Educar para garantir direitos

Em entrevista a educadora Andréa e a Sem Terrinha Lara falam um pouco do processo educacional do MST
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Divulgação MST 

 

Por Webert da Cruz
Da Página do MST 

 

Fruto de luta da segunda ocupação do MST no Espírito Santo, a Escola Estadual Pluridocente de Ensino Fundamental Vale da Vitória tem 32 anos e realiza diversas atividades educativas, agroecológicas e culturais. Cerca de 65 crianças, adolescentes e jovens do Assentamento Vale da Vitória no município de São Mateus (ES) vivenciam processos educativos do currículo básico de ensino do estado e a pedagogia do MST.

Elementos da organização do movimento de luta pela terra compõem o ensino e aprendizagem dos educadores e educandos, na construção de leituras mais críticas de mundo e fortalecimento de uma educação do campo mais engajada. Conversamos com uma educanda e uma educadora dessa realidade para conhecermos mais dos processos educativos que as crianças Sem Terrinha participam no Movimento.

Participante das atividades educativas desde os quatro anos, falamos com a Sem Terrinha Lara Merellis Campos, que atualmente possui 10 anos. Também com Andréa Silva Santos de Souza, 37, assentada no Vale da Vitória e atuante como educadora e militante pela Reforma Agrária desde de 2001.

Como é seu trabalho na educação do MST?

Como educadora, atuo na alfabetização dos nossos Sem Terrinha. Contribuo no processo de formação voltada para a pedagogia do MST com elementos da pedagogia da alternância como auto organização, mística, nucleação de educandos, coordenação setores, entre outros no cotidiano da escola.

Pedagogia do MST?

Digo pedagogia do MST, porque desenvolvemos elementos da organicidade do nosso movimento. Não cumprimos apenas o currículo básico do estado, mas implementamos em nossa prática pedagógica formas diferentes que vão muito além do saber ler, escrever e contar. Um dos elementos são os temas geradores desenvolvidos nos trimestres com o plano de estudo.

A escola funciona no assentamento? Você pode explicar melhor?

Sim, a escola atende crianças da educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental. Esse espaço é fruto da segunda ocupação de terra no estado do ES, seu surgimento foi no ano de 1985 ainda no acampamento. Fruto da luta dos trabalhadores rurais Sem Terra.

O que é pluridocente? Como funciona?

Unidocente são as salas multisseriadas todas as turmas juntas e pluridocente cada turma em sua sala de aula. Nas escolas plures, cada turma tem seu educador, seu plano de ensino para cada faixa etária.

Na escola estadual tem professores do MST que trabalham nela?

Sim, a maioria das escolas na área de assentamento no Espírito Santo pertence ao estado e algumas aos municípios. A escola em que atuo é da rede estadual e uma sala anexa é da rede municipal. Sou funcionária pública contratada e do MST. Passamos por um processo seletivo a cada ano no estado e os educadores que atuam em nossas escolas são formados nos cursos de formação do MST, como magistério pedagogia da terra, entre outros.

Conte mais sobre os processos educativos com a pedagogia do MST que acontece no seu estado? O que as crianças aprendem?

No Espírito Santo desenvolvemos dentro do processo educativo, práticas pedagógicas. Auto organização dos educandos e educadores, mística pelos educandos, coordenação dos núcleos e setores, palestras visitas de estudo de acordo com o tema estudado, pesquisa na família ou assentamento e comunidades vizinhas.

Também desenvolvemos na escola o setor agropecuário com horta, pomar e jardim de maneira pedagogizada, encontros regionais e estaduais, noites culturais com escola e comunidade. Danças, oficinas de alimentos, artesanatos e outros. Nesse processo nossos Sem Terrinha aprendem a lutar e a valorizar a vida, terra, lutar por seus direitos. A serem solidários, companheiros e a valorizarem a nossa identidade de ser Sem Terra neste processo histórico de luta pela Reforma Agrária Popular.

As crianças se tornam sujeitos históricos, construtores de suas próprias histórias. Constróem condições de cooperação e cultura camponesa de homens, mulheres, jovens e crianças. Compreendem que se faz necessário manter viva a luta e serem contrárias ao sistema capitalista que nos oprime a todo instante.

Que infância Sem Terra é essa que estamos falando?

Estamos falando de uma infância Sem Terra que brinca, corre, sonha, joga bola, valoriza os camponeses e luta por seus direitos como à terra, moradia, educação, saúde. Que socializa, produz conhecimento, cultura e saberes.

Quais são as expectativas para o 1° Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha?

São muitas, pois esse encontro além de ser um marco histórico na caminhada do MST, principalmente no processo de formação de nossos Sem Terrinha, é também para mim um momento de grandes aprendizagens e troca de experiências das práticas desenvolvidas no setor educação.

Como vocês se prepararam? Educadores e educandos?

Nos preparamos de forma coletiva após encaminhamento do coletivo nacional. Nós no estado discutimos no coletivo estadual e depois no coletivo regional. Então fizemos um planejamento e tiramos uma equipe, fizemos um cronograma de atividades tais como: motivação nas escolas assentamentos e comunidade, seminário estadual, oficinas e encontros regionais.

Vale ressaltar que toda esta movimentação é baseada em temas de estudo desenvolvida nas escolas como: auto organização, alimentação saudável, trabalho infantil, direitos da criança. Temas de discussão do encontro que se aproxima.

Diálogo com a Sem Terrinha

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A Sem Terrinha Lara 

Conversamos também com Lara Merellis. Criança assentada da Reforma Agrária que participou de todo o processo de preparação do 1º Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha e estará em Brasília nas atividades de 28 a 31 de maio.

Oi, Lara! Fale um pouco sobre o que você faz, como é a sua vida?

Eu vou pra escola, aí chego meio dia, faço minha tarefa de casa quando tem, faço meu trabalho de casa, depois eu brinco, depois na hora de dormir eu leio um pouco e depois vou dormir.

Me conta um pouco da sua história com o Sem Terrinha?

Participei já de muitos encontros Sem Terrinha. Já fui coordenadora do encontro de Sem Terrinha. A gente brincava, aprendia muitas coisas. Que quando a gente quer, quando estamos lutando por alguma coisa, não podemos parar de lutar por aquilo, a gente tem que continuar lutando.

Você disse que foram vários encontros do Sem Terrinha, o que mais você aprendeu?

Tem… deixa eu pensar… tem muitas crianças que sofrem violências físicas, verbais, um monte de coisas. E que a gente tem que lutar para que essas crianças não sofram essas violências mais.

E o que os Sem Terrinha podem fazer para essas crianças não sofrerem mais?

 

Lutar. A gente vai pra rua, ocupar os lugares. Ano passado a gente foi ocupar a SEDU (Secretaria de Estado da Educação) para que a nossa e as outras escolas não fossem fechadas. A gente fazia palavra de ordem, cantava.. um monte de coisas.

Me fala sobre as suas expectativas para encontro das Crianças Sem Terrinha?

Conhecer várias outras crianças Sem Terrinhas, aprender mais coisas do que eu já sei e ensinar também. Animação e meus quatro amigos.

E como é ser uma criança Sem Terrinha?

As crianças Sem Terrinhas elas vão pra rua, lutar pelos nossos direitos. Estuda na escola do assentamento, faz a formação, trabalha…

Vocês trabalham?

Sim, nos setores na escola. Os adultos só acompanham, nós é que fazemos tudo. Sou do setor de agropecuária. A gente organiza as ferramentas e também planeja as aulas de agropecuária.

Vocês plantam? O que vocês costumam plantar? Para que?

Sim, cenoura, beterraba, coentro, alface, couve… Pra gente comer na escola, uma alimentação saudável.

Na sua opinião isso é importante?

É sim, porque enquanto algumas pessoas que tem muita comida desperdiçam. A outras não têm nada só ficam comendo as comidas que são do lixo. Além disso, a gente planta e não bota veneno, a gente usa adubo orgânico.

E por que isso é importante?

Para nossa saúde. Pra que a gente cresça saudável, feliz e não fique doente.  

 

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