Assentamento Resistência: uma história de luta que nunca acaba

Da terra improdutiva à retomada da função social da propriedade rural, hoje o Assentamento abriga 20 famílias da Reforma Agrária
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Divulgação/MST

 

Do Levante Popular da Juventude
Para Página do MST

“Gente nascida e criada na roça é doida pra ter um pedacinho de terra para plantar, mas o latifundiário não quer que o camarada tenha aquilo”. Essa fala é do companheiro Tião, militante do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). Ele é filho de camponeses e carrega no sangue o vínculo com a terra que o aproximou dos movimentos sociais e da luta pela reforma agrária. “A minha família toda é ligada à terra. Está no sangue. Meu irmão planta milho em Governador Valadares. O resto da minha família planta café no estado do Espírito Santo”, conta.

Tião, desde sua primeira palavra, dá indícios de quem é, da sua história. É homem dono do saber sobre a terra, de um conhecimento que vem do fazer e do perseverar, teimosia aliás é sua forma de luta, de resistência. “O sujeito trabalha a vida inteira e morre, depois que ele morreu a viúva não vale mais nada, o fazendeiro vai lá e paga ela de qualquer jeito, manda ela embora, ela vai para favela”, ressalta.

Sobrevivente da aridez da vida, num campo onde terra não é para todos questiona: “A gente tem que acabar com isso. Porque você corta no homem mais rico e corta em mim que não tenho nada, o sangue dele é igual ao meu. Porque ele tem que viver lá em cima e eu tenho que viver debaixo da sola do pé dele?”. Hoje, Tião e outras 20
famílias formam o Assentamento Resistência, em Funilândia localizada na região central de Minas.

O nosso primeiro contato com o Assentamento foi por meio do companheiro Milton, que trilhou um caminho diferente de Tião até se encontrarem no MST. Sua história é como a de tantos outros nascidos nas periferias das grandes cidades, cujas raízes familiares estão na verdade assentadas sobre as terras do campo brasileiro.

“A minha história é totalmente diferente do Tião, em Betim estava sendo feito um trabalho de base pela frente de massa, eles procuravam por lideranças de Bairros, ou seja, igrejas católicas, sindicatos e conversavam sobre os motivos da terra”, relata.

De acordo com Milton, a maioria das pessoas que estão na periferia hoje são parte do êxodo rural. “Gente que está na cidade, mas que quando você vê, tem uma ligação forte com a terra. Meu pai veio para cidade, mas suas raízes estão na terra, lá para os lados de Itabira.” , conta. Milton que nasceu na cidade de Betim, foi militante do Partido dos Trabalhadores (PT) antes de conhecer o MST.

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Divulgação/MST

A história da terra

O terreno onde hoje é o assentamento Resistência, era administrado pela Santa Casa. De acordo com Milton, a instituição perdeu o interesse na área, deixando-a abandonada, sem produzir e sendo explorada por um arrendatário irregular.

Ainda segundo Milton, a intenção era desvalorizar a terra para que esta atendesse apenas a interesses do proprietário. “Estava tudo abandonado, a Santa Casa deixou o uso da terra devido às influências e até corrupção. Conseguimos mudar essa situação, com muita luta ganhamos também em Brasília todas as instâncias e ele perdeu tudo”, contam.

Uma área de 333,3 hectares de terra que era inviabilizada pela ganância dos antigos proprietários hoje cumpre sua função social, é lugar de moradia e trabalho de 20 famílias do MST. “A fazenda está abrigando muitas famílias. Se fez justiça. Temos um projeto, estamos batalhando para a produção e vamos fazer acontecer com a fé em Deus”, afirma Milton.

O nome do Assentamento Resistência foi escolhido por meio de uma assembleia e representa a luta dos companheiros. “Nessa área já sofremos uma ordem de despejo e não foi fácil. Se você olhar, da Fiat Iveco até o trevo de Baldim tava cheio de policiais, se a gente não tivesse em comunhão para resistir, e se não fosse os meninos da direção lutando no judiciário, ia ser complicado. Eram 120 policiais para 34 sem terra”, conta Milton.

Segundo Tião, o principal combustível da luta é a esperança. “O que alimentava a gente era a esperança de que uma hora isso vai acabar. A gente fala que acaba, mas a luta nunca acaba.”, afirma Tião.

Após 17 anos, a repressão policial não é mais motivo de pesadelo para as 20 famílias que sobrevivem da agricultura familiar. O desafio atual é desenvolver o Assentamento Resistência: “Hoje nosso principal entrave para desenvolver o assentamento é o financeiro. Para o pequeno agricultor acessar uma linha de crédito é muita burocracia.

Matéria prima nós temos, vontade de trabalhar nós temos de sobra, só falta estrutura e amparo técnico”, relata Milton.

Segundo o Orçamento da União para 2018 enviado pelo governo ao Congresso, os recursos para equalização dos juros nas diversas linhas de crédito terão uma queda de 39%, passando dos R$ 7,8 bilhões neste ano para R$ 4,8 bilhões.

De acordo com Milton, a assistência técnica é fundamental para desenvolver um projeto e posteriormente conseguir crédito. Os moradores criaram uma Associação cujo objetivo é promover o desenvolvimento do
assentamento. A aposta dos camponeses está na agroindústria para o processamento de cana-de- açúcar. “Já temos o maquinário da agroindústria. Se a gente colocar o meio para funcionar, vamos ter emprego e renda aqui dentro.

De acordo com Milton, após conseguir o crédito será possível desenvolver o assentamento através da agroindústria. “Não vamos precisar vender horas de trabalho para os vizinhos, para os pequenos produtores. Isso infelizmente acontece. A gente envelhece, nossos filhos acabam indo pra cidade em busca de emprego e renda, quem vai tocar isso aqui depois?. Nosso desafio é desenvolver o projeto para viabilizar o
sustento”, conta.