Quando tomar as ruas é caminho para a consciência política e defesa de direitos

As Frentes mostram que a unidade popular não aceita que o impeachment, o golpe contra o povo, seja vitorioso e que estamos resistindo.

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Por Lizely Borges
Da Página do MST

 

Movimentos populares do campo e da cidade, servidores públicos, centrais sindicais, mandatos progressistas e organizações da sociedade civil marcharam pela Esplanada, em Brasília-DF, na noite do dia 10 de junho. Em conjunto com atos realizados em todo o país, articulados pelas Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo e com envolvimento de amplos setores sociais, a atividade, na capital federal, reuniu mais de 10 mil pessoas em protesto contra o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e medidas adotadas pelo governo interno de Michel Temer e pela defesa da democracia. Foi o primeiro ato nacional unificado desde que começou o governo interino e a classe trabalhadora já absorve suas lições.

“As Frentes mostram que a unidade popular não aceita que o impeachment, o golpe contra o povo, seja vitorioso. Nós estamos resistindo, construindo outras narrativas, dizendo que o golpe é contra a classe trabalhadora e contra os direitos sociais e trabalhistas. Continuaremos nas ruas, resistindo, aponta o secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e integrante de operativa das Frentes, Rodrigo Rodrigues.

A construção de uma unidade popular tem sido o esforço das organizações e movimentos como estratégia de resistência frente às medidas adotadas por Temer e de defesa do retorno de Dilma à presidência. Em comum, as organizações apontam que as ações da nova gestão, tais como extinção e fusão de ministérios, o aumento da idade mínima para aposentadoria, cortes em programas sociais e no orçamento para políticas básicas, como a saúde, afetam mais duramente a classe trabalhadora; e este conjunto de retrocessos é o ponto de convergência na aglutinação de forças populares.

“Os primeiros atos do governo interino contra a classe trabalhadora já foram tomados e afetam os direitos humanos. A vinda para as ruas é ação natural da consciência de classe num momento em que há um golpe de estado. Isso inclui todos. Quem não é banqueiro, industrial, latifundiário, vive do trabalho e que, também com o golpe como todo o povo, teve seus direitos fragilizados”, aponta Paulo Roberto Lebutte, ex-secretário executivo da Secretaria de Direitos Humanos, ligado ao extinto Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.

Os atos de rua têm sido centrais para a visibilidade de denúncias e reafirmação de oposição ao governo: “o ato na rua é forma de demostrar para a sociedade a consciência política que temos deste momento e que só tomando as ruas, de forma organizada, vamos enfrentar o que caracterizamos como golpe. A rua não é apenas espaço de deslocamento, é também de construção coletiva de conhecimento. É preciso sair do isolamento de cada um, nos seus espaços privados e se manifestar em conjunto”, destaca professor da licenciatura de educação no campo da Universidade de Brasília.

 

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A rua como espaço de resistência coletiva

Após nove meses instaladas em Planaltina-DF, na altura da BR-020, que liga Brasília à Fortaleza, as 487 famílias da Ocupação Maria da Penha Resiste foram despejadas no início de maio deste ano. Foram relocadas uma Unidade de Acolhimento de Adultos e Famílias (Unaf). “Chegando lá nos deparamos com uma estrutura sem água, fiação elétrica e saneamento. Estamos um mês e 12 dias sem àgua e luz. Vamos de novo para as ruas, não é o movimento que está inventando direitos, isso está na Constituição”, relata a coordenadora Maria Almeida, do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST). Zezé, como é chamada, participou do ato junto com parte destas famílias.

Da mesma forma, na rua, no espaço público como local de visibilidade da defesa de direitos, que segue a luta pela reforma agrária popular: “Quando a gente vai para a rua é porque a coisa não anda bem. A gente que é pequeno agricultor não tem forças para enfrentar sozinho o poder do mercado. É por isso que a gente vai para as ruas, para defender o nosso direito ao trabalho”, conta Antônio Francisco da Costa. Vindo do Maranhão, Francisco passou a integrar o MST há seis anos porque “não tinha condições de ter a própria terra para plantar”. Foi no Acampamento Oscar Niemayer, em Brazlândia, em terreno destinado à Reforma Agrária, mas apropriado por um posseiro, e onde cultiva maracujá, cebola e batata doce, que identificou a importância da ação coletiva: “Dentro do Acampamento a gente vê a solidariedade e companheirismo e que estamos lutando dignamente pelo direito”. Segundo a coordenação nacional do MST cerca de mil famílias estão acampadas no Distrito Federal à espera da regularização das terras.

Ampliação e fortalecimento de lutas

Na avaliação do integrante do Coletivo Intervozes de Comunicação Social, Marcos Urupá, as Marchas de Junho, realizadas em 2013, com ida massiva da população para as ruas, marcou novo momento na luta pela democratização da comunicação. “A comunicação saiu das pastas de especialistas e ganhou espaço. O legal é que o debate sobre papel da comunicação e dos meios não está apenas nos grupos de interesse – o movimento ganhou autonomia, mais estudantes, mulheres, trabalhadores debatendo a comunicação. Toda a conjuntura que temos vivido ajudou a trazer à tona mais temas para o debate público, como a cultura, a reforma política, gênero”.

As realidades vividas por mulheres também têm sido progressivamente problematizadas no espaço público pelos coletivos feministas. Tanto desencadeadas por medidas recentes aprovadas pelo Congresso Nacional e que significam retrocessos no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, como a aprovação de lei que dificulta o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro, como a leitura de viés machista na destituição da presidenta, os coletivos feministas, na sua diversidade, tem exponencialmente tomado as ruas e reafirmado o espaço público como local de fala e de atuação política: “Ações como o Bolsa-Família foram fundamentais para garantir a autonomia da mulher. Nenhuma mulher mais vai aceitar voltar para casa e receber qualquer ordem de quem quer que seja”, afirma Tati Magalhães, do Coletivo Rosas pela Democracia, enquanto caminhava em direção ao Congresso Nacional. 

 

 

*Editado por Rafael Soriano