O Agro é Cídio

Grandes corporações estão articuladas e empenhadas na tentativa de embelezar a imagem do agronegócio

 

Por Cleber César Buzatto 
Do Cimi 

Grandes corporações estão articuladas e empenhadas na tentativa de embelezar a imagem do agronegócio. Dentre as iniciativas mais recentes está o investimento milionário em campanha publicitária assumida, oficialmente, por uma rede massiva de comunicação. Todos os dias ouvimos e nos perguntamos: O Agro Tech? O Agro é Pop? O Agro é tudo? É evidente que não. No campo, distante das lentes modernas e bem pagas, o Agro é Cídio.

Cídio de Homicídio. A máquina do agronegócio funciona vinte e quatro horas por dia, todos os dias perpetrando e implementando planos de assassinatos de indígenas, camponeses, ambientalistas, daqueles que estão no seu caminho e colocam algum tipo de dificuldades para seus intentos sem limites de exploração fundiária. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente nos últimas dez anos, no período de 2006 a 2015, foram 340 assassinatos no campo. E a situação está cada vez pior. Em 2015 foram 50 assassinatos. Em Rondônia está em curso uma verdadeira matança de camponeses que lutam pela reforma agrária ou para manter a posse de suas terras contra o avanço do latifúndio (1). No Maranhão, defensores de direitos humanos, especialmente ligados à questão fundiária, são ameaçados e mortos recorrentemente (2). O Pará lidera o ranking histórico de assassinatos no campo (3).  No Mato Grosso do Sul, são sistemáticos os ataques milicianos paraestatais com assassinatos de indígenas que lutam pela demarcação de suas terras sagradas (4). Em todo o país, multiplicam-se os homicídios provocados, direta ou indiretamente, pelo Agro (5). 

Cídio de Suicídio. Produzidos por grandes corporações do agronegócio, em geral multinacionais (6), os agrotóxicos fazem parte do receituário comercial na produção de commodities agrícolas. Há anos, o Brasil ocupa a posição de maior consumidor mundial de agrotóxicos (7). O Brasil consome mais de um milhão de toneladas de agrotóxicos, o que equivale cerca de 5,2 kg por habitante anualmente. Muitos tipos de veneno proibidos na Europa e Estados Unidos são legalizados e usados livremente no Brasil por força do lobby ruralista e empresarial (8). São fartas as pesquisas que relacionam a alta incidência de depressão e suicídios ao uso de agrotóxicos no Brasil (9). Milhares de pessoas vão a óbito no país, todos os anos, devido a lesões auto-provocadas. Os agrotóxicos também estão diretamente ligados proliferação do câncer entre os cidadãos brasileiros. Diferentes instâncias do Estado brasileiro, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Instituto Nacional do Câncer (INCA), chamam a atenção para essa realidade (10). 

Cídio de Ecocídio. O agronegócio é um dos maiores responsáveis pela destruição do meio ambiente no Brasil (11) e contribui fortemente para o agravamento do aquecimento do planeta (12). Com incentivos governamentais ou de forma ilegal, nada escapa ao alcance do ‘Agro’. Do Pampa (13) à Amazônia (14), passando pelo Cerrado (15), berço das águas, o avanço das ‘fronteiras agrícolas’ destrói, sem trégua, nossa ‘Casa Comum’. 

Cídio de hidrocídio. Os Rios Araguaia (16), Tocantins (17), Formoso (18) e o São Francisco (19) estão secando. Muitos rios já secaram e tantos outros secarão. Em todos os casos, o agronegócio tem participação especial. Desmatando, assoreando, aterrando e sugando a água que sobra para projetos insustentáveis de irrigação, o agronegócio vai fazendo seus cadáveres horizontais em todas as regiões do Brasil.

Sem maquiagem, o ‘Agro’ não passa no teste de legitimidade social. Com campanhas bem pagas em redes comerciais de comunicação, conivência estatal, impunidade quase absoluta e forte lobby das bancadas ruralistas Brasil afora, o ‘Agro’ vai impondo sua agenda violenta, repressiva e regressiva contra os povos da terra, das águas, das florestas e das cidades sem se incomodar e buscando não ser incomodado.

Aos povos e seus aliados resta a luta contra as cercas, motosserras e espingardas, constantemente recarregadas, do ‘Agro’. Luta altiva dos povos em prol de uma sociedade mais justa, mais plural e mais democrática, onde a vida seja plena para todos. A pesar do contexto difícil, a luta e a esperança continuam. Quanto mais luta, maior a esperança.

*Cleber Buzatto é secretário executivo do Cimi e Licenciado em Filosofia pela FAFIMC – RS.

Referências: 

1- 37 assassinatos desde 2015.

2- 25 assassinatos desde 2015. 

3-  645 assassinatos de 1985 a 2013. 

4- Massacre de Caarapó: o assassinato de Clodiodi Guarani Kaiowá 

5- Relatório Conflitos no Campo 2015

6- Agrotóxicos e agronegócio: arcaico e moderno se fundem no campo brasileiro.

7- Reportagem Especial – Brasil é o maior consumidor de Agrotóxicos

8- O “alarmante” uso de agrotóxicos no Brasil atinge 70% dos alimentos

9- Incidência de suicídios e uso de agrotóxicos por trabalhadores rurais em Luz (MG), Brasil ; Uso de agrotóxicos e suicídios no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil ; Estudos relacionam uso de agrotóxicos com suicídio de agricultores 

10- Estudos apontam relação entre o consumo de agrotóxicos e o câncerPOSICIONAMENTO DO INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA ACERCA DOS AGROTÓXICOS

11- Desmatamento e poluição seguem o rastro do agronegócio IBGE: Agricultura é maior responsável por desmatamento de florestas no país 

12- Agronegócio brasileiro contribui para o aquecimento global

13- Destruição do Pampa gaúcho

14- O arco de desflorestamento na Amazônia: da pecuária à soja

15- Desmatamento do Cerrado

16- Você sabia que o rio Araguaia pode secar? 

17- Rio Tocantins está secando, no trecho que passa por Miracema bancos de areia se acumulam

18- Produtores descumprem acordo para desligar bombas e rios secam no TO

19- RIO SÃO FRANCISCO ESTÁ SECANDO