Frei Betto: Dorothy Stang, vítima do latifúndio

Quem de fato matou Dorothy Stang foi o latifúndio, conforme denúncia dos bispos católicos brasileiros reunidos em Aparecida, em abril de 2013.

Por Frei Betto

Eram 7h30 da manhã de 12 de fevereiro de 2005. Irmã Dorothy Stang, religiosa estadunidense naturalizada brasileira, 73, se dirigia à área do Projeto Esperança de Desenvolvimento Sustentável, em Anapu (PA).

No caminho, Rayfran das Neves a abordou. Perguntou se estava armada. Dorothy exibiu a Bíblia: “Eis a minha arma.” E leu trechos em voz alta.

O rapaz não se intimidou. A recompensa pelo crime importava mais que a vida da missionária que defendia pequenos agricultores, posseiros e sem-terras. Sacou a arma e descarregou nela sete tiros, sendo um na cabeça.

Há tempos, Dorothy sofria ameaças. Poucos dias antes havia escrito: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses agricultores desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar.”

Rayfran, condenado a 27 anos de prisão, teve como mandante o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado, em 2013, a 30 anos. Passou por três julgamentos. O primeiro, em 2007, deu-lhe igual penalidade. Por receber pena superior a 20 anos, teve direito, em 2008, a novo júri. Foi absolvido! O Ministério Público recorreu, anulou-se a sentença, e o júri de 2013 confirmou a pena de 30 anos de prisão.

Dorothy Stang mereceu prêmio de direitos humanos da OAB, em 2004. Homenageou-a, em 2005, o documentário-livro “Amazônia revelada”, patrocinado pelo CNPq e o Ministério dos Transportes.

O documentário de Daniel Junge, “Mataram irmã Dorothy”, produzido nos EUA e narrado por Wagner Moura, retrata a trajetória da religiosa. O artista Cláudio Pastro incluiu o perfil dela no painel, em azulejos, “As mulheres santas”, na basílica de Aparecida (SP).

Quem de fato matou Dorothy Stang foi o latifúndio, conforme denúncia dos bispos católicos brasileiros reunidos em Aparecida, em abril de 2013.

Reza o documento por eles aprovado: “A sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos democráticos. As decisões governamentais, nestas três décadas, foram, quase sempre, tomadas para favorecer o latifúndio e o agronegócio: financiamentos altíssimos, subvenções, e até anistia para os endividados, impunidade e regularização da grilagem, legislação favorável aos interesses da bancada ruralista.

É injustificável que os índices de produtividade, essenciais para provar a função social da propriedade, ainda sejam os do tempo da ditadura militar.”

Outros assassinatos ocorrerão se o governo não promover a reforma agrária e defender os direitos de índios, quilombolas, atingidos por barragens, posseiros e sem-terra.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, de 1985 a 2011,  registros revelam que 1.610 pessoas foram assassinadas no campo, julgadas apenas 96 ocorrências e condenados 21 mandantes e 75 executores. A impunidade faz do Brasil uma nação violenta.