“Nosso lema é não retroceder”, diz militante do MST em audiência no Senado

Sessão realizada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado discutiu violência no campo no Paraná

Cristiane Sampaio
Do Brasil de Fato

A violência contra trabalhadores do campo no Paraná foi tema de audiência pública na tarde desta terça-feira (2) na Comissão de Direitos Humanos do Senado, em Brasília. O estado, que atualmente tem dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em situação de prisão domiciliar, vem se destacando pela criminalização crescente da luta agrária.

O senador Paulo Paim (PT-RS), que preside a Comissão, ressaltou a importância da atuação parlamentar diante dos casos de perseguição política que vêm sendo registrados. “A violência no campo é covarde, cruel. As prisões sem qualquer prova e o assassinato de trabalhadores pedem uma atitude da Comissão de Direitos Humanos”.

No caso do Paraná, a audiência colocou em foco a situação do acampamento Dom Tomás Balduíno, que completou um ano no último dia 6. Localizado em Quedas do Iguaçu, região central do Paraná, ele reúne atualmente cerca de 1.200 famílias.

A área ocupada é atribuída à madeireira Araupel, mas foi titulada pela empresa através de grilagem. Em 2004, a Justiça concedeu uma liminar autorizando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a construir um assentamento no local. Segundo o advogado do MST-PR, Bernardino Camilo da Silva, a empresa tem dois imóveis rurais na região, um de 63 e outro de 43 mil hectares, e, no ano passado, uma sentença de primeira instância confirmou que parte das terras pertencem à União. O MST reivindica a destinação das referidas terras à reforma agrária.

O Movimento mantém ainda outro acampamento com 1.600 famílias, no município de Rio Bonito do Iguaçu, dentro das terras griladas pela Araupel. A empresa tem 80% da produção destinados à exportação e contabiliza lucro líquido anual de R$ 300 milhões.

Violência e repressão

Em 7 de abril deste ano, as famílias do acampamento Dom Tomás Balduíno foram alvo de uma ação da Polícia Militar que resultou na morte de dois militantes por seguranças contratados pela Araupel. Outras sete pessoas ficaram feridas e duas delas estão atualmente em situação de prisão domiciliar, sob a alegação de tentativa de homicídio contra os policiais.

“Eles criminalizam quem sofre a violência e livra quem a comete. Do ponto de vista ético e dos direitos civis, isso é um problema grave na sociedade brasileira e tem aumentado muito no Paraná”, desabafou Leure Simone Ritta, da coordenação regional do MST no estado.

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2015 foram registrados 12 conflitos por terra no Paraná, com 3.388 famílias envolvidas. A repercussão dos assassinatos ocorridos em abril levou a Araupel a perder o chamado “Selo Verde” e desde 25 de abril a empresa está proibida de exportar madeira.

Durante a audiência, o MST se queixou da violência multifacetada que é cometida contra os militantes no estado. “As famílias acampadas são vítimas de todo tipo de agressão, não só física, com os abusos praticados pela polícia, mas diversas humilhações, incluindo a perseguição midiática, que tenta corroer a moral do Movimento. Isso sem contar com a violência perpetrada pela própria empresa, que se utiliza de capangas para perseguir os militantes. Então, precisamos lutar contra a polícia, a mídia e o agronegócio. São muitos os absurdos quando se está num enfrentamento desigual como esse”, declarou o advogado Bernardino da Silva.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT), eleita pelo estado do Paraná, esteve algumas vezes no local para acompanhar o caso e disse que a situação é “preocupante”. “Tem muito preconceito, muita campanha contra os acampados para dizerem que eles prejudicam a ordem e o desenvolvimento da comunidade local, quando, na verdade, é exatamente o contrário”, afirmou durante a audiência.

O Movimento garantiu que não irá desistir da causa. “O estado tem histórico de violência no campo, com vários assassinatos, prisões e despejos. Sabemos que ainda pode piorar, mas nosso lema é não retroceder. A luta pela terra é justa e os nossos mortos não podem ter morrido em vão. Além disso, a reforma agrária não pode ser tratada como questão de polícia. Vamos seguir em frente nessa causa”, disse Rudmar Moeses, que integra a direção do acampamento Dom Tomás Balduíno e a coordenação do MST no estado.

Encaminhamentos

Após os debates, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) fez dois encaminhamentos. O primeiro deles diz respeito à tentativa de somar forças com a CDH da Câmara Federal para que os dois colegiados façam uma visita oficial ao Paraná para acompanhar o caso das perseguições.

O senador Paulo Paim informou que o colegiado vai buscar um diálogo também com outras instituições. “Podemos procurar o Ministério Público e até mesmo o Executivo federal, através da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, porque, apesar de qualquer diferença que possa existir, essa causa é soberana e deve vir em primeiro lugar”, afirmou.

Os senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Gleisi Hoffmann também defenderam a necessidade de uma comitiva viajar ao Paraná para demarcar vigilância diante da situação. “Podemos falar com o governador e com a PM, fazer essa mediação e mostrar que estamos acompanhando tudo e que podemos interferir nesse processo na condição de membros do Legislativo”, disse Gleisi.

Como resultado da audiência pública, o outro encaminhamento do colegiado trata da articulação de uma visita da Comissão de Direitos Humanos do Senado a Goiás. O objetivo é acompanhar o caso das perseguições ao MST, que tem atualmente dois presos políticos no estado.

Edição: José Eduardo Bernardes