Amigos do MST na Alemanha planejam intercâmbio de tecnologias agroecológicas

Grupo realizou sua reunião anual na última semana, e planeja intensificar trocas de experiências em produção agroecológica.

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Por Alan Tygel e Uschi Silva
Da Página do MST

Na entrada da casa, bandeiras do MST, Via Campesina e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Quadros com fotos da exposição Terra, de Sebastião Salgado sobre o MST decoram a parede, junto a bonés vermelhos. Um pequeno caboclo de lança, personagem do Maracatu Rural pernambucano, desce do teto, aparentemente para proteger o local. Antes da porta, sacos de feijão-preto recém colhidos esperam para ser entregues.

Ao contrário do que se poderia pensar, esta cena não aconteceu no Brasil, mas a um oceano de distância. Mais precisamente na pequena vila de Eichstetten, no sul da Alemanha, onde mora o pequeno agricultor Wolfgang Hees. Em sua casa funciona também a sede oficial do Grupo de Amigos do MST da Alemanha, que realizou seu encontro anual no último dia 14 de dezembro.

O grupo é formado por pessoas interessadas no Movimento na Alemanha, e também tem conexão com outros grupos de amigos pela Europa. Juntos, eles atuam como porta-vozes do MST na Europa, e elaboram projetos em parceria. Um dos mais importantes, por exemplo, resultou no apoio à construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), um dos mais importantes centros de formação dos movimentos sociais na América Latina.

Entretanto, Wolfgang alerta: “Nós não somos como um fã-clube do MST, também criticamos o MST. Participamos dos Congressos Nacionais, e ficamos muito felizes com o 6º Congresso com essa ampliação da reforma agrária popular com os outros grupos que sofrem no Brasil. O Movimento Sem Terra e os Zapatistas são grandes movimentos sociais que nos inspiram aqui na Europa, pelo grau da sua organização e das suas lutas.”

No momento, os amigos do MST da Alemanha pretendem reforçar o intercâmbio de experiências. A ideia é levar jovens da AbL, movimento que reúne pequenos agricultores e agricultoras alemães, para conhecer a ENFF e os assentamentos brasileiros, e também trazer jovens do MST para conhecer e vivenciar o modelo de produção agroecológico europeu.

Confira a seguir a entrevista com Wolfgang Hees:

Quem são os amigos do MST da Alemanha?

Os Amigos do MST na Alemanha têm uma ligação de muitos anos com MST. Somos um grupo de 20 a 30 pessoas mais ativas, e cerca de 120 que recebem nossos informes e fazem doações. Nosso primeiro objetivo aqui foi contribuir para o financiamento da construção da ENFF. 

Quando havia aquela ideia inicial do projeto, necessitava um co-financiamento da União Europeia. Com a exposição e o livro Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, foi possível juntar um dinheiro aqui dos Amigos do MST da Europa, principalmente da Alemanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, e mais tarde entraram mais forte Suécia e Finlândia. O grupo europeu se encontra a cada dois anos.

Como começou o grupo na Alemanha?

Tinham pessoas na Alemanha que trabalhavam no Brasil e tinham contatos com o MST. Eram principalmente sindicalistas metalúrgicos, sindicato dos químicos que tinham contato com parceiros no Brasil e sempre com uma conexão com o MST.

Fundações como a Heinrich Böll e a Rosa Luxemburgo também apoiam o Movimento há bastante tempo. Há também os produtores organizados aqui dentro da AbL e a Via Campesina da Alemanha. 

Em 1999 formamos a pessoa jurídica dos Amigos do MST da Alemanha. Somos uma associação com fim social, o que possibilitou receber doações e repassar ao Movimento Sem Terra, principalmente para a construção da ENFF.

Como foi na Europa a repercussão do Massacre de Eldorado dos Carajás?

Foi bastante forte, esse foi um ponto que levou a apoiar mais o MST. O massacre foi muito discutido por aqui, e foi um fator inicial para entrar mais forte na parceria com MST.

Continuamos com a exposição Terra [que inclui imagens de Massacre], e sempre fazemos essa exposição com organizações locais e regionais. Muitas vezes eles convidam para dar palestra sobre o MST, sobre a história e os desafios. 

Não nos entendemos não como um fã-clube do MST, mas como uma certa massa crítica. Também fazemos criticas ao MST e participamos dos Congressos Nacionais. Ficamos muito felizes com o 6º Congresso em que ampliou a reforma agrária popular com outros grupos que sofrem no Brasil. 

Nos entendemos um pouco como porta-vozes do MST aqui na Alemanha, porque temos clareza de que a reforma agrária é necessária, de que é preciso uma outra economia no Brasil, e também de que são os movimentos como os Movimentos Zapatistas e Sem Terra que nos inspiram aqui na Europa, pelo grau da organização e das suas lutas.

Quais são as linhas de atuação do grupo?

Estamos com dois projetos; um com os jovens da AbL, a Via Campesina alemã, que queremos que conheçam a ENFF e que façam cursos por lá. 

Também temos um projeto de convidar jovens do MST para fazer uma prática aqui de um ano na agricultura ecológica. Isso também é resultado do 6º Congresso, a orientação de investir fortemente na agroecologia. 

Temos uma experiência de 60 anos com uma agricultura orgânica e agroecológica, e pensamos que podemos passar alguma experiência para o Brasil e para o MST.

Então teremos em breve uma brigada do MST também na Alemanha?

No sul da Alemanha temos uma cooperativa de cinco produtores orgânicos que se juntaram para avançar na agricultura social e solidária. Estes cinco querem convidar jovens do MST para conhecer as culturas do ano inteiro, ver como adaptamos nossa agricultura para agroecologia e como não ter tanto trabalho com as ervas, fortalecer o solo aumentando a fertilidade e também o uso de máquinas adaptadas para facilitar a produção de produtos agroecológicos.

A luta dos camponeses alemães também é por Reforma Agrária?

Não é tanto reforma agrária. Lutamos mais pela sobrevivência da agricultura familiar porque também temos as ameaças dos grandes produtores do agronegócio e das corporações, que sempre compram as terras na Alemanha. 

Como temos juros muito baixos, os investimentos em bolsa de valores se tornam menos atrativos. Por isso, mesmo as pessoas que não querem trabalhar na terra sempre compram terra na Alemanha, apenas para investirem seu dinheiro para ter estabilidade e lucro. 

Também temos a política agrária da UE que está ligada à exportação, e somos totalmente contra essa ideia de exportar produtos da Alemanha e da Europa para países da África, América Latina e Ásia, porque não tem nada a ver com soberania alimentar. Nossa luta é para a agricultura familiar e para o abastecimento regional da população com produtos saudáveis e agroecológicos.

Mesmo com o período de inverno, em que é mais difícil produzir, a Alemanha é capaz de produzir alimentos para sua população?

Sim. Mas temos um problema aqui na Europa, que é o consumo muito alto de carne. Essa carne é produzida através da soja e de produtos que chegam do Brasil e de outros países do Sul. Dessa forma precisamos mudar o consumo do povo europeu, porque não podemos produzir essa quantidade de alimentos para o gado, porco e galinha. Por um lado, somos dependentes das exportações. 

Por outro, com essas importações, a Alemanha, e outros países como Dinamarca e Inglaterra, estão exportando leite e carne para outros países, principalmente na África. Nossa autossuficiência só é possível através das importações de soja e de outros produtos. 

A produção leiteira da Alemanha fica em 115% do consumo do país, uma parte do leite produzido aqui é exportado para África e América do Sul, complicando nestes países a pequena produção, já que são os pequenos os principais produtores de leite, e acabam sofrendo com os preços subsidiados dos produtos leiteiros que nós exportamos para o Brasil.

Como funciona a política de subsídios da agricultura Europeia?

Temos um subsídio principal, através da UE, que está ligado à quantidade de terra que você tem. Os maiores conseguem muito mais subsídios do que os pequenos, porque é uma cota por hectare. 

Além desses subsídios individuais para os produtores, tem outro problema: muitas vezes os produtores não são os donos da terra. No meu caso, só 10% da terra que eu trabalho é minha, a outra parte é arrendada. 

Como o subsídio da UE está ligado à quantidade por hectare, isso aumenta o preço da terra, e esse subsídio passa diretamente para o dono da propriedade, porque é um valor agregado. 

Isso faz aumentar o preço do aluguel das terras, ou seja, quem de fato produz, que não tem terra suficiente e vive da terra arrendada, passa esse subsídio diretamente para o dono da terra.

Mas temos outros subsídios que são para exportação. Outro programa muito grande da UE foi subsidiar os laticínios para ter preços mais baixos no mercado mundial. 

Por exemplo, a Alemanha facilitou a entrada do etanol, e por outro lado o Brasil facilitou a importação de produtos leiteiros da Alemanha. São esses meios da política que complicam a vida dos pequenos produtores, porque não são os pequenos produtores que produzem soja e etanol no Brasil. Com isso, os grandes produtores de etanol e soja têm o acesso mais fácil ao mercado Europeu.

Como funciona o seu sistema de produção?

Produzimos principalmente hortaliças, frutas e ervas, e vendemos uma parte da produção diretamente na fazenda.

Também temos contratos com distribuidores de alimentos orgânicos que vendem nossos produtos para lojas especiais de produtos agroecológicos e empresas que fazem o processamento de hortaliças e frutas. 

Vendemos diretamente a maior parte do nosso suco (pera, maçã, cenoura, uva) e fazemos vários tipos de produtos, como manteiga com ervas, pesto de manjericão, de um tipo de alho selvagem. São produtos fabricados por nós com um valor agregado para o mercado.

Plantam mandioca também?

(Risos) Não, mandioca aqui não dá. Mandioca não aguenta o frio do nosso inverno. Mas já experimentamos com batata doce, e temos dentro da cooperativa uma produção de feijão preto e soja orgânica com o rendimento de 3 a 3,5 toneladas por hectare, que é vendido para uma fábrica que faz tofu em Freiburg.

Qual é o seu trabalho hoje na AbL?

Estamos cooperando fortemente com a Via Campesina Internacional na defesa dos direitos dos camponeses. Eu sou delegado da AbL, dentro da Via Campesina Europeia, para avançar em Genebra com a construção da declaração dos direitos dos pequenos produtores e de outros grupos, como os pequenos pescadores, nômades com seus rebanhos pastorais. Essa é uma luta que também achamos importante.