MST conquista assentamento em área disputada desde a Revolta de Porecatu (PR)

Por Ceres Hadich e Diego Moreira
Da Página do MST

Fruto de décadas de luta pela terra, a antiga Fazenda Quem Sabe, localizada em Centenário do Sul (norte do Paraná), hoje Assentamento Maria Lara representa uma vitória chave dos camponeses da região de Porecatu.

No último dia 21 de setembro, as famílias do MST realizaram o sorteio dos lotes do Assentamento Maria Lara, que contou com representantes do governo municipal, como o prefeito Luis Nicácio, e servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além do superintendente regional Nilton Bezerra Guedes.

Durante a atividade, as famílias reafirmaram seu compromisso com a Reforma Agrária, ao se comprometerem em construir um processo de transição à agroecologia, produzir alimentos para o auto-sustento e para a sociedade e organizar a geração de renda. Também se destacou a unidade no combate ao arrendamento e venda de lotes, a produção de transgênicos e a recuperação ambiental da área.

A regularização das 40 famílias assentadas, a demarcação dos lotes e o início da produção efetiva no assentamento representa uma conquista significativa da agricultura camponesa frente ao latifúndio e ao agronegócio, e uma herança da luta e da esperança de todos e todas que dedicaram sua vida a essa e outras conquistas, como a própria companheira que leva seu nome no assentamento, Maria Lara*.

Histórico

A fazenda, que nos anos 40 e 50 serviu à produção do café, foi também local de encontro, apoio e organização dos camponeses que levaram à frente a Revolta de Porecatu**.

Anos mais tarde, ela passa às mãos de outra família latifundiária, os Atalla, conhecidos na região pela alta concentração de terras, prática do trabalho análogo ao escravo e baixa produtividade em suas propriedades de cana de açúcar.

Isso motivou a ocupação das terras pelas famílias organizadas pelo MST. Desde o ano de 2005 elas vivem e produzem alimentos no acampamento sediado no centro da fazenda.

Até o ano de 2002, os 479,90 hectares da fazenda estavam destinados ao monocultivo da cana, passando para a produção de milho e soja.

Com a ocupação de 500 famílias do MST, esses cultivos foram substituídos pela cultura camponesa, ao mudarem os rumos da área que levou a uma nova realidade, um território onde se desconcentra a terra e se produz alimentos.
   
Desde 2011, quase 85% de toda a área cultivável já estava sendo utilizada pelas famílias, que se dedicam ao cultivo de alimentos para o auto-sustento humano e animal (criação de pequenos animais como porcos, galinhas, gado de leite e gado de corte), e também para a geração de renda, com linhas de produção como o café, milho, feijão e leite.

Produção

Segundo o Plano de Desenvolvimento de Assentamentos (PDA) construído pelas próprias famílias, a área orientará sua produção nas linhas de gado leiteiro, fruticultura, olericultura e cafeicultura.

A produção do leite e do café serão destinados às agroindústrias regionais (COPRAN e COANOPI), responsáveis por receber e beneficiar a produção das famílias.

No caso das hortaliças e frutas, a comercialização se destinará principalmente ao mercado institucional, como o Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), além de feiras e mercados locais.

Para organizar a produção e também a captação de recursos e projetos que possam contribuir na estruturação do assentamento, as famílias criaram uma associação comunitária, instrumento que tem por sentido fortalecer o assentamento.

Outra preocupação das famílias é o de cuidado com os recursos naturais. Desde a ocupação da área, as famílias vêm cuidando das nascentes de água, recuperam espaços à reserva legal e à área de preservação permanente, que representam quase 25% do território.

Celebração

No próximo dia 19 de outubro, as famílias assentadas, a militância do MST e autoridades municipais, estaduais e federais irão celebrar a implantação do assentamento, num ato que reunirá assentados e acampados de toda a região, além de apoiadores e amigos.

A expectativa é reunir cerca de 1000 pessoas, para celebrar a conquista e parcelamento dos lotes, a regularização das famílias e emissão dos contratos, a liberação da primeira parcela do fomento, os convênios para a construção das casas e da estrada. Além da entrega de um trator e equipamentos agrícolas, equivalentes à R$200.000,00, adquiridos por meio de uma emenda parlamentar.

* “Maria Lara lutou, lutou por igualdade, viva o socialismo transformando a sociedade”

Com o anúncio da compra da área pelo Incra e a regularização das famílias acampadas, no início do ano de 2011, a comunidade definiu homenagear uma companheira de luta e trabalho que durante sua vida dedicou-se à organização do MST, e foi pioneira na militância do norte do Paraná.

Maria Lara foi um exemplo de mulher, camponesa e trabalhadora, exemplo de militância e compromisso. Por isso segue presente no sonho das famílias Sem Terra, ao conquistar a terra, nela produzir alimentos e seguir organizados construindo uma nova sociedade.

** “Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram”

Palco de um dos mais sangrentos conflitos armados que o Norte do Paraná já teve registro, o distrito de Vila Progresso, em Centenário do Sul, foi o pivô central da Guerrilha de Porecatu, no final da década de 40.

Pouco divulgado pelos livros de história, o conflito envolveu posseiros de terras, a quem o governo federal havia prometido áreas agrícolas caso desmatassem a região, e grileiros que tentaram se instalar na região sem qualquer respaldo.

Como o governo federal não concedeu os títulos definitivos aos posseiros, houve luta armada com os grileiros que tentaram se aproveitar da situação.

Muitos fazendeiros conseguiram anexar terras dos posseiros às suas propriedades pela influência política, com o apoio dos governadores da época.

Com o conflito generalizado, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) entrou na luta. Diversos membros incentivaram a luta armada para que os posseiros resistissem e tivessem um pedaço de terra.

A guerrilha de Porecatu envolveu os municípios de Porecatu, Centenário do Sul, Guaraci, Jaguapitã, Florestópolis e Miraselva.

O conflito se agravou com a entrada da Polícia Militar do Paraná. Intensas emboscadas com mortes foram registradas e muitos comunistas e pequenos agricultores foram presos e torturados para que confessassem a sua participação.

A própria Fazenda Quem Sabe, na época propriedade do engenheiro agrônomo e fazendeiro Aldovrando Magalhães, abrigou o cenário da luta pela terra.

Para saber mais: “Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram”; Marcelo Oikawa. Expressão Popular, 2011.