“Amanhã é preciso que as ruas estejam ocupadas por gente que não tem medo da direita”, diz Valter Pomar

Em entrevista, Pomar — que foi dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores — acredita que o PT deve dar uma resposta não somente nas ruas, mas no governo.

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Por Rute Pina
Do Brasil de Fato

As mobilizações nacionais convocadas por movimentos populares, sindicatos e partidos políticos – organizados na Frente Brasil Popular – para esta sexta-feira (18) em todo o país são a oportunidade para setores de esquerda reagirem à ofensiva da direita no cenário político. A opinião é de Valter Pomar, historiador e professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo. Em entrevista por email, Pomar — que foi dirigente nacional do Partido dos Trabalhadores — acredita que o PT deve dar uma resposta não somente nas ruas, mas no governo.

Sobre a nomeação do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil e a reação de setores conservadores da sociedade em manifestações nas ruas na noite desta quarta-feira (16), Pomar afirma que “a direita não quer acordos, nem está preocupada com discursos acerca do Estado de direito”.

Confira a análise de Valter Pomar sobre a atual conjuntura do país.

Qual sua avaliação sobre a ida do ex-presidente Lula ao governo como ministro da Casa Civil?

A oposição quer o impeachment da presidenta Dilma e quer impedir que Lula dispute as eleições de 2018. Para derrotar a oposição, precisamos de mobilização social e mudança na conduta do governo. A presença de Lula precisa contribuir neste sentido, especialmente na modificação da política econômica.  Por exemplo, arquivando a Reforma da Previdência, o “ajuste fiscal de longo prazo”, os juros altos e a privatização de ativos estratégicos.

A ida de Lula para o governo gerou uma reação brutal da direita. A situação está se precipitando rapidamente. A direita vai trabalhar por um desenlace nos próximos dias. Buscarão criminalizar Lula e impedir sua posse, na Justiça e nas ruas. Buscarão impedir a presidenta Dilma e sabotar seu governo. Buscarão destruir a esquerda e agredir fisicamente nossa militância.

Como você avalia a divulgação da uma conversa telefônica da presidenta Dilma Rousseff e de Lula e a resposta que isso desencadeou, com protestos na frente do Palácio do Planalto e em outros locais do país na noite desta quarta-feira (16)?

A situação é extremamente difícil. A direita está na ofensiva e conseguiu, articulando [o juiz federal da Operação Lava Jato, Sérgio Moro] Moro, mídia e massa, ganhar amplos setores para sua interpretação acerca da presença de Lula no governo. O ato nesta quarta-feira de noite, na Avenida Paulista e em outros pontos do país, são uma demonstração disto. A direita não quer acordos, nem está preocupada com discursos acerca do Estado de Direito. A divulgação de uma gravação ilegal entre a presidenta e o ex-presidente demonstra a absoluta falta de limites do justiceiro de Curitiba e seus aliados na Polícia Federal.

Apesar de tudo, ainda há tempo e meios para reagir. O lado de lá ainda está dividido sobre como fazer, sobre quem colocar no lugar e sobre como “cortas as asas” do justiceiro (que no afã de destruir o PT, traz à tona maracutaias da direita). Há tempo para reagir, porque os setores democráticos e de esquerda percebem cada vez melhor o que está em jogo. E o governo tem meios para tomar medidas práticas. Medidas contra os justiceiros, contra o gangsterismo político, contra os agentes do Estado que estão agindo fora da lei. E, principalmente, medidas que melhorem imediatamente a situação dos setores populares.sem recuperar o apoio popular, o Palácio se converterá numa arapuca.

Na sua visão, como os setores de esquerda podem se posicionar neste contexto político?

De imediato, jogando todas suas energias na manifestação desta sexta-feira (18). Precisamos não apenas de muita gente presente; precisamos também de muita combatividade. A oposição de direita precisa saber que eles não terão um minuto de paz, caso insistam em pisotear as liberdades democráticas, caso sigam adiante no golpismo.

Dia 18 de março é preciso que as ruas estejam cheias de cidadãos e cidadãs dispostos a deixar claro, para as direitas, que o golpismo não terá um segundo de paz. Dia 18 de março é preciso que as ruas estejam dispostas a enfrentar as agressões que setores da direita fazem contra nossas sedes, dirigentes, militância e manifestantes. Dia 18 de março é preciso que as ruas estejam ocupadas por gente que não tem medo da direita, nem medo de derrota.

Para além do dia 18 de março, é preciso trabalhar duro não apenas para deter, mas também para derrotar a oposição de direita. Por exemplo, no Parlamento, onde está em curso uma pauta extremamente regressiva. Por exemplo, também, nas eleições de 2018, quando precisamos conquistar um quinto mandato, em condições que nos permitam fazer reformas estruturais. Claro, tudo isto dependerá de recuperar o apoio da classe trabalhadora e dos setores populares. No fundo, trata-se de fazer uma reorientação do programa, da estratégia e do modus operandi das esquerdas, especialmente do Partido dos Trabalhadores.

 
   

A presidenta Dilma já afirmou que não renuncia e um pedido de impeachment, outro desejo da oposição, teria que passar por um processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou pelo rito na Câmara dos Deputados, ambos processos longos. Como fica a governabilidade neste próximo período? E qual será o papel de Lula nestas articulações?

Tudo que aconteceu desde 2003 já provou que a governabilidade não pode depender apenas, nem principalmente, de apoio parlamentar e institucional. Precisamos de apoio popular e a mobilização social, que dependem em boa medida das medidas práticas que o governo adota para melhorar a vida das pessoas.

Por outro lado, a oposição de direita são várias: tem a que está nas ruas, tem a que está na mídia, tem a que está em Curitiba, tem a que está no Congresso, tem a que atua por dentro do governo. Para lidar com tudo isto, será preciso, como disse antes, mudar a conduta geral do governo e fazer muita mobilização social. Mas não haverá soluções mágicas, até porque um setor da direita já foi longe demais e não vai ser fácil fazê-los recuar nos seus propósitos, nem nos seus métodos. Aliás, o que aconteceu nos dias 4 [depoimento coercitivo de Lula à Polícia Federal em São Paulo] e 13 de março [manifestações da direita nas ruas] demonstra que há um setor da direita que está com pressa e gana, muita pressa e muita gana. Derrotar esta gente vai exigir mais do que capacidade de articulação.

Sobre a manifestação pró-impeachment do dia 13 de março, embora os protestos tenham crescido, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou um perfil socioeconômico da manifestação que indica que havia o mesmo extrato social elitizado que estava na Avenida Paulista no ano passado. Ao mesmo tempo, há um descontentamento generalizado com o governo e sua política econômica, mas essa parcela da população não aderiu aos atos. Por quê e o que isso significa?

De fato, a manifestação de 13 de março foi uma espécie de “grito dos incluídos”. Mas isto não quer dizer que as periferias estejam contentes. Pelo contrário, há vários sinais de que a maioria da classe trabalhadora está descontente. E tem motivos para isto, entre os quais destaco o crescente desemprego. Também há vários sinais de que o discurso dos coxinhas penetrou nos setores populares. Nosso desafio é reverter isto, através de luta política e ideológica, de mobilização social e de mudanças práticas na conduta do governo. 

Há indícios também que umas das primeiras medidas de Lula seria uma volta de Henrique Meirelles ao Banco Central. O que isso representaria?

Os méritos dos oitos anos de governo Lula ocorreram geralmente apesar e geralmente contra Meirelles. Do que precisamos, agora, é implementar o programa econômico aprovado pelo Diretório Nacional do PT, no dia 26 de fevereiro. 

Quantas e quais das medidas do “Programa Nacional de Emergência”, lançado mês passado pelo Diretório Nacional do PT, têm mais chances de serem levadas adiante pela presidente Dilma?

Todas. Há medidas para apoiar os setores mais golpeados pela crise. Há medidas que visam fazer os ricos pagarem impostos, para o Estado ter recursos para fazer as políticas sociais e de desenvolvimento. Há medidas que visam retomar o crescimento e o desenvolvimento, por exemplo usando parte das nossas reservas externas. Tudo pode ser levado adiante, desde já. Enfrentaremos, é claro, grande oposição. Mas sempre é melhor sofrer oposição por fazer a coisa certa.