STF suspende aprovação da MP 759 no Senado

Barroso determina retorno da Medida de regularização fundiária à Câmara.
Fonte Divulgação STF.jpg

 

Por Lizely Borges
Da Página do MST 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (21), em suspender a aprovação pelo Senado da Medida Provisória (MP) 759/2016 que dispõe sobre regularização fundiária urbana e rural evidencia, na avaliação de senadores e deputados federais autores do mandado de segurança dirigido ao Supremo, a conduta de violação da Constituição Federal e Regimento da casa legislativa no trânsito das Medidas Provisórias.

Aprovada na forma de projeto de lei de conversão (PLV 12/2017) no dia 31 de maio por 47 votos favoráveis a 12 contrários e pronta para sanção presidencial desde 13 de junho, a matéria deve, por decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, retornar ao plenário da Câmara para nova apreciação e votação de oito emendas não avaliadas pelo plenário do Senado. 

A decisão se sustenta no Artigo 65 da Constituição que determina que medidas provisórias com aprovação iniciadas na Câmara e alteradas pelo Senado devem retornar à primeira Casa legislativa para apreciação do novo texto. “O ministro Barroso instituiu então o direito dos parlamentares em fazer o debate sobre as emendas e analisar no seu mérito”, conclui um dos assessores jurídicos responsáveis pela formulação do mandado de segurança, Gabriel Sampaio.

Violação do processo legislativo

Na sessão do dia 31 que resultou na aprovação da Medida pelo Senado, o senador relator da matéria, Romero Jucá (PMDB-RR), destacou que o texto da MP aprovado pela Câmara sofrera, ao passar pelo Senado, unicamente “ajustes textuais, sem nenhuma mudança de mérito”.

Ocorre que a redação final do PLV, alterada pelas emendas, inclui alterações de atribuição de competência em processos vinculados à regularização fundiária, extensão do prazo de vigência da aplicação da norma e leis ausentes nas formulações anteriores da Medida – alterações que não foram debatidas e aprovados na Comissão Mista composta para apreciar a matéria, pelos deputados em sessão de aprovação do PLV pela Câmara, no dia 24 de maio e pelos próprios senadores. “Houve aparentes modificações substanciais no texto aprovado pelo Senado Federal e encaminhado diretamente à sanção presidencial”, aponta a decisão de Barroso

Desta forma, a decisão do ministro reconhece que houve fraude legislativa ao votar as oito emendas de mérito disfarçadas de emendas de redação, ou seja, os senadores votaram, sem conhecer e debater, um texto alterado em seu conteúdo e não apenas em ajustes de texto. De acordo com o Regimento do Senado alterações de redação se enquadram em “vícios de linguagem, defeito ou erro manifesto a corrigir”.

Outro elemento que se destaca para os autores do mandado de segurança é que o prazo de vigência da Medida se esgotaria no dia 01 de junho, um dia após a votação pelo Senado. Ao respeitar o devido processo legislativo de retorno da matéria à Câmara nos casos em que há alterações no texto pelo Senado, a MP 759 perderia vigência. Editada pele presidente Michel Temer (PMDB) em dezembro de 2016 e fortemente defendida aos interesses da bancada ruralista, expoente majoritário do Congresso, a aprovação da MP é central ao projeto de governo e base aliada na posse e controle das terras públicas da União por empresas e latifundiários, como apontaram opositores à matéria desde que a MP iniciou seu percurso legislativo. 

“Uma Medida debatida por uma Comissão Especial, que não incorporou nenhuma emenda que continha as reivindicações dos movimentos populares, é aprovada na Câmara, mesmo com a bancada da oposição se retirando na noite de votação [em protesto contra a edição do decreto do presidente Michel Temer que autorizou a presença das Forças Armadas na mobilização pela realização de Diretas]. Ainda assim alteraram a MP no Senado, sem cumprir minimamente o Regimento do Congresso e encaminharam o PL para sancionar. É ilegal e inconstitucional. A decisão do ministro é coerente”, destaca um dos autores do mandado de segurança, o deputado federal João Daniel (PT-SE). 

O parlamentar faz referência à resistência da mesa diretora da Comissão Mista da MP em incorporar os interesses dos movimentos populares na construção da nova normativa que altera um conjunto de dispositivos sobre regularização fundiária. Esta resistência, no período de trabalho da Comissão (março a maio), foi apontada muito em razão dos cargos centrais ao trabalho do colegiado, relator e presidente, serem preenchidos por integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o senador Jucá, e o deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), respectivamente. A composição da Comissão também teve forte expressão da FPA. Cerca de 13 dos 37 deputados e senadores com titularidade ou suplência na Comissão integram a FPA, articulação do setor ruralista para incidência na atuação legislativa.

Agenda regressiva

A violação do processo legislativo determinado pela Constituição Federal e Regimento do Congresso, com o ocultamento das emendas de mérito pelo Senado, assumem, para a oposição, outros agravantes. 

A avaliação de um conjunto de sujeitos, que incluem órgãos de governo, parlamentares e movimentos sociais, é a de que as ações contidas na MP devem aprofundar uma política agrária e urbana antipopular, consolidando um cenário de injustiça social no campo e na cidade. A análise se sustenta no fato, por exemplo, de que a nova norma possibilita a criação de grandes latifúndios, com extensão de 2,5 mil hectares, e descompromete o Estado a compatibilizar o desenvolvimento de políticas agrícolas, como crédito rural, com a reforma agrária, como preconiza a Constituição. “Ela [a MP 759], na verdade, quer ser mais uma vez um instrumento de especulação dos grandes proprietários de terra, latifundiários e representados inclusive nesta comissão, querendo garantir que eles tenham uma maior capacidade ainda de fazer a compra de terras de pequenos produtores rurais, de pequenos agricultores, de camponeses”, denuncia a nota técnica da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal em abril.

Desta forma, a violação do processo legislativo não se encerra na impossibilidade de debate e conhecimento pelos parlamentares sobre a matérias em votação. “Esta ação pelo Senado reforça um aspecto grave da atuação do governo que é usar de todos os instrumentos ilegais, antirregimentais e inconstitucionais para visibilizar uma agenda regressiva para a população trabalhadora. Todos os movimentos sociais do campo e cidade tiveram uma posição absolutamente crítica à esta Medida. Apelos não foram atendidos, pelo contrário, se estenderam uma serie de abusos cometidos”, comenta Gabriel.

Votação pela Câmara

Em consulta pela Página do MST, a assessoria da Presidência da Câmara informou que a Casa ainda não foi notificada da decisão do STF e não teve acesso ao conteúdo integral do parecer do ministro. 

A decisão de Barroso, alinhado à Resolução do Congresso Nacional 1/2000, determina que o plenário delibere sobre as oito emendas no prazo de três dias, com possibilidade de dilatação de prazo para dez dias, no máximo. O prazo passa a contar a partir do recebimento da notificação pela Câmara. Desta forma, a previsão é a de que o plenário da Câmara aprecie  e vote as oito emendas no início de julho.

A decisão do ministro também inclui que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), na condição de responsável maior pela Casa revisora e já notificado do parecer, preste informações no prazo de dez dias. “É fundamental que a sociedade tome conhecimento deste modo de operar deste grupo que lidera este governo golpista. Nós estamos atentos para fazer o possível para que este governo não avance para demonstrar toda política pública para o trabalhador”, afirma João Daniel. Ele relata que as bancadas de oposição ao governo, compostas pelas legendas do PT, PSOL, Rede e PCdoB, entre outros, devem se reunir no início da próxima semana para definir estratégias de obstrução da pauta na Câmara.
 

*Editado por Maura Silva