Curta metragem produzido na Venezuela discute a relação do camponês com a terra

O trabalho é resultado da oficina de cinema e agroecologia realizadas em Caquetios, uma escola de formação que está sendo construída pelo MST na Venezuela

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Por Luara Dal Chiavon
Da Página do MST
Fotos: Thierry Derone e Pablo Cabrera

O curta metragem “La tierra és de nosotros” (A terra é nossa) discute de maneira poética a relação das camponesas e camponeses com a terra, seu vínculo e sua produção. A estreia do curta será na Venezuela pela Alba TV, nesta quarta-feira (7).

O trabalho é resultado da oficina de cinema e agroecologia realizadas entre os dias 20 e 23 de agosto, em Caquetios, uma escola de formação que está sendo construída pelo MST na Venezuela, no estado de Laras, há pouco mais de 400km da capital do país, Caracas.

As oficinas que foram feitas em parceria em parceria com a Escola Popular e Latinoamericana de Cinema juntamente com o coletivo francês FAL-33, e contou com a participação de cerca de 50 pessoas ligadas à movimentos sociais e populares da Venezuela.

Um dos coletivos participantes da oficina, foi a Alba TV, canal participativo e comunitário criado há 10 anos e que além da internet, tem sinal aberto para quase metade dos estados venezuelanos. A proposta do canal é produzir e vincular notícias e conteúdos a partir dos movimentos populares da Venezuela e também da América Latina.

O MST também participou de uma oficina realizada pela Escola Livre de Cinema Popular com os cineastas venezuelanos Irmãos Rodriguez.

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Cinema como ferramenta de luta

A Escola Popular e Latinoamericana de Cinema, idealizada pelo belga radicado na América Latina há mais de 30 anos, Thierry Derone, tem o objetivo de formar pessoas ligadas à movimentos sociais e populares, pensando o cinema como ferramenta de luta.

Segundo Thierry, o curta metragem produzido durante a oficina, “é um trabalho participativo e protagonizado, no sentido que muitas mãos estavam aí, carregando a câmera, muitos olhos estiveram vendo para além das aparências, muitas ideias juntas, pois ninguém sabe tudo e todos sabem algo e este esforço de criar um cérebro coletivo também é acompanhado de uma grade sensibilidade. É poder dizer que graças ao tempo do encontro, podemos acessar a alma de algumas pessoas, que para nós, representam um outro mundo possível”.

A convite da Escola Popular de Cinema, os cineastas Luiz e Andrés Rodriguez, premiados internacionalmente com alguns filmes, dentre eles: “Brecha en el silencio” (Venezuela, 2012), realizaram a oficina durante 4 dias com cerca de 20 militantes de movimentos sociais e populares da Venezuela e também militantes do MST, que fazem parte da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho e estão na Venezuela desenvolvendo desde trabalhos ligados à produção de sementes até a comunicação.

A metodologia utilizada pelos cineastas dialogam com a metodologia dos movimentos sociais, de intensa participação e criação coletiva. Depois de alguns conceitos de cinema, houve um período de observação conjunta e, separados em dois grupos, por dois dias fizeram intensas filmagens, onde todas e todos puderam operar a câmera e construir os planos, que ao final geraram um curta de 11 minutos, editado no próprio espaço e exibido para todo o coletivo, inclusive para as pessoas da comunidade vizinha que foi documentada no curta metragem.

Para o cineasta Luiz Rodriguez, “os jovens abordaram de forma bastante intuitiva o trabalho de imagem em respeito ao tema da terra, a relação do ser humano com a terra. É um pouco o tema central que foi abordado na oficina, em sintonia com o lugar, com o espaço que vivemos nesses dias”.

Nesse sentido, a forma como os irmãos Rodriguez pensa e faz cinema se assemelha e aproxima-se muito das batalhas vividas e abraçadas pelos movimentos sociais, ao pensar uma identidade própria, afirmando a beleza e força do sujeito campesino.

O cineasta Andrés Rodriguez, também acredita nessa perspectiva e comenta sobre a lógica de como é possível acessar o universal a partir do local.

“Nos afetou muito um olhar de fora, que sempre está avaliando ou elaborando nossos discursos e dizendo quem somos. Essa identidade deve ser construída quadro a quadro, com suor, com paixão, com sangue, com muita força para poder calar as vozes de gente que quer nos conquistar, nos colonizar através dos discursos, da identidade”, salienta.

Rodriguez ainda aponta o objetivo principal do cinema latino-americano e venezuelano. “É construir uma identidade própria, livre, onde realmente nossa maneira de ver as coisas, nossas idiossincrasias, é uma luta que temos que enfrentar com muita força”, ressalta.
 

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Agroecologia: troca de experiência entre os povos

Durante o mesmo período, 30 militantes participaram da oficina de Agroecologia e Permacultura promovida pelo coletivo francês FAL-33 (França e América Latina).

Glória Verges, uma das integrantes do coletivo e ministrante da oficina, relata que uma questão fundamental no aprendizado dos participantes da oficina é de que ao final eles se deram conta, a partir da proposta inicial e da visão sobre a permacultura – uma filosofia, de viver a terra, pensando nas gerações futuras de forma sustentável -, como ainda era ausente a visão integral do processo.

“O que eles tinham aprendido é que eles praticavam e tinham muitos conhecimentos que são pequenos elementos de permacultura, mas faltava a visão integral, global e sistêmica. Isso também reforçou as práticas que vinham fazendo e lhes deu uma visão global”, conclui.

Caquetios: uma escola em construção

Uma das tarefas do Movimento Sem Terra na Venezuela é contribuir na construção de um espaço de formação latinoamericano, no interior da Venezuela, no estado de Laras. O local é uma antiga fazenda que foi expropriada pelo governo Chavez e transformada em uma Unidade de Produção Socialista (UPSA)

Hoje, a UPSA foi cedida ao Movimento, não apenas como um espaço de produção de alimentos, contribuindo assim de forma efetiva em alimentar o povo venezuelano, mas também um espaço de formação dos movimentos sociais de toda a América Latina.

Dessa forma, o MST busca transcender as fronteiras geográficas e contribuir com a luta internacionalista em toda a América Latina, desde uma pedagogia camponesa, que busca não separar teoria e prática e sim, construí-las conjuntamente. Ou seja, no mesmo lugar que produzimos alimentos, também é o lugar de produzir conhecimento. Em contribuir desde uma reflexão prática para o avanço do socialismo e da unidade entre os povos.

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Segundo Célia Cunha, militante do MST que integra a coordenação do espaço e vive há quase 10 anos na Venezuela, não é possível falar de soberania sem falar das sementes.

“Para falar de soberania, temos que falar de sementes. E para falar de sementes, temos que falar de plantio, de colheita, de cultivo, de cuidado e isso só se faz com um trabalho de base, de conscientização. Não é só distribuir essa semente, é preciso um acompanhamento para que esta se produza e isso acompanhada de um processo de tomada de consciência”, ressalta.

Célia pontua ainda, o desafio de organizar os processos de formação, debater o tema das sementes com a soberania e depois distribuí-las para as famílias, garantindo esse acompanhamento, para que dentro de um ano o cenário seja outro. E como a unidade é fundamental nesse processo.

“Sabemos que não faremos isso sozinhos. É preciso o envolvimento de todos os camponeses e camponesas venezuelanos, dos coletivos. (…) Nós nos propusemos a fazer essa ponte entre esses coletivos”, finaliza.

*Editado por Iris Pacheco