Dados da OIT levam magistrados e procuradores a pedir PEC

Por Hylda Cavalcanti
Da RBA

Por Hylda Cavalcanti
Da RBA

O aumento quase triplo dos lucros ilegais obtidos, anualmente, por empregadores de todo o mundo às custas do trabalho forçado, situação ao qual são submetidas hoje 21 milhões de pessoas, chamou a atenção de representantes do governo, magistrados, auditores fiscais do trabalho, acadêmicos, advogados e representantes de outros países para a votação imediata da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A, pelo Congresso Nacional. A matéria é referente à tipificação do crime de trabalho escravo e está no Senado prestes a entrar na pauta de votação. Terminou como um dos principais pontos discutidos durante o lançamento do relatório global sobre trabalho forçado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No evento, autoridades diversas enfatizaram a importância de o Estado poder atuar de forma mais firme perante os responsáveis por este tipo de prática, o que só pode acontecer com uma ferramenta legal eficaz. E destacaram que as políticas públicas voltadas para o combate ao problema precisam ser implantadas a partir de maior conscientização da população como um todo, uma vez que o trabalho forçado fica muitas vezes invisível, atuando na ponta das cadeias econômicas, junto aos trabalhadores que realizam as atividades de forma precarizada.

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Antonio José de Barros Levenhagen, o primeiro a comentar os dados do relatório, afirmou que o combate ao trabalho forçado no Brasil é “impregnado de desafios” e “não consiste em tarefa fácil enquanto não for aprovada uma lei específica”. Levenhagen disse que o Tribunal espera um aumento do número de ações na Justiça Trabalhista em relação a denúncias de trabalho forçado, diante dos números divulgados pelo relatório da OIT, uma vez que os dados resultarão em novas ações integradas do Executivo e Ministério Público – o que costuma levar à intensificação de denúncias contra empregadores.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti, na mesma linha, destacou o trabalho da OIT e disse que, em tempos de Copa do Mundo, o “maior gol” a ser feito pelo Brasil será a aprovação da PEC. Existe uma possibilidade da matéria ser incluída na pauta de votações do Senado na próxima terça-feira (27) mas ainda não há certeza sobre isso.

Ideli lembrou a votação do Marco Civil da Internet e disse que o Congresso fará esforço semelhante de forma a conseguir, finalmente, aprovar a proposta, que tramita desde 1994 no Congresso. E reiterou o item do texto que determina a desapropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores neste tipo de situação. “Relatórios como este da OIT mostram, cada vez mais, que a forma de combatermos o trabalho forçado é fazer com que o que estes criminosos põem no bolso com uma mão, o Estado trata de tirar com a outra”, colocou.

Mea culpa

O subprocurador-geral do Ministério Público Federal Oswaldo José Barbosa Silva, que representou o procurador-geral da República Rodrigo Janot no evento, disse que o MPF fez, nos últimos anos, uma espécie de “mea culpa” em relação ao problema, pois, até 2010, não tinha atuação na área criminal da forma como possui atualmente, no tocante ao combate e erradicação do trabalho escravo. “A ficha caiu para nós, fizemos um trabalho de conscientização, intensificamos ações diversas e, dessa forma, aumentamos o número de ações, que chegaram a 101 em 2013 (o número oscilava na casa de 50 a 60 ações até 2010)”, ressaltou.

De acordo com o subprocurador, o MPF está próximo de iniciar um trabalho amplo do grupo móvel, com a participação conjunta de procuradores, policiais federais e representantes da Justiça Federal. O objetivo é evitar que as pessoas acusadas de cometer este tipo de delito deixem de ser processadas por falta de depoimentos e provas materiais.

Isso porque, explicou ele, muitas vezes os trabalhadores são resgatados em condições análogas à de escravidão e preferem ir embora rapidamente do local onde estavam sem deixar contatos, o que impede a formalização da ação criminal. Com a presença destes representantes no lugar e momento dos flagrantes, ficará mais fácil o trâmite que permita o ajuizamento das ações.

No mesmo tom, o procurador geral do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luiz Antonio Camargo de Melo, lembrou que o grupo de fiscalização móvel que inspeciona as operações completará, em 2015, 20 anos de atuação e possui uma trajetória de sucesso que, certamente, ficará mais eficiente a partir da incorporação de dados obtidos em estudos diversos que estão sendo elaborados.

“A partir do início do ano 2000, conseguimos dar uma virada no combate ao trabalho escravo no mundo contemporâneo. Só há um país que tem feito um trabalho atuante de erradicação do trabalho escravo no mundo e esse país é o Brasil”, acentuou. Sobre a PEC 57ª, Camargo de Melo ressaltou que o grande ganho será “a intervenção articulada, inclusive de organismos internacionais e de outros países” no combate ao trabalho escravo.

Diálogo social

A coordenadora do escritório da OIT no Brasil, Laís Abramo, afirmou que desde 1995, quando o Brasil teve a coragem de reconhecer o crime de trabalho forçado, processos constantes têm sido observados na eliminação deste tipo de crime, o que levou o país a se destacar mundialmente pelas ações. Tanto que países com problemas de trabalho forçado em maior quantidade que o Brasil vivem situações diferentes porque não reconheceram até hoje a existência dessas práticas.

De acordo com Laís Abramo, os eixos do programa da OIT de combate ao trabalho forçado no Brasil e no Peru passam pelo aumento do conhecimento sobre o tema entre os atores chave no Brasil, aumento do diálogo social e capacidade institucional para implantar políticas que levem à erradicação. Além do aumento do engajamento do setor privado e de organizações de empregadores no combate ao trabalho forçado e, por fim, a redução da vulnerabilidade socioeconômica de grupos tidos como suscetíveis a serem pegos ou estimulados a trabalhar nestas circunstâncias. Ela destacou, ainda, a importância de ações de atendimento às vítimas e de divulgação das boas experiências do Brasil nos outros países.

O relatório da OIT foi lançado simultaneamente em Brasília, Genebra e Lima, e mostrou, com base em dados de 2012, que o trabalho forçado tem acarretado em lucros ilegais, a cada ano, de aproximadamente US$ 150 bilhões, montante três vezes maior que o valor estimado anteriormente. Dois terços desse montante, US$ 99 bilhões, saem da exploração sexual comercial e US$ 51 bilhões, da exploração com fins econômicos (nos trabalhos domésticos, na agricultura e demais atividades econômicas).

Mulheres e meninas

O trabalho amplia o conhecimento sobre crimes, como tráfico de pessoas, trabalho forçado e escravidão moderna, o que contribui para o estudo e implantação de novas políticas públicas que venham a enfrentar o problema. Sem falar que aponta mulheres e meninas como maiores vítimas de trabalho forçado, principalmente nos casos de exploração sexual comercial e de trabalho doméstico. Já nos casos de exploração econômica, agricultura e mineração, destacam-se homens e meninos.

Em relação aos setores econômicos, segundo o documento, os lucros ilegais gerados pela exploração forçada com fins econômicos foram observados, sobretudo, nas áreas de construção civil, indústria, mineração e serviços, que, juntos, obtiveram ganhos com essa prática da ordem de US$ 34 bilhões.

Na silvicultura e pesca, os lucros foram de US$ 9 bilhões e nas residências privadas que ou não pagam ou pagam menos que o devido aos trabalhadores domésticos submetidos ao trabalho forçado, os lucros foram de US$ 8 bilhões. Conforme a constatação da OIT, estão associados entre os fatores econômicos que levaram as pessoas a essa situação de trabalho forçado, crises de renda e pobreza, falta de educação formal e, ainda, questões como analfabetismo, gênero e migrações.

Em termos comparativos, o valor global do lucro obtido com o trabalho forçado no mundo (US$ 150 bilhões) é maior que o Produto Interno Bruto (PIB) de 128 países, como Porto Rico (cujo PIB é de R$ 101,4 bilhões), Equador (R$ 84,03 bilhões) e Paraguai (RS$ 25,5 bilhões). Quando avaliados por região, os dados mostram que o maior número de trabalhadores em regime de escravidão, 12 milhões, está na Ásia e no Pacífico, o que corresponde a 56% do total.