Tarso: prisão de membros do MST tem relação estreita com o golpismo

Para o ex-ministro e ex-governador do Rio Grande do Sul, o resultado da nova investida contra a democracia é um golpe contra a soberania popular, que tem a mídia oligopolista como o centro organizador dos partidos tradicionais.

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Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

 

Em entrevista concedida a Página do MST, o ex-ministro da Justiça, Educação e Relações Institucionais do governo Dilma Rousseff e ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), afirma que a “espionagem” dos movimentos de oposição sempre foi utilizada pelo poder político dominante, mas na democracia, ao ultrapassar a legalidade, representa um passaporte para a “exceção” e o autoritarismo, pois se torna instrumento de governabilidade.

Para Tarso, as consequências do Golpe institucional no Brasil, para a democracia e os direitos sociais da população, dependem da capacidade da esquerda em criar novas formas populares e democráticas de organização política, que devem ir além dos limites do PT. E conjuntamente com os movimentos sociais, promover uma reforma política, pressionar para a democratização da mídia e avanços econômicos.

Ele defende ainda, que nesse momento é fundamental acreditar na democracia, não somente no contexto tático, mas também do ponto de vista estratégico para projetar a construção de um socialismo democrático, superior aos regimes em funcionamento até agora.

A Página do MST lança uma série especial sobre a criminalização dos movimentos sociais no contexto do golpe brasileiro. Esta semana, confira abaixo a entrevista cedida por Tarso Genro.

Qual o contexto geopolítico do golpe na América Latina. E o papel dos EUA no golpe brasileiro?

Genro – Na base do movimento golpista está a questão do “ajuste” e do custo da crise financeira mundial, que depois de se disseminar pelo mundo agora cobra o seu custo. Há uma preocupação dos países que estão no núcleo orgânico do sistema financeiro global, com a possibilidade dos países da América Latina em transitar de uma posição de dependência subserviente, para uma cooperação interdependente diversificada, no cenário mundial. Esse é o elemento político decisivo para a retomada do golpismo que está em curso na América latina. O Banco Brics [banco fundado pelo grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], Mercosul, e a emergência de governos progressistas na América Latina são um alerta ao sistema financeiro mundial e seus representantes de que as formas democráticas tradicionais estavam começando a servir para os países da América Latina – com certa liderança do Brasil – para se opor ao domínio sobre os Estados. Daí uma nova investida contra a democracia, desta vez,  tendo a mídia oligopolista como o centro organizador dos partidos tradicionais. O resultado é um golpe contra a soberania popular.

Se encontra em curso um processo de repressão e criminalização dos movimentos populares, que se acentua com o golpe. Quais as consequências disso para os direitos conquistados e a democracia?

Genro – O modo de funcionamento do Estado de Direito – mais ou menos democrático – é contraditório e responde à correlação de forças, e de como a hegemonia das forças políticas reacionárias ou conservadoras se instauram no aparato estatal. A criminalização dos movimentos populares não é estranha ao Estado de Direito e no momento atual avança com a militarização da repressão, pelas forças públicas estaduais. Mas o aparato burocrático do Estado não é uniforme nem insensível ao que ocorre na sociedade, na cultura, nas disputas ideológicas. Veja, por exemplo, a operação “lava-jato”. Seus processos judiciais agora começam a sair do aniquilamento do Partido dos Trabalhadores (PT) e a atingir elites reacionárias e neoliberais. Isso também é uma consequência da democracia e do Estado de Direito, que não pode ser menosprezada. As consequências deste processo, para a democracia e para os direitos sociais, vão depender da capacidade da esquerda em criar uma nova força política, para ir além dos limites do PT. Após retomar a legitimidade ao Parlamento e da Presidência da República, através de eleições gerais, essas instituições, em conjunto com os movimentos sociais, podem barrar o autoritarismo, promover uma reforma política e pressionar para um avanço econômico.

Qual o problema da espionagem dos movimentos sociais para a democracia?

Genro – A “espionagem” dos movimentos de oposição contra o poder político dominante é constante em qualquer Estado e regime. Mas, na democracia, ao ultrapassar a legalidade pode ser o passaporte do Estado para a “exceção” e o autoritarismo, pois deixa de ser instrumento do Estado de Direito, para mantê-lo e valorizá-lo, para se tornar instrumento de governabilidade burocrática e autoritária.

O MST tem dois militantes de Goiás presos injustamente. Eles são vitimas de prisão política, que tipifica o Movimento como organização criminosa, com base na Lei nº 12.850/2013. Esta é a primeira vez que isso acontece no Brasil com um movimento social. Qual a relação disso com o Golpe?

Genro – Isso tem relação estreita com o golpismo “institucional” em curso. Estas são contradições típicas do Estado de Direito que, nos momentos de crise responde aos interesses das elites econômicas, que controlam os seus mecanismos de poder. Em todo esse processo o MST estava e está defendendo o respeito à soberania popular, enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por exemplo, a sua ruptura e aniquilamento. Quem é, então, organização criminosa? Porém, nesse momento não desistir da democracia, não é somente uma questão de “tática”, mas um fundamento estratégico para projetar um socialismo democrático, com uma forma de Estado superior às experimentadas até agora.

Após o golpe, como lidar com um Estado de vigilância que tem a grande mídia monopolista como aliada?

Genro – O oligopólio da mídia é hoje o partido moderno, o “príncipe” no sentido de Gramsci, dirigente das frações mais conservadoras e reacionárias das classes dominantes. Precisamos responder as novas formas de organização política da direita, com novas formas populares e democráticas de organização: em frente políticas, de redes de informação, debates, comunicação, que não estejam sob o controle do capital. E democratizar os meios de comunicação no país, fortalecendo a comunicação pública e fazendo com que as concessões públicas respeitem a sua finalidade prevista na Constituição.

 

 

*Editado por Rafael Soriano