A corrida pelo Cadastro Ambiental Rural: mais tempo e mais questionamentos

Apesar da obrigatoriedade do registro estabelecida através do Novo Código Florestal, poucas famílias tem conseguido providenciar o CAR.
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Por Pedro Martins*

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou nesta segunda-feira a (4) a prorrogação de mais um ano para o prazo de realização do Cadastro Ambiental Rural (CAR).  A decisão foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira (5), através da portaria 100/2015 do MMA.

O Cadastro deve ser feito por possuidores de imóveis rurais, de forma a declarar a posse de porção de terra com o indicativo georreferenciado de área de uso intensivo, reserva legal e área de preservação permanente.

Apesar da obrigatoriedade do registro estabelecida através do Novo Código Florestal em 2012,  poucas famílias agricultoras tem conseguido providenciar o CAR – e a maioria, com grandes dificuldades.

Muitas questões polêmicas surgiram em decorrência do Cadastro em todo o país. Segundo balanço do Ministério do Meio Ambiente, 52,8% da área cadastrável foi concluída. O destaque em número de Cadastros é da região norte onde, aliás, surgiu o CAR, no estado do Pará em meados dos anos 2000. Não à toa é a região de grandes conflitos socioambientais.

A realização do CAR se tornou, no entanto, uma corrida, qual uma corrida ao ouro. Como um documento, mesmo declaratório, foi dada importância elevada ao Cadastro, seja como requisito para acesso a créditos e licenças ambientais, e como demonstrativo do exercício da posse com suas consequências fundiárias. Neste último ponto, podemos afirmar que a corrida pelo CAR visa demarcar limites e fronteiras do agronegócio, cuja expansão desintegra relações tradicionais de cuidado com a natureza.

Agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas, povos e comunidades tradicionais saíram na desvantagem financeira na corrida do registro. Com a maior parte dos territórios tradicionais ainda em vias de demarcação e com pouco recurso para o pagamento do trabalho técnico de georreferenciamento do CAR, os setores antagônicos ao agronegócio ainda carecem de políticas públicas adequadas para a regularização ambiental.

Enquanto isso, diversos monocultivos de soja, por exemplo, são empreendidos com base no trabalho de empresas e ONG’s de grande envergadura.

Em 2014, o Ministério do Meio Ambiente através da Instrução Normativa n° 02 regulamentou a elaboração do CAR para povos indígenas, comunidades tradicionais e comunidades quilombolas. Ocorre que suas formas de ver e retratar o espaço são diferenciadas, ultrapassando noções como a de imóvel rural, área de preservação permanente e reserva legal, e outras definições do Direito Ambiental, e por isso colocam o instrumento em xeque quanto a sua legitimidade.

Os apoios financeiros, a exemplo do Fundo Amazônia, escancaram mais outra realidade. A base de dados a ser gerada pelo CAR, aliás, objeto da autoritária Instrução Normativa nº 03, também do Ministério do Meio Ambiente, serve ao poder público no planejamento de medidas de regularização ambiental e dos mecanismos de financeirização da natureza.

Sobre o CAR, é sempre bom lembrar de outras “novidades” que seguem no pacote da economia verde. Por exemplo, as propostas de Pagamento por Serviço Ambiental são estimuladas por diversos setores da indústria e agricultura a nível mundial e estão na agenda do Ministério.

Experiências de protagonismo das próprias organizações camponesas, seja de agricultores, agroextrativistas e diversas comunidades tradicionais, tem sido apontadas como fundamentais na metodologia de elaboração do cadastro, legitimando a visão dos sujeitos locais. Prorrogado o prazo para o CAR fica ainda incerto o fomento público para um trabalho eminentemente técnico e ainda deve-se fazer a pergunta: regularização ambiental como? E para quem?

*Pedro Martins é assessor jurídico na Terra de Direitos.