Agronegócio concentra consumo e utiliza 70% da água

 



Por Evelyn Patricia Martínez*
Do Rebelión

 

A água é, sem dúvida, um elemento primordialmente vital para a vida do ser humano. Sem água, não poderia haver a produção de alimentos e, sem água e alimentos a vida simplesmente não seria possível. A água é um bem comum, um bem público, é um direito humano de todas e todos.

 

 

Por Evelyn Patricia Martínez*
Do Rebelión

 

A água é, sem dúvida, um elemento primordialmente vital para a vida do ser humano. Sem água, não poderia haver a produção de alimentos e, sem água e alimentos a vida simplesmente não seria possível. A água é um bem comum, um bem público, é um direito humano de todas e todos.

 

O capitalismo, com sua visão de dominação sobre a natureza com o uso infinito dos recursos naturais, principalmente no uso da água, tem ocasionado uma grave crise desse recurso, de modo que vivemos, atualmente, uma crise a nível nacional e mundial.

 

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) esta crise da água se manifesta na carência e queda de sua qualidade e demonstra que estamos atravessando atualmente um stress hídrico, isto é, o planeta está ficando sem água doce. O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2006 do PNUD intitulado “Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água”, assinala que “mais de um bilhão de pessoas estão privadas do direito a água potável e 2,6 milhões não têm acesso ao saneamento adequado. A água é desperdiçada e mal utilizada por todos os setores, em todos os países”.

 

Isso quer dizer que 1 em cada 7 pessoas do planeta não tem água potável. O relatório também estabelece que: “a cada ano morrem cerca de 1,8 milhões de crianças como consequências direta da diarreia e outra enfermidades causadas pela água suja e pelo saneamento insuficiente”. Recentemente, em outubro de 2013, a ONU advertiu que, para 2030, 40% da humanidade sofrerá escassez de água, a raiz de uma demanda que irá crescer em 40% em relação a atual (1).

 

Somado a esta problemática, a mudança climática está intensificando os períodos de seca e as inundações, o que afeta o abastecimento de água e se transforma em obstáculo para a produção de alimentos.

 

Em nosso país, frente o aumento das temperaturas, enfrentaremos as reduções na disponibilidade da água em até 79%, no ano de 2100, de acordo com estimativas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (2). Também deve-se saber que o fluxo dos rios em El Savador diminuíram em até 80%, principalmente na zona norte, durante os últimos 30 anos, durante a época de seca (3).  Cerca de 50% dos rios têm água com uma qualidade regular, 31% são de má qualidade, 7% são de péssima qualidade e somente 12% da água dos rios está qualificada como boa, de acordo com os dados do Ministério do Meio Ambiente (MARN) (4).

 

Em relação ao acesso a água potável em nosso país, a zona rural é onde se apresenta a maior precariedade no acesso a água. De acordo com estatísticas do próprio governo (EHPM 2011), numa média a nível nacional, 74 em cada 100 casas do país têm acesso à água potável canalizada, na área urbana são 84 casas em cada 100 e, na área rural, 53 casa em cada 100.

 

Frente a este cenário são as mulheres pobres as que têm menos acesso ao abastecimento e gestão da água, isto implica um maior tempo empreendido para conseguir abastecer-se com água, pois têm que dedicar mais horas de trabalho para carregá-la. Além disso, a má qualidade da água provoca doenças nos integrantes das famílias e são as mulheres aquelas que gastam maior tempo na responsabilidade de cuidar de pessoas doentes.

 

A água e a agricultura do agronegócio

Como sabemos a água é destinada para o consumo direto e também para a produção de alimentos. Então, a perda de água doce afeta, diretamente, a agricultura e a produção de alimentos, além disso, também provoca a perda da fertilidade dos solos. Num nível mundial, a grande agricultura do agronegócio consome 70% da água, enquanto a indústria e mineração consomem 12% e, para o consumo direto, é destinado apenas 4% (5).

 

No entanto, a maior parte da pequena agricultura familiar não dispõe, em muitos casos, de água para regar suas hortas caseiras para abastecer-se e para cultivar os alimentos e assim dependem da captação da água da chuva (6). Enquanto a grande agricultura do agronegócio, através do uso intensivo da água, pelo sistema de irrigação, desperdiça grandes quantidades de água. Outro agravante é que não há um monitoramento, nem proteção do recurso por parte dos governos.

 

A água e a soberania alimentar

Frente à situação anteriormente descrita e em resposta a agricultura convencional do agronegócio que tem sido um dos principais causadores da atual crise da água, a proposta da soberania alimentar contribuiu para proteger e preservar o vital recurso hídrico, através de diferentes tipos de práticas, como (7):

•  Gestão agroecológica da água. Ao invés de utilizar agrotóxicos e pesticidas para produzir os alimentos, produzir fertilizantes e compostos (fertilizantes, repelentes e inseticidas), ou matéria orgânica, assim como promover e cultivar diferentes variedades de sementes nativas, isto permite que a água, o ar e os solos não sejam contaminados.

•  Utilização de micro-irrigação por gotejamento para que se faça um uso racional da água e evitar o desperdício.

•  Sistemas de armazenamento de água da chuva, para diminuir a vulnerabilidade provocada pelas secas e inundações.

•   Autogestão comunitária da água por parte das e dos agricultores e não por empresas privadas. A água é considerada como um bem comum e não como uma mercadoria.

 

Precisamos da aprovação da Lei Geral das Águas e da Lei da Soberania Alimentar!

Desde 2005 organizações sociais, reunidas no Fórum da Água, iniciaram um processo participativo para a construção do anteprojeto da Lei Geral de Águas (8), para que se possa reconhecer a água como um direito humano. A Lei propõe considerar a água como bem público, quer dizer, que se garanta a não privatização do recurso, além de se promover a participação comunitária na gestão integral da água, e a proteção necessária, assim como o aproveitamento e recuperação das bacias e micro-bacias hidrográficas do país.

 

A Lei Geral das Águas propõe contar com uma Política Hídrica Nacional, a qual permita:

 

•  Assegurar que a água seja um bem público e não uma mercadoria.

•  Participação cidadã na Comissão Nacional da Água (CONAGUA).

•  Prevenir e reduzir as inundações.

•  Não contaminar a água.

•  Educação para o uso e gestão da água.

 

Também estabeleceu-se a criação de um Plano para as micro-bacias, no qual se garanta os usos prioritários da água que, em ordem de importância, seriam: o consumo humano doméstico, os ecossistemas, a agricultura de subsistência e, por último, a destinação para a geração de energia elétrica, a indústria e o turismo.

 

A proposta da Lei também exige deter os despejos de águas industriais e domiciliares contaminadas nos rios e implementar ações urgentes para a recuperação dos rios mais contaminados.

 

É necessário que a Assembleia Legislativa aprove o quanto antes as propostas da Lei Geral das Águas e a Lei da Soberania Alimentar, para podermos enfrentar a grave crise do recurso água que vivemos atualmente, e a crise alimentar.

 

A aprovação da Lei da Soberania Alimentar permitiria avançar no apoio a pequena produção familiar; o fortalecimento da produção nacional de alimentos; a promoção das práticas agroecológicas; o aceso equitativo a terra, a água e ao resgate da semente nativa; entre outros. Isto permitiria dispor de um marco legal, onde já não se permita as práticas que contaminam a água, o ar e o solo, com o uso de agrotóxicos e pesticidas, promovidos pela agricultura convencional, herdada de uma revolução verde. Avançar para um modo de produção de alimentos de maneira agroecológica contribuiria para a proteção da água, pois diminuiria o uso intensivo da água na agricultura, e também significaria um resgate da qualidade dos solos, das árvores e dos rios.

 

Além disso, a aprovação da Lei Geral das Águas contribuiria para a conquista da soberania alimentar. Deve-se recordar que a soberania alimentar coloca o campesinato no centro do sistema alimentar e não mais as empresas do agronegócio. A Lei da Água permitiria ter acesso, controle e autogestão da água por parte das e dos pequenos agricultores para produzirem seus alimentos e desse modo poder avançar para a soberania alimentar.

 

A água e a alimentação são direitos humanos!


* Evelyn Patricia Martínez é pesquisadora em políticas agrícolas e alimentares da Fundação REDES (Fundação salvadorenha para a reconstrução e o desenvolvimento) e traz no presente artigo alguns dados e reflexões sobre o atual contexto salvadorenho e mundial sobre um elemento vital: a água. A pesquisadora aborda a relação do recurso com a agricultura familiar e o agronegócio, assim como propostas de legislações para salvaguarda-lo.