Stedile: “O Agronegócio tem uma presença maior no governo Dilma”



Por Josie Jeronimo
Da IstoÉ


Há tempos distantes da capital do país, 16 mil integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) desembargaram em Brasília, na semana passada, para apresentar à presidente Dilma Rousseff uma pauta enxuta de reivindicações e tentar uma reconciliação com o governo.

Mas o reencontro não foi marcado por uma cerimônia de boas vindas. No dia 12 desse mês, os militantes apanharam da Polícia Militar do Distrito Federal em plena Praça dos Três Poderes.

Por Josie Jeronimo
Da IstoÉ

Há tempos distantes da capital do país, 16 mil integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST) desembargaram em Brasília, na semana passada, para apresentar à presidente Dilma Rousseff uma pauta enxuta de reivindicações e tentar uma reconciliação com o governo.

Mas o reencontro não foi marcado por uma cerimônia de boas vindas. No dia 12 desse mês, os militantes apanharam da Polícia Militar do Distrito Federal em plena Praça dos Três Poderes.

A dureza do choque entre PMs e sem-terras, resumiu o líder do movimento, João Pedro Stédile, “arrancou” espaço na agenda de Dilma Rousseff e no dia seguinte ela recebeu representantes do MST no Planalto.

Às vésperas das eleições, o governo faz um sutil aceno para se reaproximar do movimento que ajudou a eleger Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. O MST, no entanto, está ressentido e aguarda ações mais sólidas, fora do campo das sutilezas.

Em entrevista à ISTOÉ, Stédile reclama que Dilma fechou os canais de comunicação para o MST e estreitou laços com o agronegócio, em comparação com o governo Lula. “As coisas chegaram a um ponto absurdo.

Quem diria que a senadora Kátia Abreu, uma das primeiras a assinar o pedido de impeachment do presidente Lula e a CPMI do mensalão, agora é da base do governo. Alguém aí é contraditório.”

O desacerto entre o governo e o principal movimento social do país é grande. Stédile admite saudade do governo Lula e adianta que os militantes não serão convocados para votar em Dilma na corrida presidencial desse ano. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida por João Pedro Stédile.

A reunião com a presidente Dilma Rousseff foi satisfatória?

Valeu pelo simbolismo. Esperávamos por essa conversa há dois anos. Nós constatamos que a presidente desconhecia as dificuldades do movimento. Só pode ter um problema de comunicação. Acho que os ministros têm muito medo dela e ficam escondendo os problemas.

Ela desconhecia o número de acampados, não imaginava que era um problema tão sério. Ela desconhecia, até mesmo, a proposta de dar prioridade para os assentados em perímetros irrigados. Já tínhamos conversado sobre isso e ela tinha concordado.

Nos últimos meses, quando continuamos a tencionar os perímetros, descobrimos que tem 80 mil lotes vagos. Se o governo fizer um mutirão para resolver o problema dos acampados no Nordeste, poderia assentar 80 mil famílias. Nisso, a presidente se comprometeu a agir.

A presidente ignora as reivindicações do movimento?

Para ver o nível de desconhecimento do governo em relação ao tema, a presidente assinou uma Medida Provisória, que ainda não foi aprovada, mas já está correndo tempo, para renegociar dividas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Os burocratas colocaram no meio do texto um artigo para permitir a titulação imediata da terra. Isso, na pratica, levaria a um processo de compra e venda de lotes, o que seria a destruição da reforma agrária. Perguntei a presidente, a senhora sabia disso? Só assim a presidente se deu conta e perguntou qual seria a solução, pois ela reivindicou que o assentado tem que ter uma segurança jurídica, até para sua autoestima.

Expliquei a ela que a solução seria o titulo de concessão real de uso. Em vez de dar uma escritura simples, tem que ser o titulo, o instrumento já existe na legislação. Assim, o sujeito não pode vender a terra, mas pode deixar de herança para os filhos.

O tratamento que o governo Lula dava ao movimento é diferente do que o governo Dilma?

Claro! O governo lula tinha uma composição de forças mais progressista. No governo Lula, o corpo ministerial vinha de um processo de luta social, agora é um corpo ministerial tecnocrático. O Lula tinha carisma popular e não sofria tantos ataques para desgastar o governo.

A pressão da mídia não assusta a presidente Dilma, mas assusta todo o aparato estatal. Quando sai uma noticia ruim de um ministério, a pasta toda fica em pânico. Essas mudanças, a gente percebe, foram para pior. Além disso, no governo Dilma as forças do agronegócio têm uma presença maior do que no governo Lula.

Eles ocuparam um espaço maior, fruto de um avanço do agronegócio no Congresso. Agora, a bancada ruralista fica o tempo todo blefando com o Executivo, para ampliar seu espaço nos programas e no governo. As coisas chegaram a um ponto absurdo.

Quem diria que a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), uma das primeiras a assinar o pedido de impeachment do presidente Lula e da CPMI do mensalão, agora é da base do governo. Alguém aí é contraditório.

Por que os movimentos sociais não conseguem transformar a militância em voto e aumentar a presença no Congresso?

O voto, atualmente, tem preço e é cada vez mais caro. O Congresso é refém dos financiadores de campanha. Todo mundo sabe que um deputado para se eleger gasta de R$ 8 milhões a R$ 10 milhões, no mínimo. Nós estamos vivendo em um sistema político não democrático.

O que vale não é a vontade do eleitor, é a quantidade de dinheiro que consegue ser usado na campanha para iludir as pessoas. E o resultado disso é um Congresso cada vez mais conservador.

Por isso, nós estaremos engajados na campanha pela reforma política, essa é a única maneira de o país voltar a ter parâmetros democráticos. Já está provado que a reforma não acontecerá pela vontade do Congresso.

As manifestações das ruas são reflexo disso que o senhor chama de sistema não democrático?

Primeiro, temos que diferenciar as mobilizações do ano passado desse agrupamento dos black blocs, que na minha opinião não é movimento social. Os Black blocs são uma mera consequência de uma sociedade não democrática, que leva parcela da juventude, em geral da classe media, a se radicalizar.

Assim, adotam postura anarquista, querem destruir tudo e não têm como prioridade a solução dos problemas do povo. Os movimentos do ano passado foram muito importantes e só aconteceram porque existem causas reais para o descontentamento.

São problemas sociais e econômicos que impedem a juventude de ascender a empregos melhores, de ter amplo acesso à universidade. Há uma base econômica real que leva à insatisfação e o espaço para a participação política não existe.

Em que local um jovem com 21 anos vai levantar a mão e dizer: tive uma ideia. Não tem espaço no partido, não tem espaço no sindicato. Partido é o gabinete do deputado, o comitê central de partido que é uma reunião de velhos caquéticos que estão na política há 50 anos e decidem tudo sozinhos.

Onde o jovem vai decidir? Eles escolheram o melhor lugar que tinha para protestar: na rua. Nem no PT tem mais espaço para manifestação política. Imagine um jovem funcionário do Mac Donalds, como ele vai militar no sindicato dos comerciários? No máximo, o sindicato faz uma assembléia burocrática no fim do ano para prestar contas.

O MST vai apoiar a campanha de reeleição de Dilma Rousseff?

Nas eleições presidenciais, não apoiaremos candidatos. Cada militante votará de acordo com sua consciência. Faz parte do nosso princípio de autonomia não apoiar candidato em nenhuma eleição.

Nem sequer na candidatura do Lula, que se construiu juntamente com o MST, fizemos uma resolução de voto. A decisão é das pessoas. É claro que temos um trabalho de conscientização para que as pessoas votem em candidatos proporcionais comprometidos com a reforma agrária e com a esquerda.

O desenho institucional do Ministério do Desenvolvimento Agrário é adequado para responder às demandas dos movimentos de luta e sobrevivência pela terra?

É preciso ter critérios melhores para desapropriar e comprar. Nós dizemos para o INCRA que o órgão pode diminuir o módulo. Não precisa ficar engessado no tamanho do lote que a família vai receber, não precisa ser 15 hectares.

Se a terra for boa, uma área de 3 ou 4 hectares produz mais do que uma de 15 hectares. O principal é que tenha viabilidade econômica. Temos, também, que trabalhar uma reforma agrária verdadeira para combater a concentração da terra, principalmente nas áreas mais emblemáticas, áreas de grileiros.

É preciso áreas de grileiro de trabalho escravo. No Brasil existem 566 fazendas onde foram encontrados trabalhadores em situação de trabalho escravo. Essas terras não cumprem sua função social. Não precisa de lei complementar, está na Constituição. Existe agressão maior à função social da propriedade do que manter trabalho escravo?

Se o governo tivesse mais um pouco de coragem poderia começar desapropriando essas 566 fazendas. Outras grandes áreas são as de propriedade estrangeiras. O (Daniel) Dantas, administra um fundo de investimento americano no Banco Opportunity e ele, há 5 ou 6 anos, comprou 600 mil hectares de terras no sul do Pará. O governo tem que ir lá e dar um jeito de desapropriar essas terras.

A reforma agrária precisa de novas políticas?

No Brasil nunca teve reforma agrária. Só tivemos assentamentos pontuais, que aconteceram por muita luta. O ultimo governo com programa de reforma agrária séria foi o de João Goulart, um projeto organizado por Celso furtado. Uma das deficiências que nos temos para pensar a agricultura é construir outro programa agrário, é preciso voltar a agricultura para o interesse de todo o povo.

O governo é de composição e tenta agradar todo mundo. Isso criou a dicotomia Ministério da Agricultura e MDA. Se bem, que o Ministério da Fazenda também pode entrar nessa dicotomia, compondo com o ministério da Agricultura. Pois é um absurdo a Lei Kandir isentar as exportações de commodities de impostos. Nós somos os maiores exportadores de soja e minério de ferro e ninguém pergunta o motivo de eles não pagarem nada de impostos.

O MDA cumpre uma função subalterna. Foi criado para cuidar da agricultura familiar e, até nisso, ficaram com vergonha e colocaram o nome de Desenvolvimento Agrário. Bastaria só um ministério, o da Agricultura. Mas como o governo não tem programa, opta por políticas pontuais.