Cimi Regional Sul divulga nota sobre o contexto da política indigenista no Brasil

O governo federal, com base nestas duas anomalias jurídicas, paralisou todas as demarcações e condicionou a administração pública a incorporá-las (através do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União) em suas demandas e ações indigenista
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Comunidade Guarani em tekoha às margens do lago de Itaipu (PR). Foto: Paulo Porto

 

Do Conselho Indigenista Missionário 

 

Os missionários e missionárias do Cimi Sul, reunidos em sua 42ª Assembleia Regional, entre os dias 05 a 08 de abril de 2018, vêm manifestar sua inconformidade com a condução da política indigenista no Brasil, especialmente no tocante às estratégias do atual governo em impor, nos procedimentos administrativos de demarcação das terras, a tese do marco temporal da Constituição Federal de 1988, a qual impõe que os povos indígenas deveriam ter estado na posse da terra por eles reivindicada na data de 05 de outubro de 1988.

Somando-se a essa tese, vem uma outra denominada de renitente esbulho: nela se estabelece aos indígenas que, se não estivessem na posse da terra em 1988, deveriam, ao menos, disputá-las física ou juridicamente. O governo federal, com base nestas duas anomalias jurídicas, paralisou todas as demarcações e condicionou a administração pública a incorporá-las (através do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União) em suas demandas e ações indigenistas.

O Cimi Sul, atento ao contexto indigenista, alerta para a gravidade dos problemas que advêm destas estratégias jurídico-políticas. Elas foram forjadas com o intuito de atender interesses de setores da economia que vislumbram a exploração indiscriminada das terras. Na cabeça do movimento anti-indígena do país, encontra-se a bancada ruralista que não mede esforços em afrontar os direitos indígenas e, ao mesmo tempo, perseguir e criminalizar aqueles que os defendem.

Nos estados da Região Sul do país é notória a ofensiva dos ruralistas sobre os meios de comunicação e junto aos poderes públicos para instigar e alimentar a violência aos indígenas. Propagam junto às populações – das áreas rurais e dos municípios – o ódio contra os povos indígenas.

Há localizações no estado do Paraná em que os indígenas não podem sequer andar pelas ruas ou irem ao comércio porque são hostilizados e discriminados. Causa muita preocupação o fato de autoridades públicas, que deveriam zelar pela segurança e bem estar de todos, estimularem a população a se manifestar permanentemente contra os indígenas, numa inequívoca demonstração de que os crimes de intolerância e do racismo são avalizados quando praticados contra os Guarani.

É inegável que no Brasil estão sendo praticadas graves violações aos direitos fundamentais de algumas parcelas da população, especialmente daquelas que reivindicam ou postulam os direitos coletivos sobre as terras, o direito de ir e vir, de ser e de pensar diferente daqueles estabelecidos pelo senso comum, de viver a partir de valores que não são iguais aos dos capitalistas, uma vez que não enxergam a terra e a natureza como potencialidades financeiras, pois possuem por elas sentimentos e pertencimentos vinculados ao ancestral, à tradicionalidade, às cosmologias e à maternidade.

Há, como se percebe, uma sintonia entre as ações dos ruralistas que pregam o ódio contra os povos indígenas e seus direitos inscritos na Constituição Federal  com as determinações do governo em paralisar as demarcações das terras através de teses absolutamente controversas (marco temporal e renitente esbulho) e não pacificadas no âmbito do Poder Judiciário, porque o STF (embora alguns juízes federais de primeira instância insistam em conceder liminares contra os procedimentos de demarcação com base nestas teses) ainda deverá se manifestar e colocar um ponto final a essa questão.

O Cimi Sul manifesta-se no sentido de exigir que as autoridades – Judiciário, Executivo e Legislativo – atuem com serenidade e lealdade aos ditames constitucionais no que se refere aos direitos indígenas – Artigos 231 e 232 da CF/1988 – e, por consequência, sejam asseguradas as demarcações das terras como direitos fundamentais, tendo em vista que estes vem expressamente consagrados na Carta Magna como originário, tradicional, indisponível, inalienável e imprescritível.

Diante de tudo isso, exige-se que o Parecer 001/2017 da AGU seja revogado e as demarcações de todas as terras com procedimentos administrativos paralisados sejam retomadas, por uma questão de justiça, pelo melhor cumprimento da Constituição Federal.

Chapecó/SC, 08 de abril de 2018

Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul