Em nova manobra regimental, bancada ruralista elege presidente da CPI Incra/Funai 2

A sessão não atingiu quórum mínimo exigido pelo regimento da Casa. Parlamentares de oposição irão recorrer da decisão

 

Sem quórum mínimo, sessão da CPI Incra Funai elege novo presidente. Foto Lizely Borges.jpg
Sem quórum mínimo sessão da CPI Incra/FUNAI elege novo presidente.

Por Lizely Borges
Da Página do MST 

 
Parlamentares de oposição ao governo federal devem recorrer ao presidente da Câmara de Deputados, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), para anular a votação realizada nesta quarta-feira (09) que elegeu o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Funai/Incra 2. A CPI investiga a atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) na destinação de terras para a reforma agrária e na demarcação de terras indígenas e de remanescentes de quilombos.

Como determina o regimento interno da Casa, as deliberações nas comissões devem ocorrer apenas mediante a presença mínima de metade do número de integrantes da comissão, somado mais um parlamentar. Como trinta deputados federais integram a nova CPI, para que as decisões tenham validade é necessário quórum mínimo de 16 deputados federais. No momento da votação da sessão estavam presentes 15 parlamentares.

“A maioria da CPI não tem nenhum compromisso com a democracia, com a Constituição Federal e sequer tem compromisso com o regimento da Casa, em respeito às minorias. Foi um manifesto autoritário. E mais do que isso, a postura é quase que uma provocação. Ainda que eles saibam que há grande possibilidade de haver correção, por instâncias outras da Câmara ou do Poder Judiciário, há um sentimento necessário de demonstrar poder e força”, declara o deputado federal e integrante da Comissão, Patrus Ananias (PT-MG).

 
Eleição anulada

A votação para presidência da CPI também foi matéria apreciada da sessão do dia 25 de outubro, data de instalação da Comissão. Embora a eleição tenha sido concluída, tendo o deputado federal Alceu Moreira (PMDB) se consagrado como vitorioso, a decisão foi anulada pelo presidente da Câmara por violar as normas legais de funcionamento da Casa Legislativa. Isto porque o regimento interno, na seção VII, determina que as sessões nas comissões não devem ocorrer em horário concomitante à sessão ordinária ou extraordinária da Câmara. 

No momento da votação na CPI, o plenário apreciava a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016 que estabelece congelamento dos gastos federais primários, como saúde e educação. Ao ser comunicado sobre dos trabalhos da CPI, Rodrigo Maia declarou, em plenário, que qualquer decisão das comissões naquela tarde seria revogada. Na sequência, a bancada de oposição notificou a mesa diretora da Casa e a votação foi anulada. 

Sobre a reincidência de descumprimento das normas da Câmara na atividade parlamentar pela CPI, o integrante da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, estabelece um paralelo entre a atuação da bancada ruralista na Comissão e o desrespeito à normas de funcionamento da Casa. 

“Pela segunda vez a bancada ruralista tenta fazer manobras para acelerar o andamento das ações desta CPI que busca criminalizar os movimentos populares e fragilizar as instituições que atuam com a política agrária”, diz. “Vivemos em um estado de exceção em que as regras democráticas estão sendo colocadas debaixo do tapete, em que não se cumpre a mínima condição democrática para que as decisões na CPI ocorram”, complementa. 

CPI Funai/Incra 1 e 2

A primeira CPI Incra/Funai foi instituída em 28 de outubro de 2015 para levantar irregularidades na demarcação de terras para comunidades quilombolas e indígenas e processos da reforma agrária. Requerida pelos deputados Alceu Moreira(PMDB-RS), Nilson Leitão (PSDB-MT), Marcos Montes  (PSD-MG), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Valdir Colatto (PMDB-SC) e outros, as práticas adotadas pela Comissão foram duramente criticadas por organizações de atuação na área e movimentos do campo, floresta e águas. 

Em documento assinado por conjunto de movimentos populares nomeado Carta dos movimentos sociais contra o golpes da bancada ruralista no Congresso Nacional, apresentado por eles em coletiva de imprensa  no Congresso Nacional em 12 de junho deste ano, e com apoio de parlamentares da bancada progressista, consta a denúncia de que “membros deste parlamento brasileiro que usam indevidamente as estruturas do Estado e o instrumento da CPI para obterem benefícios próprios e retiraram direitos inalienáveis a nos assegurados”, inicia a Carta.

 
Entre as denúncias estão o extrapolamento do papel regular da CPI, os esforços para criminalização dos membros de movimentos populares, trabalhadores rurais, indígenas quilombolas e servidores públicos da Funai e Incra, a não observância a um fato determinado para instauração da Comissão e o uso da CPI como instrumento para acirramento dos conflitos no campo. 

Os trabalhos da CPI foram encerrados logo após a manifestação dos movimentos, em 17 de agosto deste ano, sem a aprovação de relatório final. Logo após o encerramento, pressionado pela bancada ruralista, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, instalou nova CPI para análise de mesmo mérito.

 
Diante da retomada dos trabalhos, o deputado Patrus destaca a importância da batalha de ideias dentro da Câmara de Deputados em torno da matéria, mas também destaca a necessidade de visibilidade e debate amplo com a sociedade sobre a ação em curso. “É fundamental fazer a luta interna na Câmara e que a gente leve para a sociedade esta denúncia”, diz.

“É uma CPI para fazer retroceder a demarcação das terras indígenas e territórios quilombolas e demais populações tradicionais, para criminalizar lideranças dos movimentos sociais, portanto para impedir a liberdade de ação das entidades e movimentos sociais, para impedir a reforma agrária, impedir o desenvolvimento da agricultura familiar, enfim estancar o Brasil do ponto de vista dos direitos dos pobres. A CPI é dominada pela extrema direita e nós vamos lutar”, conclui.

Composição CPI Incra/Funai 2 e presidência

A votação realizada nesta terça-feira (02) mantém o quadro diretor da CPI Incra/Funai em sua primeira instalação. Caso a eleição seja validada, permanece no cargo de presidente o deputado federal Alceu Moreira (PDMB-RS). Também foram eleitos os deputados Luis Carlos Heinze (PP-RS), Mandetta (DEM-MS) e Nelson Marquezelli (PTB-SP), respectivamente, como 1º, 2º e 3º vice-presidentes. O relator da CPI é o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), também relator da primeira CPI. Todos os respectivos deputados federais integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), grupo majoritário na Câmara. De acordo com a Agência A Pública, do total de 513 deputados federais, 207 são da bancada ruralista. 

Por determinação do regimento interno, a composição de uma comissão responde à proporcionalidade partidária da Câmara e demais critérios para representação das bancadas. Como os deputados da ocasião representam maioria na Casa Legislativa este maior número também se apresenta no delineamento da CPI.

Minoria na CPI, a bancada de oposição composta por deputados do PT, PCdoB e PDT reconhece a correlação de forças desfavorável neste espaço de disputa. “A gente vê que as diferentes visões do Parlamento se refletem aqui. Temos diferentes visões de como devem ser a estrutura e funcionamento dos órgãos”, pontua o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP). Anterior à primeira eleição para presidência da CPI (25), ele defendeu que a mesa diretora contemplasse a diversidade de posições presente no Parlamento. 

“Que tenha espaço para o campo que hoje é oposição ao governo. Evidente que muda o quadro porque investigamos as ações do executivo. Temos visões diferentes, mas para que o trabalho busque o aperfeiçoamento das instituições peço que na composição da CPI seja contemplado as diferentes visões”, defende.

O prazo regular para funcionamento de uma comissão é de cento e vinte dias, com possibilidade de prorrogação por mais sessenta dias, mediante deliberação do plenário, para conclusão de seus trabalhos. Nas próximas sessões da CPI Incra/Funai 2 o conjunto de deputados deve deliberar sobre plano de trabalho e procedimentos a serem adotados.