Governo pode autorizar agrotóxicos cancerígenos por medida provisória

"A população está a mercê de um sistema regulatório capturado."
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Com a aprovação dessa MP, poderão ser registrados agrotóxicos que nos estudos já mostram efeitos como indução do câncer. – Créditos: Reprodução

Da Campanha Contra os Agrotóxicos

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), juntamente com representantes das industrias de agrotóxicos elaboraram uma proposta de Medida Provisória (MP) que altera a lei 7.802 de 1989, conhecida como Lei de Agrotóxicos e que terá grande impacto negativo sobre a saúde das pessoas.

A MP prevê que agrotóxicos que de cara causem efeitos crônicos gravíssimos como o câncer, distúrbios hormonais e reprodutivos ou malformações possam ser comercializados no Brasil. A nova redação dada a lei de agrotóxicos prevê que seja proibido o registro de agrotóxicos “que revelem um risco inaceitável de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica para características teratogênicas ou carcinogênicas ou mutagênicas”, mas também para danos ao aparelho reprodutor, retirando ainda a proibição por conta de distúrbios hormonais como previsto na lei de 1989.

Como é hoje? 

A legislação de agrotóxicos vigente prevê a proibição do registro de agrotóxicos que causem efeitos sobre o sistema reprodutivo e hormonal, mutação no material genético, câncer e malformações fetais (teratogenicidade). A avaliação do tipo de dano que um agrotóxico pode causar é feita pela Anvisa, a partir da análise dos efeitos tóxicos observados nos testes realizados pelas indústrias.

Diga-se de passagem que esses estudos são muito limitados pois não tem sensibilidade para identificar todos os efeitos para uma pessoa que os agrotóxicos podem causar, além do fato dos testes investigarem apenas um agrotóxico por vez. Efeitos como diabetes, sobre a tireóide, cardovasculares, alergias, autismo e outras centenas de doenças não são investigadas nos testes de laboratório.

Nesse sentido, o diretor da Aprosoja, grande defensora do uso de veneno, em declaração dada a coluna Economia do Estadão de 20 de abril, ao defender a MP, falou uma grande verdade: “O risco de toxicidade não é equivalente ao do que ocorre no laboratório”. É muito maior, como vem afirmando estudiosos, instituições da área da saúde e populações contaminadas. Ou seja, as pessoas expostas aos agrotóxicos na vida real estão suscetíveis a desenvolver os efeitos considerados proibitivos, pois a avaliação é ineficaz para dar conta da complexa realidade de uso, principalmente ao considerarmos que são usadas misturas de agrotóxicos para a produção de alimentos e commodities agrícolas que chegam na nossa mesa e no meio ambiente. E as interações das misturas não são pesquisadas, mas estão legalizadas. Segundo o sistema de registro de agrotóxicos do Ministério da Agricultura, estão registrados para o pimentão 38 ingredientes ativos de agrotóxicos. Para o tomate são 143, sem que haja nenhuma avaliação da interação entre esses ingredientes ativos. 

A potencial interação entre as misturas é um problema real. Por exemplo, agrotóxicos que isoladamente não causam câncer, misturados a outros, podem aumentar o risco da doença. Diariamente estamos expostos, no campo ou na cidade, a coquetéis de veneno através dos alimentos, da água, do ar, do ambiente de trabalho. Portanto, do modo como os agrotóxicos são regulados hoje no Brasil, não é possível afirmar que eles são seguros.

Como pode piorar?

Com a aprovação dessa Medida Provisória, poderão ser registrados os agrotóxicos que nos estudos experimentais, que são pouco sensíveis e limitados, já mostram efeitos como indução do câncer, de complicações hormonais, infertilidade, abortos, problemas durante o desenvolvimento fetal e outras doenças gravíssimas. 

Quando esses efeitos forem observados, ao invés de proibir imeditamente como manda a lei hoje, a Anvisa realizará um processo de “avaliação de risco”. Essa avaliação nada mais é do que determinar as condições onde o agrotóxico pode ser aplicado, qual a probabilidade de ocorrência de algumas doenças (mas não de todas, já que nem todos os efeitos são investigados), quem deverá desenvolvê-las (mesmo sem considerar grupos populacionais vulneráveis e sensibilidades individuais) e a quantidade de agrotóxico considerado seguro nesse cenário irreal e utópico.

A proposta de realizar a avaliação de risco para permitir o registro de mais agrotóxicos é um desejo antigo da indústria que, diga-se de passagem, vai ganhar por todos os lados. Poderá registrar no Brasil produtos rejeitados em outros mercados, voltar a usar agrotóxicos que já foram banidos aqui, vender Equipamentos de Proteção Individual (EPI) com a falsa promessa de segurança, vender medicamentos e equipamentos de diagnóstico para identificação de tumores e outras doenças. Certamente esse ganho econômico pode explicar o empenho do Legislativo e do Executivo para aprovar leis que vão prejudicar a saúde da população e os ecossistemas, mas beneficiar financeiramente um setor da economia que, entra crise, sai crise, está sempre se desenvolvendo. 

A recente notícia de que parlamentares pediram R$ 2 milhões para aprovar uma medida provisória que reduzia impostos sobre importação e comercialização no mercado interno de fertilizantes e defensivos agropecuários revela que há muita sujeira debaixo do tapete no mundo do agronegócio.

Hoje tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que pretendem agilizar o registro de agrotóxicos no Brasil, sem avaliação aprofundada dos prejuízos à saúde humana e ao meio ambiente. O governo golpista de Michel Temer, dias depois de ter sentado na cadeira da Presidência, aprovou a lei que permite a pulverização aérea de agrotóxico em área urbana para atender o desejo das empresas de aviação agrícola.

Devemos chamar a atenção para o fato da Anvisa abrir mão do seu papel de proteger a saúde das pessoas ao atender os interesses da indústria de agrotóxicos, mas também que a população está a mercê de um sistema regulatório capturado. A Anvisa, munida de poder premonitório, quase paranormal, anunciou em outubro de 2016 que iria modificar o procedimento adotado para avaliação toxicológica dos agrotóxicos, mas ainda não publicou a proposta de resolução que deve passar por Consulta Pública.

Provavelmente, a nova resolução que tratará dos procedimentos para avaliação de risco aguarda a aprovação desta MP ou do Pacote do Veneno. Aliás, podemos afirmar com muita tranquilidade que dentro do Pacote do Veneno estão incluídas as novas diretrizes da Anvisa, que já anunciou a retirada do símbolo da caveira de produtos classe IV (tarja verde) e desobriga também a realização de testes de neurotoxicidade crônica para todos os novos produtos de agrotóxicos. 

A Lei atual conseguiu proibir no Brasil agrotóxicos como o endossulfam, o metamidofós e o DDT justamente por conta de efeitos como o câncer, distúrbios hormonais e reprodutivos. Estudos em animais de laboratórios e com populações expostas, mostraram que a exposição a esses agrotóxicos, de forma isolada, já poderiam causar esses efeitos considerados proibitivos na legislação. 

Por isso, a sociedade brasileira não irá aceitar mudanças na Lei 7802/1989, seja por meio do Pacote do Veneno, ou outros atalhos como medidas provisórias e mudanças regulatórias na Anvisa. Seguimos atentos em defesa da saúde da população e dos ecossistemas. 

Assine a nossa petição em http://chegadeagrotoxicos.org.br