Transgênicos já chegam a 93% da área plantada com soja, milho e algodão

A presença de sementes de soja transgênicas chega perto de 100%; estudo mostra os perigos desta tecnologia
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Utilização de sementes transgênicas chegará a 93,4% nas plantações de soja, algodão e milho na safra 2016/2017 – Créditos: Divulgação

Por Laís S. Araújo
Do Brasil de Fato

No Brasil, a utilização de sementes transgênicas chegará a 93,4% nas plantações de soja, algodão e milho. Sim – segundo a Consultoria Céleres, empresa especialista em análises do agronegócio -, o país possuirá 49,1 milhões de hectares destinados a sementes geneticamente modificadas para estas culturas na safra 2016/2017.

Esse dado também torna país o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos, que aprovou o cultivo e consumo de seu primeiro alimento transgênico – o tomate Flavr Savr – nove anos antes do Brasil. Apesar do domínio da tecnologia no território brasileiro, há poucas respostas concretas sobre seus efeitos: ainda existe muita controvérsia em relação aos possíveis danos à saúde e ao meio ambiente e acerca da soberania alimentar da população.
 

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Para Rubens Nodari, pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a posição alta do Brasil nos rankings da bioctenologia se relaciona com a aprovação ‘tardia’ da cultura no país – o que significa que, enquanto nos outros países começa a haver um retrocesso nas plantações, no território brasileiro ela ainda está em expansão. “Em breve deve haver um equilíbrio”, pondera. A entrada das sementes modificadas geneticamente, no entanto, foi iniciada antes de 2003, quando a legislação brasileira do tema foi sancionada; nos anos anteriores, as sementes de soja Roundup Ready da Monsanto eram contrabandeadas da Argentina para plantações no Rio Grande do Sul.

A Monsanto e a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) foram, na época, acusadas por diferentes entidades de incentivar a produção ilegal e ignorar as leis brasileiras para disseminar os transgênicos. Apesar disso, a própria Monsanto publicou um comunicado afirmando que tomaria medidas para coibir o plantio ilegal e se dizia injustiçada, já que não recebia royalties dos agricultores. A entrada ilegal destas sementes, no entanto, foram fundamentais para a liberação destes cultivos na agricultura brasileira. Desde este imbróglio inicial, o crescimento no país foi tremendo: em 2004 o Brasil possuía apenas 5 milhões de hectares transgênicos, segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (Isaaa). O aumento da produção e consumo por brasileiros, porém, não foi acompanhado pelas incertezas em relação à segurança do seu consumo.

Enquanto instituições como a Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos divulgam que os alimentos transgênicos não causam riscos à saúde, estudos que seguem diferentes metodologias dizem o contrário. “A verdade é que nós não temos estudos de longo prazo sobre os efeitos dos transgênicos na saúde, exceto do [cientista Gilles-Eric] Seralini, na França”, explica Nodari, que também já foi membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIo).

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O estudo de Seralini retratado pela própria revista científica detectou tumores cancerígenos em ratos alimentados com milho transgênico. “O desenho experimental da pesquisa foi para detectar alterações bioquímicas e falhas biológicas. Acontece que, inesperadamente, apareceu câncer – nos machos no quarto mês e nas fêmeas no sétimo. E as agências regulatórias só exigem testes de três meses de duração. Mas por quê, se os problemas começam a aparecer depois?”.

Além disso, a saúde da população também pode ser afetada pelos agrotóxicos; uma das maiores promessas dos transgênicos era a possível diminuição do uso dos defensivos, o que não aconteceu no Brasil. Segundos o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), entre 2000 e 2012 o uso de agrotóxicos cresceu em 288%. Já a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mesmo sem buscar traços do glisofato, principal defensivo usado no país, detectou que 64% dos alimentos dos brasileiros estão contaminados por agrotóxicos.

E quando o agrotóxico não se dispersa no ar, ele pode se alojar no organismo. Essa é a explicação para os traços de agrotóxicos que foram encontrados no leite materno de mulheres do município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. A informação, divulgada em dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), ressalta que entre os riscos da exposição – inclusive aos recém-nascidos – estão as intoxicações agudas, como convulsões ou vômitos, ou efeitos crônicos a longo prazos, a exemplo de cânceres ou más-formações congênitas.

Para o meio ambiente, há indícios de contaminação da água de mananciais. “O aumento de agrotóxicos é um efeito indireto dos transgênicos, mas é uma questão brutal”, explica o pesquisador Rubens Nodari. “Entre os outros impactos dos transgênicos estão as toxinas produzidas, que podem causar danos a organismos benéficos como as abelhas, e a perda de variedade genética, decorrente do fluxo gênico.” Este fluxo causa uma “mistura” entre os genes das plantas. “O impacto, que já existe, é um aumento da contaminação das variedades não-transgênicas pelas transgênicas, causando a erosão genética. A constituição genética que estão nas variedades crioulas pode ser perdida.”

E a soberania alimentar?

Para entender o conceito de soberania alimentar, é preciso se situar historicamente: antes da mecanização da agricultura toda a alimentação era baseada em sementes crioulas, tradicionais. “Ali, então, a soberania era plena”, explica André Dallagnol, advogado da organização Terra de Direitos. “Os agricultores detinham o controle sobre suas sementes e poderiam fazer melhorias, armazenar, vender, expor ou trocar livremente. A partir do momento em que há controle de mercado e escassez provocada por efeito de legislação, patenteamento ou alteração genética, você passa a ter dependência de quem tem controle sobre as sementes”.

A questão é transversal e afeta de grandes a pequenos produtores, além da soberania de produção dos próprios países. “Antes, o Brasil tinha o controle de patenteamento de sementes, sendo soberano sobre sua própria produção. Depois, essa produção passou a ter que contar com autorização e pagamento de direitos às empresas transnacionais, que têm controle de mercado sobre elas.” Como a agricultura afeta a alimentação de toda a população brasileira, a perda da soberania afeta o país como um todo, mas tem um efeito diferenciado sobre o pequeno produtor.

Hoje, na aquisição das sementes, o valor da propriedade intelectual já está incluída. Mas, na hora da compra, existe uma produtividade estimada: se o produtor produzir mais do que isso, ele paga royalties novamente. “E um grande produtor tem mais capacidade de absorver impactos como esse do que um pequeno”, afirma Dallagnol.

É estimado que, apenas no Rio Grande do Sul, e somente com a venda da semente Roundup Ready (RR1), a Monsanto tenha arrecadado mais de R$ 1 bilhão em dez anos, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag). “Também é muito comum acontecer, por falta de cumprimento das normas entre cultivos, contaminação das sementes crioulas ou orgânicas pela transgenia. E se for identificado transgenia nas sementes, mesmo por contaminação, o produtor é obrigado a pagar royalties”, explica o advogado.

Além disso, Dallagnol ressalta que historicamente a diversidade de sementes foi resultado de experimento dos pequenos produtores, como famílias agrícolas ou povos indígenas. “Quando você tem um controle absoluto das sementes, empurrando as pessoas para ilegalidade, você cria um desestimulo na procura da diversidade. Para as grandes empresas, o melhoramento genético acontece dentro de um laboratório, a partir de uma tecnologia com visão limitada, que vai fortalecer mais aspectos econômicos do que aspectos culturais e sociais.”

A observar

A produção transgênica é alvo de uma série de projetos de lei, como a recente tentativa de retirar o aviso de traços transgênicos dos rótulos de alimentos (PLC 34/2015). Atualmente, está em discussão o PL 827/2015, que modifica a Lei dos Cultivares. O principal ponto de mudança é a previsão de que o agricultor pague royalties sobre sementes que foram guardadas para uso próprio. Ou seja: produtores que salvam sementes de uma safra para outra precisariam pagar, novamente, royalties às empresas.