Condenação de mandante de Unaí foi vitória ‘do mundo do trabalho decente’

A partir desta quarta-feira, quem vai a julgamento é o ex-prefeito Antério Mânica. Para ex-ministro de Direitos Humanos e atual secretário estadual, condenação de Norberto fez 'cair o pedestal'

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Por Vitor Nuzzi 
Da RBA
 

Depois da condenação de um dos acusados de ser mandante da chamada chacina de Unaí (MG), a 9ª Vara Federal de Belo Horizonte começa a julgar hoje (4) o ex-prefeito Antério Mânica, em sessão carregada de expectativa por envolver o principal mandatário da cidade, eleito justamente em 2004 (com 72% dos votos, pelo PSDB) e reeleito quatro anos depois (com 59%). A sessão está marcada para as 8h30. Para o ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda, a condenação de Norberto Mânica, irmão de Antério, na semana passada, já representa uma vitória para a sociedade e “para o mundo do trabalho decente”.

Em julgamento que terminou no final da última sexta-feira (31), Norberto Mânica foi condenado a 100 anos de prisão, período reduzido para 98 anos, seis meses e 24 dias por causa do tempo em que já ficou detido. Apontado como intermediário na contratação de pistoleiros, o empresário José Alberto de Castro pegou 96 anos, cinco meses e 22 dias (o tempo total foi de 96 anos, dez meses e 15 dias). Por serem réus primários, ambos podem recorrer em liberdade.

Para Nilmário, atual secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, mesmo o fato de poderem recorrer em liberdade, algo que pode até demorar anos, não diminui a importância do julgamento. “É outra batalha (garantir que eles sejam efetivamente presos). Mas ele (Norberto) condenado está, essa que é a questão”, afirma, acrescentando que o julgamento fez “cair o pedestal”, a arrogância de quem aposta na impunidade por ter poderio econômico e político e queria “matar o negro ousado, que achou que podia nos aplicar multa”, em referência a um dos fiscais assassinados em 28 de janeiro de 2004, Nelson José da Silva.

Além de Nelson, foram mortos a tiros João Batista Soares Lages e Erastótenes Almeida Gonçalves, também fiscais, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira. No ano passado, três acusados de executores foram condenados. Depois de Antério Mânica, haverá mais um julgamento, do cerealista Hugo Alves Pimenta, que fez acordo de delação. A sessão está marcada para o próximo dia 10.

Vergonha

Nilmário Miranda considera que havia dois julgamentos considerados essenciais: o da chacina de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, também em Minas, em 2004, quando cinco camponeses foram mortos, e o de Unaí. O principal acusado pelos assassinatos no acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, que o secretário chamada de “mandante comandante” foi condenado em 2013 a 115 anos. Também saiu “pela porta da frente”, com direito a responder em liberdade. Nilmário considera os casos simbólicos.

“É uma vergonha você esperar esse tempo (quase 12 anos) pelo julgamento”, diz, referindo-se a Unaí, um processo modelo “do ponto de vista do que não pode”. Ele observou que o caso ficou parado durante três anos em uma Vara e que houve muitas tentativas de transferir o caso de Belo Horizonte para o município onde ocorreu o crime, no noroeste do estado, que não tinha Vara federal naquele período. “A articulação para transferir para Unaí parecia quase irresistível. Ter realizado em Belo Horizonte, ter condenado intermediário é uma vitória, ter condenado o Norberto é uma vitória. Seria um enorme absurdo se tudo o que eles tentaram tivesse dado certo. O juiz soube desfazer as manobras, foi firme no cumprimento do rito.” Segundo Nilmário, a vitória foi das famílias, das instituições e “do mundo do trabalho decente”.

O secretário e ex-ministro, por sinal, esteve justamente em Felisburgo neste fim de semana. Ele foi participar da comemoração pelo decreto de desapropriação, assinado em setembro pelo governo estadual, da fazenda onde fica o acampamento Terra Prometida. “A cidade reconhece que eles são praticamente os únicos a produzir os alimentos vendidos na feira”, escreveu Nilmário em uma rede social. Segundo ele, os trabalhadores logo terão acesso a investimento do Incra, mas já foram incluídos nas políticas de apoio à agricultura familiar do Executivo mineiro.

Para Nilmário, há muito ainda que se mudar inclusive no sistema prisional. Enquanto alguns condenados podem recorrer em liberdade, ele lembra de um caso de quilombolos presos preventivamente por quase dois anos, até 2014, acusados de matar um pistoleiro em Brejo dos Crioulos, norte de Minas. O secretário conta que há 70 mil presos no estado, para 32 mil vagas em presídios. E 30 mil são presos provisórios. “Provisório é falta de defesa. Como é que você desmancha isso?”

Nesta terça, em Belo Horizonte, entidades de auditores fiscais do Trabalho farão nova manifestação diante da Justiça Federal, onde se realiza o julgamento. Eles devem levar um saco de feijão, referência à produção dos Mânica.