Bancos franceses são acusados de especular sobre a fome

Trata-se de uma forma de especulação executada principalmente por bancos anglo-saxões e por negociadores internacionais.

Por Antoine d&”39;Abbundio*
Da La Croix

Dois anos depois do relatório Banques: la faim leur profite bien [Bancos, a fome lhes dá bons proveitos], a Oxfam volta sobre o problema da especulação sobre as commodities agrícolas, que envolve aumentos erráticos dos preços.

Apesar dos esforços de alguns deles, os bancos franceses podem fazer mais, segundo essa ONG. No entanto, trata-se de uma forma de especulação executada principalmente por bancos anglo-saxões e por negociadores internacionais.

Dois anos depois da campanha que denunciava as atividades dos bancos franceses no mercado das commodities alimentares, a ONG Oxfam publicou um novo relatório a respeito disso.

A situação melhorou? Segundo a organização, os resultados são controversos. “Em fevereiro de 2013, interpeláramos quatro grupos bancários: BNP Paribas, a Société Générale, o Crédit Agricole e o grupo Banque Populaire-Caisse d&”39;épargne (BPCE). Hoje, constatamos que alguns respeitaram o seu compromisso de reduzir o número de produtos financeiros destinados a especular sobre os preços agrícolas. Mas outros estão bem longe de manter as promessas”, enfatiza Clara Jamart, responsável pelo programa Plaidoyer pour la Sécurité Alimentaire.

Entre os “bons”, segundo a Oxfam, o Crédit Agricole está em primeiro lugar. Como tinha se comprometido a fazer, o “banco verde” fechou os três fundos em que tinha participações e cessou todas as atividades especulativas nessa área. A Société Générale também fez um esforço suprimindo três fundos e realizando uma transparência total.

“Mas continua sendo o primeiro banco francês a especular sobre os produtos agrícolas, com sete fundos ativos que representam 1,359 bilhões de euros”, diz Clara Jamart.

Ao contrário, o BNP Paribas está sob acusação. “Em 2013, o banco geria 13 fundos. Seis foram fechados, mas foram abertos outros quatro novos. No fim, o grupo mantém um volume de atividades especulativas muito elevado, de 1,318 bilhões de euros, perto do nível registrado há dois anos”, informa a Oxfam.

Quanto ao grupo BPCE, a ONG afirma que ele continua gerindo, mediante a sua filial Natixis, um fundo cujo montante seria de 884 milhões de euros.

A conclusão sem apelação de Clara Jamart: “O montante total dos fundos expostos às commodities agrícolas se aproximava, no fim de 2014, a 3,6 bilhões de euros, sinal de que os bancos franceses continuam especulando maciçamente sobre a fome”.

No centro do debate, a ONG levanta um problema crucial: o do aumento errático dos preços dos produtos alimentares, que priva de acesso os mais pobres do planeta. A Oxfam imputa esses bruscos movimentos sobre os produtos essenciais, como o trigo, o arroz ou o milho, em grande parte, à financeirização dos mercados agrícolas. A ONG não está sozinha nessa conclusão.

“As atividades dos fundos indexados desempenharam um papel-chave na subida dos preços alimentares em 2008”, escrevia o Banco Mundial no dia seguinte das “revoltas da fome”. que envolveram países da África, Ásia e América.

Os fundos indexados ou os produtos derivados agrícolas podem ter uma utilidade. O mercado dos derivados, por exemplo, funciona como uma espécie de asseguração contra os riscos, porque permite vender ou comprar antecipadamente uma certa matéria-prima a preços fixos.

Do mesmo modo, adquirir participações em um fundo indexado sobre a evolução das matérias-primas permite que um investidor diversifique o seu portfólio para minimizar os riscos.

Mas esses instrumentos financeiros conheceram, há alguns anos, um desenvolvimento tão forte que já contribuem mais para desestabilizar o mercado do que para torná-lo líquido. Por exemplo, em 2011, foram negociados na Bolsa de Chicago mais de 6,4 bilhões de toneladas de trigo para uma produção mundial de 670 milhões de toneladas por ano.

Essa separação entre as atividades comerciais e especulativas favorece particularmente bancos anglo-saxões e negociadores internacionais que hoje controlariam quase 65% de um mercado que drena centenas de bilhões de dólares. Nesse nível, os bancos franceses são quase a figura dos “pequenos jogadores”.

Após a pressão da ONG e interessados em manter uma imagem razoavelmente marcada pela crise, a maior parte dos bancos tentam jogar a carta do investimento “ético”. É o caso em particular do BPCE. “O fundo que a Oxfam nos imputa realmente existe”, admite Elisabeth de Gaulle, diretora do setor de desenvolvimento sustentável da Natixis.

“Mas é gerido por uma filial de Boston e distribuído unicamente aos clientes norte-americanos. Além disso, o sistema de afiliados, justamente nos Estados Unidos, não dá nenhum poder de controle sobre os produtos que a filial propõe.”

O grupo BPCE defende, ao contrário, que, por meio da sua empresa de gestão Mirova, filial francesa da Natixis, ele criou no ano passado um fundo de ações baseado em empresas inovadoras em matéria de agricultura.

“É o nosso modo de contribuir positivamente para o problema da segurança alimentar”, explica Philippe Zaouati, diretor-geral da Mirova.

“Os grupos franceses fizeram esforços, mas podem fazer mais”, replica a Oxfam, que promete manter a pressão tanto sobre os bancos quanto sobre o governo, para que “as finanças deixem de especular sobre a fome”.

 *A tradução é de Moisés Sbardelotto.