Movimentos afirmam que Programa Matopiba pode extinguir cerrado brasileiro

Além de implantar monocultura, Plano de Desenvolvimento Agropecuário expulsará comunidades locais

 

Por Flávia Quirino
Colaboração para o Brasil de Fato 

 

Comunidades, movimentos sociais e organizações sociais lançaram neste mês de setembro a Campanha Nacional “Cerrado, Berço das Águas: Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”. O objetivo é alertar a sociedade e denunciar a destruição do Cerrado e as violências contra povos e comunidades que vivem neste espaço. 

A campanha é uma resposta ao Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, criado via Decreto Nº 8447, em maio de 2015, na gestão da senadora ruralista Kátia Abreu à frente do MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Paralelo ao discurso propagado de desenvolvimento econômico da região, baseado em investimentos agrícolas, o empreendimento esconde, na verdade, outro projeto de desenvolvimento. “É uma proposta de desenvolvimento destrutivo e que não nos contempla, ao contrário vem pra destruir o cerrado, destruir os territórios quilombolas. Esse é um projeto que não queremos, que temos que lutar contra ele”, alerta Ana Cláudia Mumbuca, quilombola da Comunidade Mumbuca, localizada na região do Jalapão (TO) e coordenadora da Coeqto – Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas no Tocantins, filiada à Conaq.

A região do Matopiba está ocupada, em sua maioria, por comunidades quilombolas, povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas que não tem seus territórios regularizados. “Para o agronegócio se apropriar destas terras realizará uma forte ação de violência contra essas populações, teremos um aumento dos assassinatos, grilagem de terras, expulsão de famílias, e deslocamento de famílias para as periferias das cidades”, explica Paulo Rogério, técnico da APA/TO.

“A proposta de desenvolvimento do Matopiba é o campo sem gente, sem natureza e contaminado por resíduos químicos. Eliminando as pessoas, desmatam e plantam monoculturas usando adubos químicos e agrotóxicos. A intenção é manter uma lógica de reprodução do capital baseado num sistema concentrador de renda e altamente destruidor das comunidades e do meio ambiente”, afirma Paulo Rogério Gonçalves, engenheiro agrônomo e técnico da Associação Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA/TO).

O Matopiba abrange as regiões do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, totalizando 143 milhões de hectares e mais de 25 milhões de habitantes. O território abrange três biomas (Cerrado, Amazônia e Caatinga) e possui as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul – Tocantins, São Francisco e Prata – o que resulta em um elevado potencial aquífero.

 

Com a efetivação do Matopiba, o cerrado que ainda existe na região – e é a maior área de cerrado contínuo do país – corre risco de extinção. Uma das causas é a expansão do modelo agrário baseado na monocultura.  De acordo com Gonçalves, nos últimos 20 anos houve um crescimento de 400% em áreas de monoculturas na região.

“O desenvolvimento proposto se baseia na expansão das monoculturas do agronegócio na região. Para isso é preciso transformar a terra em mercadoria, para fortalecer o mercado de terras no Brasil. Território regularizado não é mercadoria, é uma área de bem comum da comunidade tradicional, que não pode ser comercializado. Assim a proposta é regularizar toda a terra como propriedade privada e para isso é necessário expulsar todas as comunidades”, explica.  

Interesses multinacionais

Para o assessor da Comissão Pastoral da Terra no Maranhão e professor da Universidade Federal do Maranhão, Saulo Costa, o Matopiba é mais uma estratégia do capital rentável agrícola exportador, presente na geopolítica mundial, que utiliza velhas e novas estratégias de territorialização. Empresas multinacionais são as maiores interessadas na execução do empreendimento, principalmente para a produção de commodities na escala mundial. 

Eles aliam elementos de produção de energia, armazenamento, transporte, logística e mineração”, destaca Costa. Entre estas empresas, destacam-se Suzano Papel e Celulose, Cargil e Bunge. “Elas representam a ponta de lança do complexo agrícola exportador e de produção de energia. Atrelada a isso, empresas como Petrobrás e Vale atuam diretamente, como detentoras das centras de beneficiamento da produção e expansão da estrutura de estocagem e logística. A duplicação da ferrovia Carajás é exemplo concreto que responderá a novos fluxos que o Matopiba pode dar para o cerrado nacional”, aponta Saulo Costa.

Para o assessor da CPT/MA, no século XXI, uma das maiores ameaças é o agronegócio, toda a sua carga colonial e destruidora de territórios. “Os 143 milhões de hectares em questão para o Matopiba é exatamente a assinatura do fim de sociedades, dos saberes, dos povos e comunidades que reproduzem seu bem viver nos cerrados e nos ecótonos, áreas de transição entre os biomas cerrado-caatinga e cerrado-amazônia. O Matopiba é morte sim, por esses e outros fatores, como o uso intencional e permanente dos agrotóxicos. Os territórios são vida, garantem a reprodução dos povos e comunidades tradicionais”.

Conflitos

Dados do Caderno de Conflitos no Campo – 2015, elaborado pela CPT, revelam que no Maranhão, das 123 ocorrências de conflitos no campo em 2014, 82 estão na rota do Matopiba, alcançando 5.552 famílias. Atualizando os dados, entre 2000 e 2015, ocorreram um total de 3.076 conflitos por terra e por água com ações de violência contra os camponeses e os povos tradicionais. Deste total de conflito por terra e água, 1.643 ocorreram dentro da área delimitada pelo Matopiba, ou seja, 53,4% dos conflitos, envolvendo diversos sujeitos. 

“A transformação dos 143 milhões de hectares é o encaminhamento para que a violência nos territórios se reproduza, e nestes termos, justificada como passos do &”39;desenvolvimento&”39; da política nacional totalmente aliada ao modelo Matopiba e demais formas, como os perímetros irrigados e a mineração. O Matopiba não só contribui no aumento dos conflitos, como também permite a permanência do modelo violento de constituição da nossa sociedade”, diz Saulo Costa.

Além dos assassinatos, represálias e violências nos territórios, o trabalho escravo e uso indiscriminado de agrotóxicos são outras ameaças do empreendimento. “O trabalho escravo já é muito usado no desmatamento, a proposta é desmatar 35 milhões de hectares e isso será com a utilização do trabalho escravo. A partir do desmatamento a proposta é implantar monoculturas do agronegócio, que são altamente dependentes de agrotóxicos”, alerta Paulo Rogério.

Além da destruição do Cerrado, o Matopiba também empreenderá graves impactos sociais como o agravamento da pobreza e insegurança alimentar. 

“Em empreendimentos como o Matopiba o que ocorre é a expulsão de camponeses e povos e comunidades tradicionais, que produzem os alimentos que consumimos no dia-a-dia, para a implantação de grandes fazendas produtoras de commodities destinadas à exportação”, revela o assessor de Direito Humanos da FIAN Brasil, Lucas Prates.

“O que temos visto e comprovado são processos de grilagem de terras, muitas vezes envolvendo pessoas jurídicas internacionais, com aquele objetivo de produzir soja, cana-de-açúcar e outras commodities. Esses processos afetam diretamente a posse da terra daquelas famílias que lá se encontram, o que os impede, por sua vez, de continuar plantando seus alimentos do modo como sempre fizeram. Em síntese, viola-se o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequada daquelas famílias, violando-se também tal direito humano de toda a população da região”, completa Prates.

Para a representante do Movimento Quilombola do Maranhão (Moquibom), Zilmar Pinto Mendes, o Matopiba representa hoje o extermínio das comunidades. “Quando se fala em Matopiba, pra gente que não conhece, a gente pensa que é uma palavra bonita, mas na verdade é um projeto que vem pra tirar as comunidades da terra, tirar a gente da nossa terra é tirar nossa vida. A gente sobrevive da terra, plantando pra ter nossa alimentação. Se a gente sai da comunidade, vamos morrer nas periferias das cidades, sem trabalho”, sentencia a quilombola.