Não dá para confiar num Judiciário que tem o Gilmar Mendes

Em entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim, Stedile descreve a audiência que promoveu com o Papa Francisco I para tratar do Golpe das “forças do capital".

 

Da Página do MST 

Em entrevista ao programa Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, João Pedro Stedile analisou o novo cenário político e falou sobre as movimentações sociais para o próximo período. 

Acompanhe: 

Seria possível você descrever que atividades foram feitas hoje pelo Movimento dos Sem Terra em todo o país? 

O MST, assim como outros movimentos da Via Campesina, diversos movimentos da Frente Brasil Popular, sindicatos da CUT e da Central de Trabalhadoras do Brasil desenvolvemos uma jornada nacional de paralisação de atividades e protestos contra a votação no Senado que deve afastar a Presidenta Dilma. É uma maneira de alertarmos a população e empresários em geral de que eles podem controlar os parlamentares, mas não controlam a produção e a sociedade em geral.

Esse movimento, você acredita, como me disse o Boulos, é apenas o começo?

Eu acho que há um sentimento na sociedade de indignação contra essa hipocrisia do impeachment e, por enquanto, quem está se mobilizando são as parcelas organizadas da classe trabalhadora. Eu acredito que, devagar, outras parcelas se envolverão em mais mobilizações, assim que começar o governo ilegítimo do Temer, que vai implementar um programa neoliberal e vai afetar os interesses da classe trabalhadora. A classe trabalhadora ainda não se deu conta do temporal que vem por aí. Quando ela se der conta, acho que as mobilizações vão se ampliar em todo o país. Nesse sentido, o que aconteceu hoje é apenas um sinal.

Você diria que, com essa movimentação de hoje, houve uma unidade dessas forças políticas que pretendem contestar ou evitar que o Golpe se concretize?

Eu acho que, nos últimos meses, houve um processo de unificação das forças populares, que estão presentes da Frente Povo Sem Medo e na Frente Brasil Popular, mas, sobretudo, houve uma unidade com setores como intelectuais, artistas, juristas, igrejas cristãs e de matriz africana. Na semana passada, entregamos ao Renan [Calheiros, presidente do Senado] e ao presidente [do STF] Ricardo Lewandowski três volumes com mais de 320 abaixo-assinados com milhões de assinaturas contra esse processo de impeachment. Eu acho que entre as forças ativas da sociedade há uma unidade grande contra o Golpe.

Como você descreveria a posição dos partidos? Como você descreve a posição do PT nesse momento?

Acho que os partidos estão acompanhando o que as forças populares estão se manifestando. Os partidos, de maneira geral, perderam a capacidade de mobilização por si só. Eu vejo até como uma posição bastante humilde deles que reconhecem que as únicas forças capazes de fazer frente ao Golpe são as mobilizações de ruas, já que, nos últimos anos, os partidos priorizaram apenas as eleições e o Parlamento. Não resta outro caminho aos partidos a não ser se somarem às forças populares.

O senador João Capiberibe, o PCdoB e o senador Requião encaminharam a proposta de novas eleições. Seja através de um plebiscito para convocar eleições ou convocar eleição já. Qual a posição do MST?

A posição do MST é semelhante à de todos os movimentos populares. Nós fizemos um debate e a nossa avaliação foi: colocar esse tema agora na agenda política era se antecipar aos desdobramentos do Congresso. Deveríamos, primeiro, esgotar todos os recursos para evitar o Golpe. Isso significa tentar impedir a destituição da Presidenta no Senado, depois teremos 120 dias para que o Lewandowski coordene os debates no Senado sobre a questão do mérito que até agora não foi julgado. Se nós tivermos 28 senadores, poderemos barrar o Golpe. E, na pior das circunstâncias, nós ainda teremos o recurso do mérito no STF. Nós já deixamos explícito a Lewandowski que vamos recorrer da decisão. Já nomeamos o doutor Marcello Lavenère para ser o nosso advogado no STF. Passado esse processo, consolidado do Golpe, aí os movimentos populares buscarão uma outra saída política e que essa outra saída devolva ao povo o direito de escolher representantes. 

São elas:

Primeira: o PCdoB defende a ideia de levantarmos um abaixo-assinado em que reivindicasse ao Congresso o direito de fazer um plebiscito para antecipar apenas as eleições presidenciais.

Segunda: é uma proposta que está no Senado, já passou por duas comissões, em que pedíamos ao Congresso convocar um plebiscito formal para que a população decida se é a favor da convocação de uma Assembleia Constituinte para uma reforma política. Nesse caso, a população decidiria.

Terceira: é a proposta que, na coalização das entidades democráticas, capitaneadas pela CNBB e OAB, elas entraram com um projeto de lei, capitaneado pela Luiza Erundina, que implanta propostas de reforma política. Ele já está na Câmara, tem adesão de 182 deputados, e o projeto, sem si, implanta a reforma política, entre elas o direito de a população auto-convocar plebiscitos. Hoje, como se sabe, plebiscitos só podem ser convocados pelo Congresso.

Esse projeto da deputada Erundina não prevê também o recall?

Sim, mas o recall é pela forma de plebiscito. Então, por exemplo, se a população está insatisfeita com o governador Alckmin, um determinado número de assinaturas entra com uma proposta no Judiciário para que o Judiciário convoque o plebiscito revogando o mandato do Alckmin. Aí, a população vota. Isso funcionaria para prefeitos, vereadores, deputados e Presidentes da República.

Porém, parte dos movimentos prefere que a reforma política seja feita por uma Assembleia Constituinte exclusiva, pois ampliaria os poderes e incluiria reformas no Poder Judiciário. E todos estão vendo que não dá para confiar no Judiciário. Mesmo na mais alta corte os ministros se comportam como bancadas partidárias, ou alguém tem duvida de que o Gilmar Mendes faz parte da bancada dos tucanos no STF.

E a quarta proposta é uma PEC, essa que o Requião assinou, que convoca eleições gerais.

Agora, Amorim, o problema que temos é de calendário. Por mais que a gente agilizasse, seguindo o rito atual que há no Congresso e no calendário político, dificilmente teríamos algum tipo de eleição antecipada, revogatória ou reforma política antes das eleições de 2018.

A não ser que houvesse, nos próximos meses, com o agravamento da crise econômica de um eventual governo Temer de tal forma que as massas fossem para as ruas e que isso pressionasse o Congresso para que ele optasse por uma das medidas de uma forma mais rápida. Para esse ano, o calendário é muito apertado.

Você já conversou sobre esse assunto com o seu amigo o Papa Francisco I?

É bom que você tenha feito a pergunta. Ontem, a nosso pedido, o Papa Francisco recebeu duas emissárias dos movimentos populares que são contra o Golpe. Ele recebeu às 18h a Letícia Sabatella e a doutora, desembargadora e juíza Kenarik Boujikian [da Associação de Juízes pela Democracia]. Elas eram portadoras de duas cartas: uma do Marcello Lavenère, que explicou o Golpe, e uma outra dos movimentos populares em que apelamos ao Papa, já que não adianta apelar ao Congresso nem para o STF. Pelo que conversei com a Kenarik, ela me disse que o Papa foi receptivo e está acompanhando passo a passo a situação política aqui, que teria consequências imediatas na Argentina, prometeu escrever uma carta à Presidenta Dilma e rezar, já que ele tem a ponte com o verdadeiro Supremo, para que ele apele às forças espirituais para que não deixe as forças do capital implementarem esse Golpe.

Vocês não foram se queixar ao bispo. Foram direito ao Papa.

Claro. Antes, estivemos com Dom Leonardo, secretário-geral da CNBB, e ele está apreensivo, mas achamos que devíamos ir direito ao Papa. Assim, como outros movimentos têm conversado direto com os orixás. Todos estão prometendo ao Temer que se ele continuar nesse caminho o inferno um dia o esperará.