Com 1.500 famílias, Sem Terra criam o maior acampamento de MS

Fronteira com o Paraguai, o acampamento organiza centenas de famílias que tentaram construir suas vidas em terras paraguaias.

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Por Karina Vilas Boas
Da Página do MST

Durante os últimos cinco dias, centenas de famílias acampadas de Mato Grosso do Sul estiveram no município de Japorã (MS), distrito de Jacareí, para trabalharem a organização do maior acampamento do estado, que começou com cerca de 300 famílias no início de abril e hoje já passa de 1.500.

O vilarejo onde se encontra o acampamento sempre foi pacato, com um número reduzido de moradores. Após o início do acampamento batizado de “José Márcio Zoia” – em homenagem a um militante histórico do MST -, porém, há a esperança de novas oportunidades econômicas, com a geração de renda e de emprego.

No ginásio municipal do distrito de Jacareí, os Sem Terra realizaram a primeira reunião de organização do acampamento, em que debateram a organicidade, as tarefas e o sentido daquela luta.

Segundo Jonas Carlos da Conceição, da direção do MST, esse acampamento reacende a esperança da fundação do Movimento em Mato Grosso do Sul, em 1985, quando famílias que se encontravam em situação de risco em terras paraguaias retornaram para o Brasil sem qualquer condição econômica.

“A história de fundação do MST no estado começou com a luta pelos direitos dos Brasiguaios. Por isso estamos aqui novamente, neste município de fronteira, onde muitos ainda vivem a mesma situação daquelas famílias no passado, acreditando que ir para o Paraguai ainda é uma saída para melhorar de vida, conseguir o seu pedaço de chão. Mas ao chegar lá se deparam com uma realidade totalmente diferente, sem titulação de terra, sem direitos, e na maioria das vezes são expulsos do local”, explica.

 

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O acampado Cesar Chavier, que tentou a sorte em terras paraguaias.

Cesar Chavier, de 28 anos, sentiu na pele esta realidade, quando tentou este caminho para melhorar sua condição de vida.

“Lá não existe direitos para nós, vamos só com o sonho nas mãos e pronto. A terra nunca vai ter documento, título e nunca será nossa de verdade, quando menos imaginamos somos expulsos. Aqui tenho esperança de ter meu pedaço de terra e construir minha vida”, acredita.

Geração de renda e emprego

Para Jonas Carlos, o acampamento será um marco na história do Movimento, pois além de ser o maior de Mato Grosso do Sul e resgatar a história de luta dos Brasiguaios, ele também consolida a luta pela Reforma Agrária Popular como forma de geração de renda e sustento familiar.

“Em muitos estados, como no MS, temos municípios afastados, longe das mais diversas formas de geração de renda. Nestes locais existe um grande número de concentração de terra por poucos, o que prejudica o desenvolvimento da própria cidade, diferente de um assentamento que pode movimentar o local, os mercados, as vendas, as lojas de produtos agrícolas, gerando de fato renda para as famílias que ali vivem e alimentando a economia local”, disse.

 

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A acampada Zilda de Azevedo, há sete anos em baixo da lona preta.

Para a acampada Zilda de Azevedo, de 55 anos, há sete anos de baixo da lona preta, o acampamento em Japorã cria um novo ânimo para a luta.

“Com um acampamento desse tamanho, com certeza, se persistirmos na luta, iremos conseguir o nosso sonho de sermos assentados. Já estou nessa batalha, morando na lona há mais de sete anos. Quando soube desse novo acampamento me mudei para cá, para ajudar a organizar os novos companheiros de luta e renovar a minha esperança junto com eles”, afirma.

Na região de Japorã já existem dois assentamentos do Movimento, Jacob Carlos Franciozi e Indianápolis. Porém, os Sem Terra ainda destacaram a existência de áreas improdutivas na região, e que agora o próximo passo é fortalecer o acampamento e lutar para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) crie um novo assentamento.
 

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Realidade de Japorã

A cidade, que faz fronteira com o Paraguai, está localizada no extremo sul de Mato Grosso do Sul, e possui a menor renda per capita do Estado, estimada em R$ 241, além do menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O caminho para chegar até a cidade de 9 mil habitantes é longo e misterioso. Seguindo pela BR-163, são quase 6 horas de viagem até encontrar a primeira placa que indica o acesso à estrada que leva até Japorã.

O município tem 55% da população composta por índios guarani-kaiowá que vivem na Aldeia Porto Lindo, a 35 quilômetros da cidade. O restante dos moradores são assentados do distrito de Jacareí, e outros 2 mil vivem na área urbana da cidade. A área urbana de Japorã é menor do que a aldeia e o distrito.
 

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Resgate histórico

Atualmente, o MST possui cerca de 2 mil famílias acampadas por todo o Mato Grosso do Sul. Com este novo acampamento o número sobe para 3 mil.

O novo acampamento foi montado no município de fronteira, Japorã, por um fato histórico relacionado aos cidadãos brasileiros que migraram para o Paraguai com suas famílias, os conhecidos Brasiguaios, a procura de novas oportunidades de emprego e terra. Porém esses cidadãos se depararam com outra realidade que os obrigou a voltar para o Brasil de mãos abanando.
 

Os brasiguaios se apresentaram as lideranças políticas brasileira no mês de abril do ano de 1985, quando aproximadamente mil famílias instaladas em um acampamento no pátio da prefeitura de Mundo Novo (MS) publicaram um documento intitulado “Carta a população”, onde relataram a realidade vivida por eles no país vizinho.

Na primeira reunião do Acampamento José Márcio Zoia, no último dia 18, os Sem Terra se comprometeram a reescrever a “Carta a população”, retratando que a realidade dos Brasiguaios não mudou e que a luta pela terra continua. O documento será enviado a órgãos públicos responsáveis, a nível estadual e nacional.