Movimentos populares e militantes saúdam os 90 anos de Clara Charf

Sua vida é tão espetacular que a coadjuvante prevista na biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras) virou co-protagonista. Que merece uma biografia só dela.

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Por Mário Magalhães

Clara Charf, uma das mulheres mais fascinantes do Brasil, completa 90 anos nesta sexta-feira, 17 de julho.

Seus parentes, amigos e companheiros queriam festejar na data do aniversário, mas não teve jeito: moradora do bairro paulistano do Bom Retiro, Clara preferiu continuar em Santo André, onde está desde a quarta-feira, dedicada a atividades da Associação Mulheres pela Paz. Só volta para São Paulo no sábado.

Nos últimos tempos, a entidade presidida por ela tem se dedicado a combater a violência doméstica.

Como Clara costuma contar, seu empenho tem sido para também reunir homens, na educação contra a violência, e não somente mulheres.

“Rapaz, você precisava ver&”39;&”39;, sempre me diz, depois de viagens país afora das quais regressa com otimismo inabalável.

Com nove décadas de vida, Clara continua como na juventude: na luta, e linda.

Ingressou no PCB ainda menor de idade; trabalhou na assessoria parlamentar do partido; tornou-se uma das mais importantes ativistas do movimento de mulheres; defendeu direitos que inexistiam antes de pessoas como ela batalharem por eles (divórcio, 13º salário, educação pública para as crianças e muitos outros); foi presa e ameaçada na década de 1950 (“Olha aqui, sua comunistinha de merda, ou você fala ou eu arrebento você&”39;&”39;); golpistas do Dops, em 1961, arrombaram a porta do apartamento em que ela vivia com seu companheiro, Carlos Marighella; na crise dos mísseis, em 1962, Clara cruzou com Che Guevara em Havana; em 1964, por pouco, escapou novamente dos policiais (desceu pelas escadas do prédio, enquanto os tiras subiam pelo elevador); foi um dos primeiros cidadãos processados pela ditadura recém-parida; incorporou-se à ALN, maior organização armada de combate aos generais e seus sócios; sobreviveu à morte de Marighella, em 1969, à caçada dos beleguins e amargou o exílio até 1979; de retorno ao Brasil, prosseguiu na militância feminista, na trincheira da democracia e foi pioneira do PT; conheceu figuras como Nelson Mandela e Michelle Bachelet e passou a ser, ela própria, personalidade de projeção mundial.

Um gigante da história.

Até hoje não parou e nem pretende parar tão cedo.

Sua vida é tão espetacular que a coadjuvante prevista na biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo&”39;&”39; (Companhia das Letras) virou co-protagonista. Que merece uma biografia só dela. Uma, não: muitas.

Uma das passagens mais comoventes, sua grande história de amor, eu reconstituí no livro: a fuga de casa para ficar com o homem da sua vida. Clara passou dez anos sem ver o pai, que no princípio rejeitou o genro, mas o desencontro teve final feliz.

Um dia, daqui a décadas, escolas no Brasil terão o nome Clara Charf. Será a homenagem à mulher que abriu mão de muita coisa, por se preocupar primeiro com os outros, sobretudo com quem nada ou pouco tem, em vez de pensar em si mesma.

Concorde-se ou não com as ideias dela, pode ter certeza: pensou em dignidade, pensou em Clara Charf.

Tim-tim!