“Cardápio” da bancada ruralista traz venda de terras a estrangeiros como prioridade

Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) pauta em seu “cardápio” a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4059/2012, que pretende liberar no território brasileiro

 

Por Tiago Miotto
Do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Na avaliação dos movimentos sociais, este PL pode colocar em risco a soberania alimentar do Brasil e aumentar ainda mais os conflitos no campo e a pressão sobre os territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, já afetados pela pressão do modelo destrutivo do agronegócio.

O projeto de lei de 2012 é parte da “Pauta Positiva” da bancada ruralista para o biênio 2016-2017 e, exceto para os grandes proprietários de terras, de positiva não tem nada.

Apresentada pelos ruralistas como moeda de troca pelo apoio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, a pauta também exige, entre outras coisas, a flexibilização do conceito de trabalho escravo contemporâneo, para legalizar a superexploração de trabalhadores e trabalhadoras no campo, e a PEC 215/2000, que pretende transferir a competência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo e, na prática, inviabiliza as demarcações e coloca em risco as terras já demarcadas.

O escopo do PL 4059/2012 é regulamentar o artigo 190 da Constituição Federal, que dispõe sobre a venda de propriedades rurais brasileiras para estrangeiros. Atualmente, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, veda esta prática.

No artigo “Ruralistas entreguistas: a desnacionalização do território brasileiro”, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, aponta a contradição do discurso ruralista, que costuma denunciar as demarcações de terras indígenas e as organizações apoiadoras dos povos originários como movidas por escusos “interesses internacionais”.

“Como está evidente, o que realmente interessa aos ruralistas é ‘parecer’ nacionalistas e usar o argumento do risco à desnacionalização do território brasileiro de modo sofista em defesa dos interesses de apropriação privada, inclusive das terras indígenas, seja por eles próprios, seja por representantes do capital internacional”, afirma o artigo.

Em agosto, diversos movimentos sociais manifestaram-se contra o PL 4059, afirmando que “vender terras públicas significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e o controle de nosso território ao capital estrangeiro. A venda dessas terras vai beneficiar somente o grande capital nacional e transnacional. Isso significa nenhum benefício para agricultura do país, para a produção de alimentos saudáveis, para a preservação dos recursos naturais, ou para nossa economia. Ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de compra ilimitada pelos estrangeiros, temos o direito à terra negado a milhões de brasileiros”.

Outro projeto que pode se tornar ainda mais danoso com a aprovação do PL 4059/2012 é o Programa de Desenvolvimento Agrário (PDA) Matopiba, criado em 2015 e capitaneado pela então ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB), com a finalidade de expandir a “fronteira agrícola” sobre o Cerrado.

Definido pelos povos indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba compreende áreas dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), para as quais os ruralistas vêm buscando investimentos internacionais. Atualmente, o Cerrado já sofre com o avanço do agronegócio e pelo menos dez pequenos rios desaparecem por ano do bioma conhecido como “berço das águas”, conforme salientou a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, lançada na semana passada com o tema “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.

Segundo a agenda ruralista, a reunião desta terça (4) terá como pauta também a flexibilização do licenciamento ambiental e a composição da nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra, reaberta numa sessão que ocorreu de madrugada, no final de agosto, enquanto a presidenta Dilma Rousseff defendia-se no julgamento do processo de impeachment no Senado Federal.

A CPI foi reaberta sem que sua versão anterior apresentasse sequer um relatório sobre as “investigações” dos parlamentares, que vigorou por oito meses e foi prorrogada duas vezes de forma unilateral pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e uma vez pelo novo presidente, Rodrigo Maia (DEM/RJ).