Sem Terra usam a criatividade para desenvolver experiências educacionais no Ceará

De luta em luta, com criatividade e persistência, os Sem Terra do estado do Ceará desenvolvem diversas experiências sobre a educação do campo no estado.

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Por Gustavo Marinho
Da Pàgina do MST

Da horta didática dos Sem Terrinha ao método cubano de alfabetização de jovens e adultos “Sim, eu posso!”. Da banda de lata do sertão cearense às escolas de Ensino Médio. De luta em luta, com criatividade e persistência, os Sem Terra do estado do Ceará desenvolvem diversas experiências sobre a educação do campo no estado.

Em reportagem anterior, foi mostrado como os Sem Terra erradicaram o analfabetismo de jovens e adultos do campo e da cidade por meio do método cubana “Sim, Eu Posso!”. A deficiência com a educação no campo no estado, no entanto, não se dava apenas em torno dessa faixa etária.

Em paralelo, surgia também a necessidade de reivindicar a educação média nas áreas da Reforma Agrária. Foi quando, em 2007, milhares de trabalhadores rurais realizaram uma Marcha pelo estado para reivindicar do governo estadual a construção de escolas de Ensino Médio no campo.

“Até então não existia escola de ensino médio. No máximo, o que se tinha era um anexo das escolas da cidade”, recorda Sandra Maria Alves, diretora da escola João Santos Oliveira, no Assentamento 25 de Maio, no município de Madalena. 

 

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Das 11 estruturas que a gestão estadual comprometeu-se na época, cinco já estão em funcionamento – sendo quatro em assentamentos do MST -, três estão finalizando as obras e quatro ainda estão em processo de licitação.

A escola João Santos Oliveira é uma dessas conquistas. “Uma estrutura como essa num assentamento não estaria aqui se não fosse fruto da luta”, afirma Sandra. Atualmente, a escola conta com cerca de 170 educandos de assentamentos da região entre o 1º ao 3º ano, além de uma turma de Jovens e Adultos.

A partir dessas conquistas, iniciou-se o processo da construção do projeto político pedagógico realizado pela militância do setor de educação do MST junto aos assentados. 

“Nós tínhamos consciência de que a base pedagógica comum não daria conta da formação diferenciada dos homens e mulheres que queremos formar na Escola do Campo”, explica Sandra.

Dessa forma, foram criados componentes diferenciados relacionados à realidade social, política e organizacional da vida no campo.

Um exemplo é a disciplina de Organização do Trabalho e Técnicas Produtivas, uma aula com um agrônomo para acumular experiências no convívio com o Semiárido. Na própria escola existe o chamado Campo Experimental de Agricultura Camponesa e Reforma Agrária, uma área de 10 hectares com viveiro e hortas, onde os educandos aprendem e compartilham experiências agroecológicas.

“De modo geral, todas as disciplinas devem contribuir de algum modo no Campo Experimental, sempre relacionando com o conteúdo que eles estão trabalhando dentro da sala de sala de aula”, diz a diretora.

 

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Campo Experimental de Agricultura Camponesa e Reforma Agrária.

Nossa formação é muito voltada para o convívio com o meio ambiente. A partir dos projetos e atividades que fazemos nas disciplinas, temos maior aproximação com a natureza e entendemos melhor como nos relacionar com ela”, explica Sônia dos Santos Paiva, de 15 anos e estudante do 1º ano.

A Matriz Curricular ainda conta com as disciplinas de Projeto e Pesquisa, com o objetivo de familiarizar os educandos com a prática da pesquisa acadêmica ainda no Ensino Médio, e a disciplina de Práticas Sociais Comunitária, que contribui na dinâmica organizativa da escola.

“Aqui a gente aprende muita coisa diferente, além de participar de tudo que envolve a escola”, afirma Daiane dos Santos, de 14 anos e também do 1º ano A. Como explica Daiane, a comunidade é envolvida nas decisões da Escola, ao ajudar no fortalecimento da organicidade do espaço escolar e na própria organização do assentamento.
 

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Matemática, geografia e agroecologia 

Na mesma perspectiva pedagógica da escola João Santos de Oliveira, em trabalhar temáticas a partir da realidade vivida cotidianamente pelos alunos, desde 2010, diversas escolas do ensino infantil e fundamental também constroem uma experiência educativa a partir do cultivo de hortas escolares. 

O projeto “Crianças Construindo a Soberania Alimentar”, em parceria com a organização italiana Intervita, traz a proposta do aprendizado a partir do manejo de hortas. A prática contribui no processo educativo de diversas disciplinas e ainda garante uma alimentação nutritiva e saudável aos educandos.

 

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“Aprendi que agrotóxico é, na verdade, veneno. E que tem gente que usa esse veneno nas frutas, mas faz mal à saúde e não pode usar”, conta entusiasmada a Sem Terrinha Maria Jaciara, de 8 anos e aluna da 4ª série na Escola de Ensino Infantil e Fundamental Raimundo Facó, no assentamento Antônio Conselheiro, no município de Aracoiaba.

A horta didática levou para a escola muito mais que o aprendizado agroecológico. Todas as disciplinas tiveram que dar sua contribuição para manter a horta bonita, viva e cheia de lições.

A organização da horta entrou com o cultivo em formas geométricas, com as crianças fazendo contas para saber o local exato de plantar. A geografia construiu uma mandala em formato de rosa dos ventos para ensinar os pontos cardeais.

“A proposta de construir a horta nas escolas veio da própria dinâmica das famílias do assentamento, já que as crianças já tinham a horta como referência. Utilizamos isso no processo de aprendizado para envolver cada vez mais os educandos nas disciplinas, trazendo-as mais próximas à realidade de todos”, comenta Tereza Bráz Lopes, presidente da associação do assentamento.

 

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Nem a brava seca dos últimos dois anos foi o suficiente para que o projeto fosse abandonado. Ao contrário, foi mais um ensinamento em que as crianças adaptaram os cultivos com as culturas que resistem à falta d’água. Toda produção é voltada à merenda escolar, que também cultiva sua própria farmácia viva e seu banco de sementes.

A existência da horta na escola acabou por mudar o hábito alimentar das crianças. A rejeição com os legumes, por exemplo, deixou de existir. “No início havia uma resistência muito grande para comer. Começamos passando os legumes no liquidificador até conquistar o paladar de cada um. Ninguém queria tomar o suco verde, e a partir das oficinas de educação alimentar e agroecologia, todo mundo aprovou o que vinha da horta”, conta Islan Queiroz.

Ao som das Latas 

Ir ao Assentamento Recreio, no município de Quixeramobim, Sertão Central do estado do Ceará e não ouvir uma batida de lata é quase impossível. Por lá, a música já faz parte da rotina dos assentados, que junto à produção, à organização e à luta, regem o dia a dia de quem vive por ali.

Tudo começou na escola do assentamento, Criança Feliz. Um dos educadores da escola, Adriano Leonel, cursava Pedagogia da Terra pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), na Universidade Federal do Ceará (UFC), e uma de suas disciplinas de atividades culturais criou uma banda de lata com os educandos da turma.
 

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“Como era professor do assentamento, trouxe a experiência para desenvolver com as crianças aqui da escola. No segundo semestre de 2005 lançamos a proposta de desenvolver o projeto da banda de lata com as crianças aos sábados, envolvendo a música e arte dentro do currículo escolar”, conta.

Aos montes, latas e baldes começaram a deixar suas casas para se integrarem nas produções musicais. “Quadras Populares” foi uma das músicas desse processo, a partir de uma pesquisa sobre os ditados populares usados no assentamento. “Começávamos a discutir a escrita dos ditados e até questões mais gerais que envolviam os ditos populares, como no caso do preconceito que alguns ditos carregam”.

A partir de elementos das músicas populares e da vida no assentamento, a turma começou a construir suas próprias letras. “Já tínhamos os instrumentos e as letras, o próximo passo foi dar ritmo para o que havíamos criado”, lembra Adriano.

 

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Adriano Leonel, um dos entusiastas da Banda de Lata.

Todo o trabalho de construção das músicas foi feito com a participação dos próprios educandos, com a utilização de técnicas que Adriano trazia de seu curso de Pedagogia.

Com a rotina de ensaio na escola, a comunidade começou a ficar de orelha em pé e pressionavam pela primeira apresentação da turma. A oportunidade surgiu no dia das crianças, em 2005, numa festa no assentamento.

A história da banda estava apenas começando. Por ironia do destino, o palhaço que estava fazendo a animação da festa trabalhava numa das rádios da cidade e falou da banda em seu programa. Uma das pessoas que ouvia a rádio naquele momento era uma funcionária da Secretaria de Educação do município, que fez o convite às crianças para que se apresentassem num festival que estavam promovendo.

Essa apresentação foi a porta para a banda crescer e se espalhar por diversos municípios do estado, levando a arte e a cultura Sem Terra sob o som das Latas. “A nossa banda é um grande exemplo dos frutos da educação no campo. Nossos jovens têm pouca perspectiva de vida no campo frente ao agronegócio, e muitos acabam migrando para a cidade. A banda foi e é um grande incentivo para a permanência no assentamento”, destaca Adriano.

Muitas das crianças que iniciaram os primeiros passos da banda, hoje já adolescentes e jovens, continuam batendo lata e dando continuidade à história. Além do processo de aprendizagem musical, os integrantes também utilizam seus espaços de reunião como momentos de debates sobre os mais variados temas, contribuindo no processo de formação das crianças e adolescentes.

Da sexualidade a grandes nomes da música, tudo é pauta para o bate papo dos jovens. A banda, que já tem um CD gravado, conta com diversas gerações do assentamento. Adryany Maciel, de 12 anos, entrou na banda no início de 2014.

 

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“Eu era muito envergonhada, mas com os ensaios acabei me acostumando. Hoje somos referência não só no assentamento, mas em toda a cidade de Quixeramobim”.

Já Kamila Leonel, de 17 anos, integra a banda desde o começo e topou a iniciativa logo de primeira. “Foi por ela que eu aprendi muita coisa de arte, de cultura, e é por tudo que já aprendi     que continuo”, disse Kamila, que atualmente faz graduação em letras.

Desde 2009 a associação do assentamento conseguiu trazer um ponto de cultura. Com isso, as oficinas e o tele centro ajudam no desenvolvimento e na formação dos moradores.

“A Banda de Lata cumpre um papel importante no desenvolvimento cultural, artístico e político dos que ousaram bater na lata e levar o ritmo da Reforma Agrária pelos quatro cantos”, acredita Adriano.