A mulher campesina e a luta por trabalho e dignidade na agricultura
Por Solange I. Engelmann*
Do Global Sustentável
Nos últimos anos ocorreu um crescimento significativo no protagonismo das mulheres no campo, principalmente, na produção de alimentos.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que as mulheres rurais são responsáveis por mais da metade da produção de alimentos e desempenham papel fundamental na preservação do meio ambiente e na garantia da soberania alimentar no mundo.
Ao contrário de algumas crenças do senso comum, de que o trabalho braçal na agricultura é feito principalmente por homens, a história e a prática do dia a dia tem demonstrado que grande parte da produção de alimentos para a subsistência das famílias e comercialização no mercado interno é realizado pelas mulheres camponesas.
As mulheres têm uma preocupação maior com a vida, a subsistência, a alimentação das famílias, o cuidado com os filhos e o consumo de alimentos saudáveis.
Assim, procurando romper com padrões de submissão, violência e ausência de renda, as mulheres camponesas vêm se envolvendo, cada vez mais, na implantação e na difusão de projetos voltados para a produção saudável, em equilibro com a biodiversidade e sem agrotóxicos, a partir dos modelos produtivos de orgânicos e agroecológicos.
As camponesas produzem alimentos, hortaliças, criam animais, organizam associações e cooperativas para a comercialização dos produtos. São inúmeras as experiências pelo mundo.
Um desses exemplos vêm do grupo de mulheres “As camponesas”, que vivem no Assentamento Florestan Fernandes, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre os municípios de Guaçuí e São José do Calçado, no Espírito Santos.
O grupo de mulheres desenvolve experiência com fruticultura, como alternativa à monocultura do café e da produção de leite no estado. Elas trabalham com a agroindustrialização de geleias, doces e licores, com matéria prima produzida no próprio assentamento e se preparam para agroindustrializar polpa de frutas sem uso de agrotóxicos e outros produtos químicos.
Para a atual coordenadora da Via Campesina, articulação internacional que reúne organizações de trabalhadores rurais de todo o mundo, Elizabeth Mpofu, do Fórum de Pequenos Agricultores Orgânicos do Zimbabwe (ZIMSOFF), com o aumento da desigualdade no mundo, a fome, a violência e o preço dos alimentos, as mulheres atuam na vanguarda da produção de alimentos e da mudança social, por meio da solidariedade, a busca de justiça e esperança.
Porém, estudos da FAO pontuam que a maioria das mulheres no campo se encontram em situação de desigualdade social, política e econômica. Elas possuem apenas 30% da titularidade das terras, 10% dos créditos e míseros 5% da assistência técnica.
São dados que demonstram a dimensão da desigualdade de gênero presente na agricultura mundial, que precisa ser enfrentada com a criação de políticas públicas e incentivos específicos dos governos, para o empoderamento das campesinas e as condições necessárias para garantir a produção, comercialização e assistência técnica, gerando renda para as mulheres rurais.
Portanto, se as mulheres do campo desempenham papel fundamental na garantia da soberania alimentar mundial, as condições para exercer essa função, tão importante, dependem essencialmente da diminuição das desigualdades de gênero que precisa ser enfrentada urgentemente pelos governos, possibilitando condições mais igualitárias às camponesas.
Isso somente se resolve com muita luta social, o que vem sendo realizado por séculos pelos movimentos populares do campo, no caso do Brasil, que desenvolvem várias experiências formativas e produtivas nesse sentido. Já quanto às políticas públicas no campo, notou-se um certo avanço durante os 13 anos dos governos do PT, porém, no governo atual o retrocesso se aprofunda de tal forma que as desigualdades de gênero no meio rural voltou a crescer.
*Doutora em Comunicação e Informação, mestra em Ciência Sociais, jornalista e militante do MST.