais de 113 países e o principal critério para conseguir uma vaga é não ter condições financeiras para pagar por um curso de medicina. O curso na Elam, bem como a moradia, alimentação e livros são gratuitos e a faculdade ainda dá uma bolsa de 100 pesos cubanos mensais, que lá equivale a US$ 5. O custo de vida é bem baixo e dá para viver com a bolsa, pois as necessidades básicas já são oferecidas pela instituição.

E como fica o retorno ao país de origem? A universidade oferece algum tipo de ajuda de custo?

Não. A passagem para retornar para o país é uma despesa particular mesmo. Algumas organizações e governos oferecem aos estudantes. Por exemplo, os venezuelanos ganham a passagem do governo no período de férias. No Brasil, não existe esse tipo de ajuda, portanto muitas famílias brasileiras chegam até a vender algumas coisas para conseguir comprar a passagem. Eu só consigo vir a cada dois anos, dependendo das possibilidades econômicas da minha família, mas ainda assim é um sonho realizado poder fazer o curso.

Na sua avaliação, o sistema de saúde cubano é muito diferente do brasileiro?

Os dois sistemas de saúde são totalmente gratuitos, mas a visão de Cuba é uma medicina mais preventiva, tanto que o país conseguiu erradicar algumas doenças, como malária, febre amarela e coqueluche. O Brasil está sofrendo um pouco para desenvolver esse tipo de medicina, pois o foco sempre está na cura da doença e não no que é necessário fazer para evitar adoecer. Os cubanos viram que era mais barato, econômico e menos trabalhoso prevenir do que remediar.

Como funciona o sistema de saúde cubano?

Lá existem três divisões de atendimento. A atenção primária é feita em postos de saúde próximos da casa dos pacientes sempre com um médico e uma enfermeira disponíveis. A atenção secundária consiste nos hospitais em que os pacientes ingressam devido a problemas de saúde e para realização de exames específicos.

A atenção terciária são hospitais mais especializados em algumas doenças, como câncer, cardiologia etc. Mas quando um paciente está com uma gripe, por exemplo, ele é educado para saber que a doença pode ser curada com uma visita ao consultório médico de atenção primária ao invés de buscar um hospital.

Cuba tem um índice alto de médicos por habitante (6,7). Você conseguiu iSim. Em Cuba, cada médico é responsável, em média, pelo atendimento de quatro quadras, ou seja, o profissional conhece toda a população que vive naquele local e sabe os problemas de saúde dos pacientes que atende. Esses profissionais costumam atender em um sobrado e moram na parte de cima da construção, assim quando os pacientes precisam de alguma coisa já sabem onde procurar. Além disso, o médico e enfermeira fazem visitas familiares anuais aos moradores das quadras pelas quais são responsáveis.

UOL – E com relação ao tempo de espera para ser atendido nos hospitais de Cuba?

Teodoro – Infelizmente, o tempo de espera existe em qualquer lugar do mundo, até mesmo em instituições privadas, mas costuma ser rápido, pois há muitos médicos para fazer o atendimento. O contato é rápido até mesmo quando é uma situação de emergência ou para fazer algum exame necessário. Pelo menos nos lugares que eu atendi nunca vi ninguém esperar horas por um médico.

Você sabe como funciona o processo que os médicos cubanos passam para participar de missões em outros países?

Sei, pois alguns médicos e professores costumam participar desses tipos de missões internacionalistas. O primeiro requisito é ter diploma de médico de família e para isso é preciso cursar além dos seis anos de faculdade mais quatro anos de especialização. Além disso, eles selecionam com base nos anos de experiência e nas habilidades. Os médicos que querem participar de alguma missão se inscrevem e participam de uma pré-seleção. Os médicos cubanos são muito solidários.

Qual o tempo de duração do curso de medicina em Cuba?

O curso tem duração de seis anos, mas os estudantes estrangeiros que conseguiram uma vaga na instituição precisam fazer um curso preparatório para aprender espanhol, matemática, física, química e biologia. Eles fazem isso para que todos os alunos possam estar no mesmo nível de conhecimento. Quando eu entrei, esse módulo tinha duração de um ano, mas agora o preparatório dura seis meses.

O curso de medicina em Cuba é composto de aulas mais teóricas ou práticas?

Os dois tipos de aulas são priorizadas, mas desde o 1º ano os alunos já fazem estágio prático e aprendem muitas técnicas importantes para a relação médico-paciente. Tanto no 1º quanto no 2º ano, o estágio é feito na atenção primária de saúde. Do 3º ano em diante, os estudantes fazem estágio em especialidades diferentes. Já no último ano, é o internato em que as aulas são totalmente práticas.

Você já falava espanhol antes de ir para Cuba? Em algum momento isso te atrapalhou durante algum atendimento?

Não sabia falar nada, mas ao chegar lá e fazer o curso preparatório eu aprendi bem. Estudar espanhol na região foi bem diferente, pois como eu precisava me virar para conversar virou uma obrigação saber falar corretamente. Ler livros também me ajudou bastante, mas na minha opinião o espanhol e a língua portuguesa são bem semelhantes. Não acho que falar outra língua pode prejudicar o entendimento.

Quando eu não entendia, pedia para que a pessoa falasse mais lentamente e bastava, mas em Cuba existem escolas de idioma gratuitas, portanto os estudantes fazem a faculdade e já aprendem um novo idioma. A maioria opta pelo inglês e português.

Você é a favor do programa Mais Médicos? Pretende se inscrever quando voltar para o Brasil?

Não sei muito a respeito do programa para comentar a respeito, mas na minha opinião falta acesso aos médicos para as populações mais carentes. Se o Mais Médicos existir até eu ter me formado com certeza eu vou querer participar, pois tenho interesse em trabalhar na Amazônia e conhecer a realidade das comunidades menos favorecidas. A saúde é um direito de todos e o mínimo para essa atenção é um médico e uma enfermeira. Não que os equipamentos não sejam, mas não adianta nada ter equipamentos se não tem ninguém para usá-los.

Quais são seus planos para o futuro?

Depois de concluir o curso pretendo voltar para o Brasil e fazer uma especialização para ser médico da família. Quero fazer o Revalida e ficar com a minha família. Sou brasileiro e quero ajudar o meu povo que também precisa de profissionais para atender em regiões carentes.