“Tenho orgulho de ser agricultora, de botar a mão na terra, de ter minhas mãos calejadas”

Assentados da Reforma Agrária contam a trajetória da conquista pela terra, as dificuldades enfrentadas e o resultado da luta.
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Plantação de arroz no assentamento Integração Gaúcha. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

Marinês Riva e José Mariano Matias eram um dos casais entre as 80 famílias que chegaram a Eldorado do Sul, em 1991, após grande mobilização e forte pressão popular que uniu em marcha, de Bagé a Porto Alegre (RS), centenas de trabalhadores e trabalhadoras*.

Na época, os trabalhadores rurais reivindicavam, ao então governador Alceu Collares, o assentamento das famílias acampadas no estado.

Passado alguns anos de luta, os Sem Terra viram seus frutos colhidos ao serem assentados numa área de 1.100 hectares, que pertencia ao Instituto Riograndense de Arroz (Irga). A conquista veio e criaram o Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul (RS). As dificuldades, porém, persistiam.

“Éramos aqueles que ninguém queria por perto. As pessoas da cidade nos respeitavam porque temiam que invadíssemos suas casas, as suas lojas. Muitas vezes fomos à cidade pedir água para beber e tivemos as portas fechadas. Fomos vítimas de preconceito e sabíamos que tínhamos que provar porque é que estávamos lá”, recordou Marinês.

Além do preconceito social e da dificuldade de encontrar água potável para saciar a sede, as famílias tiveram que resistir à falta de alimentos e buscar alternativas para garantir uma melhor qualidade de vida no assentamento.

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Marinês e Mariano, em bate-papo com jovens sobre o processo da luta pela terra.

“Chegamos a Eldorado com vontade de construir e produzir, de sair da condição difícil que enfrentávamos já havia cinco anos, mas tivemos muitas frustrações por não saber como trabalhar com aquela terra”, conta a camponesa.

Era uma terra alagada, destinada à produção de arroz, diferente daquela argilosa que estavam acostumados.

Com isso, “um dos maiores problemas que enfrentamos na época foi a fome. Perdemos os plantios de soja e feijão por causa do alagamento. Por não ter o que comer, até sopa de grama experimentamos. Não tínhamos água potável por perto, não existia energia elétrica, e muitas crianças morreram por causa da desnutrição”, recorda Marinês.

 

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No começo, as hortas garantiam o sustento. Com o tempo, passaram a vender os produtos em feiras.

Mudança

A difícil realidade das famílias começou a mudar quando passaram a ter maior conscientização ambiental e melhor conhecimento sobre o modelo agroecológico de produção.

No começo, passaram a investir em hortas que garantissem o sustento e, com o tempo, passaram a vender os produtos de porta em porta.

“Depois fomos apresentados para a feira ecológica, onde já contribuímos há 21 anos. Na época, também começamos a produzir pão orgânico. Hoje, nosso assentamento possui uma panificadora que produz 22 tipos de pães, além de bolos, bolachas e outros alimentos”, conta Marinês com orgulho.

O resultado deste processo está na organização e produção das famílias. Atualmente, as 70 famílias assentadas no Integração Gaúcha organizam suas produções por meio de cooperativas ou pequenos grupos familiares.

No assentamento, há centro comunitário, escola de educação infantil, e outros espaços que contemplam em atividades todas as faixas etárias.

Lá, existe também uma das maiores produções de arroz ecológico do estado gaúcho. As famílias do assentamento são responsáveis por produzirem mais de 200 hectares de arroz orgânico, colhendo em média 100 sacas por hectare.

A organização dos camponeses resultou ainda em oito hortas orgânicas, distribuídas em seis hectares. Além do abastecimento das famílias assentadas, a produção é destinada para feiras ecológicas, mercados, fruteiras, escolas e ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

 

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Jovens participam do bate-papo com Marinês e Mariano.

Matias conta que agora as famílias também pretendem passar a investir na produção de leite orgânico.

“Para nós a Reforma Agrária é repartir aquilo que conquistamos, oferecendo ao consumidor o melhor que podemos. Hoje estamos muito contente com o nosso trabalho, pois vemos o quanto melhora a vida das pessoas. Precisamos mantê-lo para que nossas futuras gerações permaneçam e continuem sendo beneficiadas com a implantação do modelo agroecológico”, ressalta Mariano.

Já Marinês, diz ter “orgulho de fazer parte da família Sem Terra, de dizer que a Reforma Agrária é o caminho certo, mesmo que, infelizmente, ainda falte consciência dos nossos governantes sobre o tema. Tenho orgulho de ser agricultora, de botar a mão na terra, de ter minhas mãos calejadas”.

*Bate-papo

A história de luta e resistência de Marinês Riva e José Mariano foram compartilhadas na noite da última quinta-feira (28), num bate-papo sobre a conquista da terra, a agricultura familiar e a produção agroecológica.

Durante duas horas, os camponeses conversaram com um público jovem sobre as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias acampadas na luta por Reforma Agrária e nos primeiros anos de assentamento.

A atividade, realizada em Porto Alegre, teve o objetivo de aproximar produtores camponeses de consumidores de alimentos orgânicos da cidade.

O bate-papo foi promovido pelo projeto Bonobo Aproxima, e fez parte das atividades da Semana de Luta Mundial contra a Monsanto, que denuncia os prejuízos da multinacional aos pequenos agricultores, os danos à saúde e ao meio ambiente e a manipulação em pesquisas científicas.