Ocupar e resistir: os desafios da escola do Eli Vive

Quilômetros de caminhada, atoleiros em períodos chuvosos e estrutura escolar precária fazem parte da jornada de jovens do assentamento Eli Vive rumo à educação

Por Bruno Nomura*
Do Uma Reportagem

 

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Salas de madeira com buracos no teto e no chão. Crianças e adolescentes que não frequentam a escola porque não há transporte. Estradas intransitáveis em épocas de chuva. Esses são alguns dos problemas vividos diariamente por alunos e funcionários da escola do Assentamento Eli Vive, localizada a 10 km de estrada não pavimentada do distrito de Lerroville (e a 64 km do centro de Londrina).

O espaço funciona desde 2009 e foi regularizado no ano seguinte. A estrutura foi construída pelos próprios moradores do assentamento com a madeira do desmanche de construções da fazenda ocupada. As salas de aula, secretaria, sala dos professores, banheiros e demais dependências formam um círculo, tentativa de integração entre esses diferentes espaços.

A Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP) mantinha a escola até o fim do ano passado, quando a Secretaria de Estado de Educação rescindiu o contrato. Houve um desmembramento e, desde então, a educação infantil e o ensino fundamental I são ofertados pela Escola Municipal do Campo Trabalho e Saber, enquanto o fundamental II e o médio ficaram com o Colégio Estadual Maria Aparecida Rosignol Franciosi (Cidinha). A mudança é apenas administrativa: ambas continuam funcionando no mesmo espaço. Ao todo, são 409 alunos matriculados.

Sobre a precariedade da estrutura, o diretor do colégio estadual, Nilo Leão Junior, informou que aguarda a liberação de verbas para a construção de novos prédios que abrigarão as escolas. Ele prevê que as obras se iniciem no ano que vem. Além das salas de aula, haverá também um espaço para que os alunos trabalhem a terra.

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Pé na lama

Leão reconhece que o transporte é o maior desafio. Em épocas de chuva, várias estradas se tornam verdadeiros atoleiros, mais um obstáculo a ser superado no caminho até a escola. Ele ressalta também que, por se tratar de uma área extensa, alguns alunos precisam caminhar até oito quilômetros para chegar à estrada por onde passam os ônibus que fazem o transporte de ida e volta. Em casos mais extremos, por morarem em locais de difícil acesso, alguns estudantes deixam de frequentar as aulas.

O diretor diz que a Prefeitura havia se comprometido a colocar veículos para buscar esses alunos, mas a promessa não foi adiante. “O Ministério Público, o Conselho Tutelar e CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) têm conhecimento, todo mundo está sabendo. Reconhecemos que temos alunos que não estão frequentando a escola por não terem como chegar”, confirmou.

Metodologia diferenciada

Etison de Melo Alves, professor de matemática e morador do assentamento, explica que a avaliação é realizada por meio de pareceres individuais. Ao invés de atribuir um valor numérico à quantidade de conhecimento absorvida ao longo do semestre, o professor descreve o que aluno conseguiu aprender e registra também suas necessidades, possibilitando a continuidade da formação em outros anos. Essa avaliação é construída diariamente e leva em conta outros aspectos como, por exemplo, os relacionamentos interpessoais.

Segue-se a base curricular do estado, mas a metodologia, ainda segundo o professor, é diferente. Busca-se sempre vincular os conteúdos à vida do estudante e estabelecer relação com o campo, de forma que ele possa identificá-los e aplicá-los à sua realidade. Alves lembra que, historicamente, o conhecimento foi negado aos camponeses. Assim, para ele, possibilitar uma educação de qualidade no lugar onde vivem e valorizar o sujeito e os conhecimentos do campo também são missões da escola.

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Escola com conteúdo

Ketley, de 12 anos, cursa atualmente o 6º ano e relata que adora a escola. “Aqui eu aprendi bastante. Parece que eles incentivam as crianças a estudar mais”, afirma. A estudante precisa percorrer, a pé, três quilômetros para tomar o transporte. No 8º ano, Suelen, de 13 anos, também gosta da escola. Ela, que frequentou outras instituições, diz que o fato de ser um colégio voltado ao campo faz muita diferença.

Quatro dias por semana, Natali Carriça dos Santos, professora de Arte, enfrenta mais de uma hora de van para chegar à escola. Ela destaca o modelo diferenciado de sala de aula por meio da interdisciplinaridade, da preocupação com que o conteúdo esteja conectado à vivência dos alunos e da facilidade, por exemplo, para levá-los a uma aula no pomar e interagir com a natureza.

Frequentemente há problemas com a bomba que conduz a água da mina até a caixa d’água da escola. Carros-pipa são acionados para garantir o abastecimento, porém, quando a água acaba, o consumo e a limpeza dos banheiros ficam comprometidos. Essa situação ilustra a precariedade em que a escola funciona atualmente. Natali, contudo, afirma que, mesmo com todas as dificuldades, trabalha na escola por satisfação pessoal. “Vale a pena, porque eu saio daqui mais feliz”, conclui.

Resultado de luta e resistência

Os assentamentos Eli Vive I e II abrangem 7,3 mil hectares das antigas fazendas Guairacá e Pininga. A área, anteriormente controlada por apenas uma família, hoje é lar e fonte de renda de 501. Cada uma delas recebeu, em média, um lote de nove hectares.

O nome faz referência a Eli Dallemole, um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná, assassinado no Assentamento Libertação Camponesa, em Ortigueira (região central do estado), em março de 2008.

O Governo Federal adquiriu as terras por R$ 78 milhões. O loteamento realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) completa três anos em setembro.

* Esta reportagem foi originalmente produzida para o Esboço, jornal laboratório do 2º ano de Jornalismo (matutino) da Universidade Estadual de Londrina, sob orientação do professor Fábio Alves Silveira.