“A primeira coisa que eu escrevi com meu lápis e caderno novo foi MST”

Dona Francisca: descobrindo letras para contar sua história
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Por Gustavo Marinho
Da Página do MST

 

“A primeira coisa que eu escrevi com meu lápis e caderno novo foi MST”. As fortes marcas do tempo no rosto não escondiam a emoção de Dona Francisca que, aos 57 anos, aprende a ler e escrever no Sertão de Alagoas a partir das aulas da Campanha de Alfabetização “Sim, eu posso!”.

 

Foi com muito orgulho que Dona Maria Francisca, conhecida por todos como Marieta, listava as dezenas de palavras que já reconhecia na leitura e na escrita. “Essa experiência foi boa demais da conta. Eu sempre tive vontade de ir para a escola, mas nas escolas da rua eu sempre achava difícil”, explicou Marieta logo após confessar seu sonho: “pegar um lápis, uma caneta e poder ler e escrever tudo”.

 

 “Um dia eu cheguei em casa e minha filha me avisou que um grupo do MST tinha passado lá convidando as pessoas para aprender a ler e escrever. Essa hora me deu uma alegria no coração e de lá para cá foi só coisa boa”.

 

Viúva aos 26 anos, Dona Francisca teve nove filhos, hoje somente cinco estão vivos. Sertaneja, trabalha com a terra desde criança, quando junto aos seus dez irmãos, ajudava no sustento da família, enfrentando a seca e resistindo a fome que tomava conta do povo sertanejo na época.

 

Em 1970, sua família para fugir da seca em Alagoas, pegou a estrada rumo ao Paraná. Seguiram com o pouco que tinham, caminhando até o Sul do país onde tinham o sonho de melhorar de vida e voltar para a terra natal. “Eu tinha 11 anos na época, saímos daqui da seca passando fome e pedindo esmolas a pé para tentar a vida no Sul, lá trabalhamos duro na roça para ter o que comer”.

 

“Lá no Paraná foi quando conheci a escola pela primeira vez. Eu e meus irmãos íamos para a escola a pé, com o candeeiro na mão. Eu ainda cheguei a ir um mês para a escola, mas o sofrimento era tanto, de ter que trabalhar durante todo o dia e ainda caminhar uma distância grande para chegar na escola que muitas vezes a gente chegava na sala de aula só para dormir”.

 

Foram cinco anos vividos no Paraná, em 1975 Dona Francisca já retornava para Alagoas e no ano de 77 enfrentavam uma nova seca na região. “Assim foi a minha vida e a dos meus irmãos, sempre trabalhando na roça, resistindo à seca e longe da escola”.

 

Hoje Francisca mora em Delmiro Gouveia, continua trabalhando na roça, em uma comunidade do município e assiste as aulas todas as noites no bairro conhecido como Ponto Chique, na periferia da cidade. Assim como mais de 250 sertanejos e sertanejas, Dona Francisca está prestes a terminar as aulas da fase inicial da campanha que a partir das aulas com o método cubano de alfabetização, desenvolveram a leitura e a escrita nos últimos três meses no Sertão de Alagoas que, além de Delmiro Gouveia, têm turmas em Piranhas e na cidade de Olho D’Água.

 

“Tenho 57 anos de idade e muita gente disse que eu não iria aprender muita coisa, mas mostrei que conseguia aprender e hoje já reconheço todas as letras”.

 

“Vi muito o MST na TV e sempre torci para ‘os de vermelho’, depois nas conquistas que temos hoje na comunidade que eu vivo, é tudo graças aos assentamentos do MST que tem ao redor. Agora quando veio a escola do MST com o ‘Sim, eu posso!’ eu gostei demais”.

 

Dona Francisca prepara-se para a formatura das turmas do “Sim, eu posso!”, que deve reunir centenas de pessoas da região para comemorar a conquista de jovens e adultos alfabetizados pelo Movimento Sem Terra, segundo ela “vai ser um dia de felicidade e de tristeza. Felicidade por ter chegado até aqui e aprendido muito e tristeza que agora vai acabar”.

 

Com o desejo de seguir estudando e aprendendo cada vez mais, Francisca conta com o apoio dos filhos que a animam para não desistir do sonho de ler e escrever cada vez mais.

 

“Quero aprender bem muito para escrever um livro contando minha história. Tudo que passei, do meu sofrimento junto com meus irmãos e contar para as pessoas como aprendi a ler”.

 

A emoção voltava a tomar conta de Francisca. Chegou a travar a fala quando comentava de sua relação com Arleane, a Any, sua educadora, jovem que veio da Bahia contribuir na Brigada de Alfabetização. “Aqui todo mundo foi tratado com muito carinho e paciência. Se fosse possível pegavam na nossa mão para ensinar a gente melhor. Eu nunca vou esquecer isso na minha vida.”

 

“Vou continuar lendo e escrevendo. No primeiro dia de aula eu disse ‘esse povo veio para me ajudar’ e eu não errei.”