Mulheres Sem Terra denunciam jornalista que alegou casos de estupros em acampamentos do MST

A denúncia pública foi apresentada ao Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu (CONDETEC), que estava reunido na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), região centro do Paraná.

 

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Mais de 2.500 famílias ocupam a área grilada da Araupel, no Paraná

Da Página do MST

Na última quinta-feira (19), o Coletivo de Mulheres do MST fez uma denúncia pública ao Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu (CONDETEC), estava reunido na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), região centro do Paraná.

O Conselho que reúne representantes de prefeituras, entidades e organizações atuantes na região foi cobrado pelas trabalhadoras para que tome providências diante do artigo “Os filhos do Stédile e do Seriguelli” do colunista João Muniz, “o Matuto”, publicado no Jornal Correio do Povo. Na publicação, Muniz alegava que mulheres grávidas de dois acampamentos do MST no Paraná seriam vítimas de estupros dentro destes espaços.

O jornalista é membro do CONDETEC e estava presente na reunião, mas não se pronunciou durante o espaço onde as Sem Terra apresentavam a denúncia.

O Conselho se comprometeu em acolher a denúncia e discutir na reunião.

Veja abaixo a denuncia:

EXCELENTÍSSIMOS/AS SENHORES/AS INTEGRANTES DO CONDETEC

As mulheres do Coletivo Regional de Mulheres da Via Campesina, oriundas dos acampamentos Herdeiros da Terra de Rio Bonito do Iguaçu-PR e do acampamento Dom Tomás Balduíno de Quedas do Iguaçu-PR, e em nome de todas as mulheres camponesas vinculadas à reforma agrária, apresentamos publicamente a presente denúncia, rogando para que providências sejam tomadas pelos integrantes do Condetec, na esfera de sua competência, diante do comportamento de um de seus membros, Sr. João Muniz, conforme relatamos a seguir:    

O direito tutela como bem jurídico a honra, a dignidade e o decoro, e por isso tipifica como crime a injúria, difamação e calúnia, crimes praticados contra toda uma coletividade pelo colunista João Muniz.

1. O secretário executivo da Cantu publicou no Jornal Correio do Povo do Paraná matéria com o título “Os Filhos do Stédile e do Seriguelli”[sic] cuja conclusão faz força para levar a crer que a preocupação é com a violência infantil, mas a aspiração do última parágrafo da matéria não logra êxito depois de ter afirmado e feito ilações criminosas que ofendem todas as mulheres, e principalmente as mulheres grávidas dos acampamentos, e ofendem, sobretudo suas famílias;

2. A coluna, firmada por João Muniz, expõe o fato de haver gestantes nos acampamentos de forma atônita, como se fosse fato anômalo. Diz que no Acampamento Dom Tomás Balduíno já são 90 (noventa) gestantes, “na sua maioria, de meninas adolescentes”, o que matematicamente leva a crer que existem ao menos 46 meninas grávidas com idade entre 12 e 18 anos. Afirma, com base em denúncia, que “meninas foram obrigadas a manterem relações sexuais forçadas [sic] e até caso de estrupo [sic] de vulneráveis”. O título da matéria frente a estas afirmações colacionadas acusa duas pessoas públicas de estupro, todavia, vai além, pois ofende a honra e a dignidade das gestantes e de seus companheiros, de forma difamatória e injuriosa, além da imputação de crimes, que poderá configurar calúnia;

3. Expõe a situação de carência no atendimento à saúde pelos municípios de Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu, olvidando completamente os princípios e a forma de atendimento à saúde pública, e em seguida, em sua sanha indisfarçável de reduzir à significância zero as mulheres acampadas, desfere outras acusações tão desprovidas de fundamentos que beiram o delírio, afirmando por meio da retórica da pergunta que num período de 4 a 5 meses, em dois bolsões de pobreza (se referindo aos acampamentos), têm-se 160 meninas e mulheres grávidas, e conclama as autoridades a tomar medidas para não ver o último suspiro dessas crianças ainda no ventre materno. Repugnante! Abominável! É como se as gestantes tivessem engravidado necessariamente no acampamento, como se parte das gravidez fossem fruto de estupro, sem entrar no mérito de mentiras menores, a exemplo da idade dos acampamentos;

4. A posição do Jornalista é recheada de atos criminosos, direcionados a uma coletividade, caracterizados como injúria, difamação e calúnia. Ao levar a entender que as futuras mães foram estupradas e atribuir genericamente a paternidade a duas pessoas para muito conhecidos só de nome, ofendeu a honra dos pais e da família como um todo, mas acima de tudo, ofendeu as mulheres, que historicamente oprimidas pelo machismo e comportamentos discriminatórios, foram mais uma vez psicologicamente violentadas;

5. O Secretário Executivo da Cantu conseguiu ofender injuriosamente os pais e maridos das mulheres acampadas, as próprias mulheres, e os filhos que virão. O nível de estupidez atingiu três gerações;

6. Ressalta-se que a Convenção de Belém do Pará, recepcionada pela legislação pátria em 1º de agosto de 1996 pelo Decreto 1.973, traz em seu artigo 1º a definição de “violência contra as mulheres” como sendo “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. De outra banda a Constituição Federal em seu art. 5º, assim prescreve:IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; porém, não deixa também de ponderar outros direitos: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Portanto a livre expressão não pode ser supedâneo para defenestrar outros direitos também tutelados como bem jurídicos;

7. Por fim, é prudente destacar que recentemente o cidadão João Muniz noticiou amplamente um suposto atentado ocorrido em sua casa, fato envolto em mistérios e contradições até o momento, exceto pela versão do próprio noticiante e de seus correligionários da Comissão de Apoio à Araupel, que tem atribuído a autoria do suposto crime de forma maldosa e irresponsável aos integrantes do MST. Apesar da estranha coincidência por tais fatos terem ocorrido no momento de indignação das militantes feministas com a postura do jornalista, manifestamo-nos pela investigação criteriosa do crime, seja ele realizado por terceiros ou forjado.

Diante disto, requer-se um posicionamento do Condetec sobre o comportamento do referido membro, se este tipo de atitude do Sr. João Muniz condiz com os princípios desse respeitável Conselho.

Laranjeiras do Sul, 19 de novembro de 2015
Coletivo Regional de Mulheres da Via Campesina