Justiça Federal proíbe Incra e União de adotar medidas que paralisem a Reforma Agrária

Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, por meio do Acórdão 775, a paralisação do programa de Reforma Agrária em todo o País.

 

 

Por Iris Pacheco
Da Página do MST

 

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) proibiu na última quinta-feira (17) o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a União de adotar medidas que paralisem a Reforma Agrária. A decisão também determina o restabelecimento do acesso às políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) aos 578 mil beneficiários, que estão impossibilitados de acessarem políticas públicas indispensáveis para a vida no campo, ressaltando que a medida sequer respeitou o direito ao contraditório e à ampla defesa.

O autor da ação civil pública nº 5026000-47.2017.4.04.7100/RS é o Ministério Público Federal (MPF), que, por meio do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Fabiano de Moraes, desde maio deste ano ajuizou o processo, cuja liminar foi emitida pela juíza Clarides Rahmeiero.

No documento, a Justiça Federal pondera que as conclusões que embasaram as medidas do TCU, foram provenientes de informações obtidas de cruzamentos de dados entre sistemas e não de um trabalho de campo com interlocução prévia com os beneficiários.

De acordo o procurador Fabiano de Moraes, a ação proposta pelo MPF tinha como objetivo exatamente reverter o procedimento adotado pelo TCU e pelo Incra, que impede novos pagamentos de créditos da Reforma Agrária, emissão de créditos e outros benefícios e políticas públicas concedidas em função de fazer parte do PNRA.

“A decisão do TCU que paralisou a política de Reforma Agrária teve por base um cruzamento de dados sem qualquer trabalho de campo, cuja metodologia foi questionada pelo próprio Incra, sem uma preocupação com as consequências da decisão. O Incra por sua vez deveria ter adotado medidas que respeitasse o devido processo legal, verificando caso a caso eventuais irregularidades existentes e assegurando o direito de defesa”, ressalta.

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Decisão destaca não observação dos princípios
constitucionais no processo legal e de ampla defesa.
 

 

Entenda o caso

Em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, por meio do Acórdão 775, a paralisação imediata do programa de Reforma Agrária do Incra em todo o País. A medida cautelar atingiu cerca de 578 mil beneficiários do PNRA. De acordo o TCU, o PNRA teria irregularidades que atingem praticamente 30% de toda a base de beneficiários do programa, que é da ordem de 1,5 milhão de famílias. No entanto, a ação do Ministério Público, vem explicitar que a auditoria realizada ignorou o devido processo legal para apuração das eventuais irregularidades.

Na época, os movimentos do campo e diversas organizações denunciaram a ação arbitrária. No entanto, mesmo o acordão sendo parcialmente reconsiderado em setembro de 2016, o TCU manteve “ônus significativos aos beneficiários da Reforma Agrária com suspeitas de irregularidades, dado que seriam impedidos de acessar políticas públicas indispensáveis à vida no campo, sem oportunidade de defesa prévia”, como afirma MPF em trecho da sua ação.

Para Alexandre Conceição, da Direção Nacional do MST, a decisão da Justiça Federal no Rio Grande do Sul vem confirmar todas as denúncias dos Movimentos sobre o acordão 775.

“O TCU atuou para beneficiar o latifúndio e desmontar a Reforma Agrária no Brasil. A alegação de que havia irregularidade no programa penalizou irresponsavelmente 589 mil assentados em todo o país”, denuncia.

Estado como agente de ações arbitrárias

O restabelecimento do PNRA também se baseia na previsão constitucional de que o Estado tem o dever de promover medidas para a concretização da Reforma Agrária. Porém, o que o documento afirma é que tanto o TCU, quanto o Incra, feriram princípios constitucionais que orientam o devido processo legal, uma vez que, a decisão teria implicado a paralisação das políticas públicas de Reforma Agrária, levando ao seu esvaziamento.
 

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Da Constituição: o interesse público
não pode justificar decisões quando
direitos fundamentais estão em questão.

Segundo o procurador Fabiano de Moraes, o Estado tem sido o principal agente no que se refere a provocação de ações que ferem os direitos do povo brasileiro.

“O Estado vem adotando seguidas medidas para diminuir o número de beneficiários de políticas públicas, sem qualquer cuidado relativo a apuração efetiva de existência de vícios nos programas e das condições em que esses são concedidos trazendo graves prejuízos para as populações que dependem desses recursos para que possam viver em condições minimamente dignas”, afirma.

O procurador salienta ainda que “a pretexto da existência de uma crise, o ônus não deve ser direcionado a população de mais baixa renda, o que apenas amplia o abismo que separa essas pessoas dos que detém o poder econômico, rompendo o Estado com objetivos fundamentais da República como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a redução das desigualdades sociais”.

Sobre suas medidas, a União comentou que sua decisão é provisória e permite que os usuários demonstrem sua participação correta junto ao PNRA via Incra.

No entanto, a medida paralisou todo o processo de Reforma Agrária, suspendeu a seleção de novos beneficiários ou assentamento de pessoas já selecionadas. A ação do MPF – RS proíbe tais medidas e garante o direito ao contraditório e à ampla defesa, porém ainda cabe recurso da decisão ao TRF4.

 

 

*Editado por Rafael Soriano