Semeadores de quilombos rimam poesia, rap e repente na Feira do MST

No repente ou no slam, poesia marca a força popular no segundo dia do Palco Cora Coralina na Feira Nacional da Reforma Agrária
_MG_0499.JPG
Foto: Geyse Santa Brígida

 

Por Geanini Hackbardt
Da Página do MST

 

Uma tríade de peso ecoou no Palco Cora Coralina, na tarde desta sexta (04) de Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, em São Paulo. Os repentistas cearenses Vicente Reinaldo e Orlando Dias versaram sua cantoria natural, histórias de vaqueiros e anseios políticos. “Do trabalho sou cativo e trabalho com paciência/E quero ver duas coisas com clareza e evidência/O MST feliz e o Lula na presidência”, dizia a música improvisada.
 

Vicente Reinaldo, um senhor com trejeitos de sertanejo e a viola na mão, entende que a poesia e a música são expressões irmãs, parte de uma mesma produção humana. “É uma relação bem íntima, porque na realidade a poesia não está só nas rimas, está nas palavras, na maneira de dizer as coisas”.
 

_MG_0483.JPG
Foto: Geyse Santa Brígida

Ele ressalta que o importante é a simplicidade do que se faz e não vê dicotomia entre a cultura do campo e da cidade. “A cantoria tradicional é literalmente popular. Existem cantadores que querem cantar coisas difíceis, mas a cantoria mesmo verdadeira é aquela bem simples. Se o movimento de uma qualidade cultural como o MST nos chama porque a nossa arte não morreu. Tá certo que é cultura povão e vocês sabem que o povão sofre num país como o nosso, que é elitizado, que tem umas culturas diferenciadas, mas toda cultura é cultura, não acho que tem uma com mais qualidade que a outra”, defende.
 

Em seguida foi a vez da batalha de poesia, com o Slam do Grito. A competição entre poetas de rua surgiu no Brasil há dez anos. Hoje, só em São Paulo, são cerca de 50 coletivos organizando Slams pelas “quebradas” e se preparando para a copa mundial de poesia, que acontecerá na França. Um grito de ordem é sempre o sinal para começar a recitar, a solidariedade entre os poetas e as notas do público fazem a batalha parecer um jogo. “O resultado é só um detalhe, a gente gosta mesmo do encontro, do abraço, da palavra”, diz a apresentadora.
 

Giselia Trajano, filha de pais retirantes nordestinos, cresceu regada com a mistura de ritmos e expressões da periferia. Entre o triângulo, a sanfona e o baile black, ela se inspirou no repente para fazer suas rimas. “Sou considerada no slam, uma freestyle tudo que eu fiz ali nasceu ali. E isso veio de um dia eu ter visto o repente e achar muito bacana. Do cara criar aquilo na hora, com o tema da hora. A poesia acaba ficando única”.
 

Para ela, essa diversidade precisa ser reconhecida e multiplicada. “Essa pluralidade que a Feira nos trouxe e que o Norte e o Nordeste e todos os nossos retirantes nos trazem é muito boa. Falta São Paulo, que tem a maior gama desses retirantes, entender o quão precioso é”, adverte a Griô do Slam.
 

O rapper e organizador do Slam do Grito, Lews Barbosa, também esteve presente. “Re-floreste-aMente/Replante os sonhos/Replante as artes, diz um de seus versos. Para ele a cultura produzida nas regiões periféricas do país e nas periferias da cidade são fundamentais para a saúde. “A gente começa a plantar focos de quilombos na cidade a gente cria uma espécie de engenharia reversa na cidade. Essas manifestações culturais como slams, batalhas de MC é como se estivéssemos tentando fazer da cidade outra vez orgânica. É para a saúde mental das pessoas. É o que chamo de esoecologia”.
 

photo_2018-05-04_16-03-36.jpg
Foto: Rafael Stedile

Crônica Mendes fechou os trabalhos no palco, trazendo seu Rap de combate do interior do estado. Ele relaciona as três expressões artísticas como uma tríade. “Uns se perguntam sobre a origem do Rap, mas poucos sabem que aqui no Brasil gente já tinha Rap nacional acontecendo. Ele não se autodenominava Rap, mas é um irmão do Rap, é a gênese do rap nacional. Que é o repente, nordestino, cabra da peste, sempre com temas irônicos, mas ferrenhos. Mesmo sorrindo, colocando o dedo na ferida, fazendo seu protesto, seu manifesto. E o slam é onde a gente coloca para fora todo o conteúdo do rap nacional, longe das batidas e das melodias. O slam é isso, é a poesia forte, é o dedo no gatilho. Então acho que é uma tríade a favor do povo, o repente, o rap e o slam. É isso, pai, filho, espírito santo”, define o rapper.
 

*Editado por Gustavo Marinho