Novo presidente e entrada na Otan consolidam interesses dos EUA na Colômbia

A vitória de Iván Duque, candidato da direita apadrinhado por Álvaro Uribe, é analisada por jornalista colombiana
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A eleição de Iván Duque à presidência da Colômbia no último domingo (17) e a entrada para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em maio deste ano, consolidam os interesses dos EUA no país. Essa é a preocupação expressa pela jornalista colombiana Maria Fernanda Barreto, analista política e colunista do site venezuelano Misión Verdad.

Duque, candidato da extrema-direita e afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, foi eleito no segundo turno com 53,98% dos votos. A candidatura alternativa de Gustavo Petro, que se autodenominava de centro-esquerda, atingiu pouco mais de 8 milhões de votos, o que representa 41,81% dos votantes. A participação no pleito foi de 53%, em um universo de 36 milhões de pessoas aptas a votar. O novo presidente irá tomar posse no dia 7 de agosto.

Para a jornalista, que acompanha os desdobramentos políticos de seu país a partir de Caracas, capital venezuelana, a Colômbia pode se tornar “um Israel na América”, em função da defesa do neoliberalismo e como ponto de estratégia militar para o país norte-americano.

Na visão de Barreto, mesmo que Duque tenha anunciado a revisão dos acordos de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e a possibilidade de não continuidade dos diálogos com o Exército de Libertação Nacional (ELN), ele não poderá regredir neste tema. Na opinião da analista, a ideia de que a Colômbia vive hoje um período “pós-conflito” é central para os interesses neoliberais no país latino-americano.

Em entrevista ao Brasil de Fato, realizada por telefone, ela comenta as implicações geopolíticas das eleições e a reorganização da esquerda na Colômbia. Confira abaixo.

Brasil de Fato: De maneira geral, qual sua avaliação sobre o segundo turno das eleições presidenciais?

Maria Fernanda Barreto: Essas eleições foram muito complexas e tinham muitas implicações políticas para a Colômbia e geopolíticas para a região. Eu creio que o uribismo [corrente política de direita ligada ao ex-presidente Álvaro Uribe] é um fenômeno popular e eleitoral que ainda não soubemos entender nem enfrentar na Colômbia. Uribe conseguiu levar um desconhecido, o que praticamente Iván Duque era, à presidência da República. Isso diz muito sobre o poder que ele ainda detém.

No entanto, pela primeira vez, uma candidatura alternativa surge frente ao establishment colombiano. Todos os partidos de direita e centro-direita se uniram em torno da candidatura de Iván Duque e, mesmo assim, conseguiram pouco mais 10 milhões de votos. Nas eleições anteriores, de 2014, por exemplo, os partidos de direita e centro-direita reuniram cerca de 15 milhões de votos. Hoje, 8 milhões de colombianos e colombianas se manifestaram contra o establishment e deram seu apoio a Petro, que aparentemente soube capitalizar isso.  

Por meio de um comunicado à imprensa, a Farc [Força Alternativa Revolucionária do Comum, partido criado após a dissolução da guerrilha] expressou o desejo de se reunir com Iván Duque para discutir a implementação do Acordo de Paz. Durante a campanha eleitoral, Duque afirmou que haveria uma revisão destes acordos. Qual sua expectativa para o cumprimento deles e também para a continuidade do diálogo com o ELN [Exército de Libertação Nacional]?

Durante a campanha, Duque se apresentou como o candidato que ofereceu uma continuidade à guerra; enquanto Petro se apresentou como a figura que oferecia o projeto histórico da paz, dando continuidade aos acordos com as Farc e o diálogo com o ELN.

No entanto, Duque não pode nem se retirar nem pôr fim às negociações com o ELN e as Farc por uma razão simples: o projeto histórico que o imperialismo definiu para a Colômbia e para a região implica em um discurso que, segundo o qual, a Colômbia se encontra em um “pós-conflito”. 

Essa farsa do chamada “pós-conflito” — que é uma farsa porque a Colômbia ainda é um país em guerra onde os conflitos sociais ainda não foram resolvidos — é necessária para que possa continuar recebendo os financiamentos milionários da Europa para essa suposta nova etapa. E para que se possa lucrar com os conflitos internacionais, que é o que se está buscando com essa incorporação da Colômbia à Otan. 

Portanto, Duque pode tratar de complicar o caminho da paz, pode apostar na “direitização”, mas não pode acabar com eles por completo e retroceder a um confronto direto de novo ou que a Colômbia regresse a etapas anteriores, porque isso não conviria aos planos que o imperialismo tem para o país neste momento. 

Em maio, o país foi aceito na Otan e na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Como a entrada para essas organizações reverbera na política de Duque com os países vizinhos?

Se ambos os convênios seguirem adiante, tanto com a OCDE quanto com a Otan, isso significaria que a Colômbia vai se consolidar como o “Israel da América”. Primeiro, porque estaria se consolidando na promoção das políticas neoliberais na região. Depois, porque estaria se convertendo no primeiro parceiro global da Otan na região e assumiria uma vanguarda dessa nova estratégia militar.

Mas, é de se esperar que, depois que passar o processo eleitoral, a entrada da Colômbia na Otan seja, pelo menos, questionada e que as forças de oposição impeçam que as forças constitucionais aprovem essa incorporação na Otan — há um recurso legal e político que não foi utilizado e que poderia colocar um freio nessa incorporação.

De todo modo, sem dúvidas, a presença do afilhado [político] de Uribe, Iván Duque, significa uma complexificação para a região e para os projetos progressistas na América Latina.

O que representa do ponto de vista econômico a volta do uribismo na Colômbia?

Para a economia colombiana significa, em termos mais simples, o fortalecimento do que seria a economia paralela; isso implica tanto a política dos paramilitares, o narcotráfico, o contrabando de extração para Venezuela, a acumulação pela via da especulação financeira, como o que se faz em Cúcuta [cidade colombiana que faz fronteira com a Venezuela] às custas do bolívar [moeda venezuelana].

Mas também significa o avanço das empresas vinculadas à guerra e, com elas, avançam também os projetos transnacionais de extração mineral e petrolífera  — e também, obviamente, o agronegócio.

Duque afirmou que a Colômbia deve convocar a ONU para impor sanções à Venezuela. Ele caracterizou o país vizinho como uma ditadura e defendeu o controle das fronteiras. Como será a relação política com a Venezuela?

É esperado que Duque seja um presidente totalmente dirigido por Uribe. E Uribe disse uma vez que faltou tempo para que ele pudesse intervir militarmente na Venezuela. Então, é de se esperar que o novo governo do uribismo retome esses planos.

No entanto, é também a continuidade dessa política que ele tanto fez, que foi mais discreta, mas que de nenhum modo usou sua liderança contra a Venezuela, tanto de forma unilateral como na fronteira internacional. Além disso, Álvaro Uribe, ao longo dos anos, se converteu no líder da direita mais obstinado em relação à Venezuela, como toda essa gente que apostou nessa via violenta do terrorismo na Venezuela contra o governo do atual presidente Maduro.

Os setores progressistas estavam esperançosos por uma vitória de Petro. Como fica a articulação da esquerda no país agora?

A esquerda colombiana, que tem uma história de divisão, se articulou pela primeira vez em torno de um candidato presidencial. Mas em torno de Petro também se articularam setores progressistas, setores inclusive de centro e centro-direita. Então, tem um acúmulo de 8 milhões de pessoas que, ficou claro, têm o desejo de romper com a história do establishment colombiano, que conduziu o país pelo debate econômico e da guerra.

E essas 8 milhões de pessoas devem se manter ao lado do discurso de Petro, que o consolidou como líder. Ele assumiu a vitória de Duque sem derrotismos, anunciou que vai assumir o posto do Senado e que será um líder da oposição. Ele também enviou um plano de um Grupo de Trabalho até as próximas eleições — porque tem que se trabalhar para ganhar as próximas consultas [para aprovação de um pacote de medidas] anticorrupção, que serão feitas em agosto, e também para ganhar as eleições [regionais] do ano que vem.

Então, à esquerda, que os setores progressistas se consolidem nos próximos anos e que isso resulte em um projeto alternativo na Colômbia e em uma nova etapa histórica para o país.

Acho que, do Brasil, também é muito importante a resistência que se pode fazer nesse momento, seja para lutar pela liberdade de Lula ou contra o governo tirânico de Temer. E também para que o Brasil deixe de se envolver em todas as ações militares que os EUA estão planejando na região, envolvendo a Colômbia na Otan. A resistência no Brasil contra esse projeto histórico do imperialismo na nossa América também será muito importante nessa etapa que estamos vivendo.