Em Formosa, atos pela greve reforçam o diálogo entre campo e cidade

A paralisação da BR 020, próximo à Syngenta, e a manifestação na Praça da Prefeitura são construções coletivas orientadas pela unidade dos trabalhadores.
Trabalhadores rurais e da cidade em ação conjunta no trancaço da BR 020. Foto LIzely Borges.jpg
Trabalhadores rurais e da cidade em ação conjunta no trancaço da BR 020. Foto: LIzely Borges

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST 

 
Na manhã desta sexta-feira (28), cerca de 300 militantes do MST do Distrito Federal e Entorno e trabalhadores urbanos vinculados à área da saúde, educação, cultura e demais setores paralisaram a BR-020, na altura do Km 20, na área rural do município de Formosa (GO). Perto das 11h da manhã, após três horas de paralisação do tráfego na rodovia, os manifestantes se dirigiram ao centro da cidade para participarem de ato na Praça da Prefeitura.

Os atos são uma construção coletiva do conjunto destas categorias e movimentos populares.  A construção das atividades iniciou após a definição de data greve geral, há cerca de três semanas, e compõem o conjunto de ações pelo país em resistência às medidas adotadas pelo governo de Michel Temer (PMBD), como as reformas trabalhistas e previdenciária, que afetam diretamente as populações de menores rendimentos.

O professor da rede estadual de Formosa e um dos organizadores dos atos unitários em Formosa, Maurélio Moreira de Araújo, defende a necessidade de diálogo entre campo e cidade no avanço da organização de resistência à retirada de direitos. “São [os atos unitários] uma tomada de consciência da classe trabalhadora de entender que a cidade cumpre um papel importante, grande parte da população mora na área urbana, mas que é preciso dialogar com o campo que nos alimenta. Hoje é um momento histórico contra este projeto neoliberal que enterra esta perspectiva de direitos”, diz.

Manifestantes na paralisação da BR 020 Foto Lizely Borges.JPG
Manifestantes na paralisação da BR 020.
Foto: Lizely Borges

 
Rodovia das multinacionais do agrotóxico

A BR-020 conecta a região do centro-oeste com o nordeste brasileiro. De grande extensão, a rodovia é central ao escoamento de commodities e defensivos agrícolas das grandes multinacionais. A concentração dos trabalhadores rurais e urbanos na rodovia foi próxima de uma das unidades da Syngenta, em especial o Centro de Distribuição de sementes de milho. Inaugurado em 2015, o centro estruturado em quatro módulos constitui num dos maiores reservatórios da empresa para armazenamento de sementes de milho da multinacional no Brasil, respondendo por mais de 720 mil sacas de milhos estocadas anualmente de um total de 800 mil sacas.

Desta forma, na avaliação dos trabalhadores rurais e urbanos, a paralisação da área constitui um importante movimento de resistência à circulação das sementes produzidas pela empresa. “Essa área é o principal trecho de ligação do centro-oeste com o Nordeste e fundamental ao fluxo da economia, sobretudo de empresas do ramo do agronegócio. Neste círculo estão instaladas as grandes multinacionais dos agrotóxicos e transgênicos, como a Syngenta, Bayer, Cargill, Bunge e Monsanto. Travando esta área a gente impede que os caminhões que saem daqui cheguem ao Brasil. É o impacto da greve geral sentido pelas multinacionais do veneno”, diz o integrante da coordenação nacional do MST, Marco Baratto. 

A Syngenta também buscar incidir fortemente na configuração de leis e normativas que tratam da área ambiental e agrícola. Um exemplo é o diálogo com parlamentares para a tramitação do Projeto de Lei 3200/2015, de autoria do deputado federal, Covatti Filho (PP-RS). A matéria, em tramitação na Câmara de Deputados e sujeita à apreciação pelo Plenário, regulamenta o uso de defensivos agrícolas e substitui a atual Lei dos agrotóxicos (7.802/89).

Na avaliação dos movimentos campesinos e organizações da área de saúde, a aprovação da PL deve acentuar o alarmante quadro de uso de agrotóxicos pelo Brasil. Um dos grandes prejuízos com a aprovação da matéria é, na avaliação das organizações, a substituição do nome de agrotóxico por fitossanitário, assim violando o direito à informação pela população, e o fato de limitar ao Ministério da Agricultura a tarefa de registrar e avaliar os agrotóxicos, excluindo desta tarefa os setores governamentais do meio ambiente (Ibama) e saúde (Anvisa) que atualmente também respondem pelas atribuições.

“Não há dúvidas de que com um Congresso Nacional tão reacionário, uma proposta absurda como esta do PL3200 tenha possibilidades reais de ser aprovada. Portanto, o que pesa para a aprovação de um PL dessa natureza, não é a preocupação com a saúde do povo e do meio ambiente, mas o quanto de lucro isso pode gerar”, denuncia a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. 

Tanto Covatti quanto o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP-RS), integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), expoente de articulação dos ruralistas nos cargos eletivos.

O agrcultor Nicanço de Jesus faz uso de plantas como repelentes e adubos naturais. Foto Lizely Borges.JPG
O agricultor Nicanço de Jesus faz uso de
plantas como repelentes e adubos naturais.
Foto Lizely Borges

Em oposição ao aumento de uso de agrotóxicos e transgênicos no plantio, as cerca de 500 famílias do Assentamento Dom Tomás Balduíno, localizado em Formosa, buscam progressivamente técnicas de transição para uma cultura sem uso de insumos agrícolas artificiais. Os trabalhadores rurais usam de plantas como a folha de mamona ou urtiga para produção de repelentes ou adubos naturais. “Viemos a absorver a consciência ecológica de um tempo pra cá. A gente plantava sem conhecimento, tacava fogo na terra. Hoje é diferente, a gente não agride a natureza, não usa veneno”, relata o agricultor Nicaço de Jesus, de 53 anos. 

O trabalhador rural nascido no campo em Pilar de Goiás (GO), atraído para a capital na década de 80 para trabalho na construção civil, e retorno recente ao campo após “ser eliminado do trabalho pelo peso da idade” planta no assentamento milho, batata, quiabo, feijão e outros alimentos de forma agroecológica. “Se você comprar este tomate de mercado, que usa agrotóxico e comer, você sente o gosto de veneno. Já o que a gente planta tem um gosto de alimento. Estamos ganhando em saúde”, completa o agricultor Juracir de Lima, do mesmo assentamento.

 
Diálogo com a população

A trabalhadora rural Aleide Pereira de Jesus, também do Dom Tomás, destacou a importância de construir pontes de diálogo com a população que atribui um sentido negativo à atos como paralisação de rodovias.  Durante o tempo em que o grupo de militantes esteve na BR, a trabalhadora rural debateu com os trabalhadores em trânsito sobre os motivos do trancaço.

“Hoje é um dia de luta, o Brasil todo está lutando por um objetivo nosso, dos nossos filhos e de muita gente. Mas tem companheiros que não admitem nossa luta e por isso eu busco conversar. Muita gente vem confrontar, eu explico que lutamos pelos mesmos direitos e então, como todo trabalhador tem sofrido, o diálogo é estabelecido, conta.

Ampliar o diálogo com a população também foi horizonte do ato no centro da cidade. Segundo os organizadores do ato na área urbana mais de 2 mil pessoas participaram do ato, participaram de debates e receberam panfletos.

Pelo Brasil, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) avalia que mais de 35 milhões de trabalhadores esteve envolvido com a Greve Geral. Categorias importantes como metroviários, rodoviários, servidores públicos e outros paralisaram suas atividades durante o dia.
 

Ato em razão da greve nacional paralisa a BR 020 na região centro-oeste. Foto Lizely Borges.jpg
Ato em razão da greve nacional paralisa a BR 020 na região centro-oeste. Foto: Lizely Borges

*Editado por Iris Pacheco