Agrotóxicos: Má-formação congênita e puberdade precoce, uma herança maldita do agronegócio

Entrevista especial com a médica e professora Ada Pontes Aguiar

agrotoxicos.jpg

 

Por Vitor Nechi
Do Ihu Online

 

A pesquisa realizada recentemente pela médica e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri, Ada Pontes Aguiar, intitulada “Más-formações congênitas, puberdade precoce e agrotóxicos: uma herança maldita do agronegócio para a Chapada do Apodi (CE)”, soma-se a uma série de outros estudos feitos no país para demonstrar as implicações dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente.

O cenário da pesquisa de Ada Aguiar é a região da Chapada do Apodi, no estado do Ceará, onde desde os anos 2000 intensificou-se a plantação de fruticultura irrigada com o uso de agrotóxicos. O estudo, que teve como objetivo investigar as relações entre o uso de pesticidas e casos de más-formações congênitas e puberdade precoce na comunidade de Tomé e as exposições ambientais e ocupacionais dos agrotóxicos, foi feito a partir do acompanhamento de oito famílias e 19 exames toxicológicos. Segundo a pesquisadora, “os resultados do presente estudo são suficientes para visibilizar o adoecimento dessas crianças e suas famílias na comunidade de Tomé, encurraladas pelo modelo produtivo do agronegócio e contaminadas cotidianamente por agrotóxicos”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Ada explica a metodologia empregada na pesquisa e expõe algumas das conclusões alcançadas. Entre elas, a pesquisadora menciona que das oito famílias que participaram da pesquisa, “5 apresentavam histórico de crianças que nasceram com más-formações congênitas (8 crianças) e 3 possuíam crianças em acompanhamento pelo diagnóstico de puberdade precoce (3 crianças)”. Segundo ela, “o estudo demonstrou que todas as 8 famílias participantes possuem um histórico no qual é possível comprovar uma exposição ambiental intensa aos agrotóxicos, por meio de variadas fontes (água, ar, solo, pulverização aérea, alimentos). Todas as crianças envolvidas na pesquisa possuem um histórico de exposição ambiental aos agrotóxicos que se estende desde a gestação – inclusive com alguns relatos das genitoras de terem apresentado quadros típicos de intoxicação aguda em períodos críticos da gravidez, como o primeiro trimestre – até os dias atuais”.

Na avaliação da médica, “para interromper os processos de vulnerabilização das comunidades, responsáveis diretos pela geração de problemas de saúde, não é suficiente reivindicarmos uma maior e melhor atuação do SUS, pois, enquanto não enfraquecermos o modelo de desenvolvimento hegemônico vigente, perpetuador de injustiças e assimetrias, e fortalecermos um caminho de vida plena, como nos incentiva a agroecologia, não será possível restaurar o equilíbrio do processo saúde-doenças das populações”.

Ada Pontes Aguiar é graduada em Medicina pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Especialista em Saúde da Família pela UNA-SUS/UFC, e mestra em Saúde Coletiva pela UFC. Participa como pesquisadora do Núcleo Trabalho, Ambiente e Saúde – Tramas, vinculado ao Departamento de Saúde Comunitária da UFC. Também é professora de Saúde Coletiva na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri – UFCA, em Juazeiro do Norte, Ceará. Atua como preceptora do Programa de Residência de Medicina Geral de Família e Comunidade da UFCA, desde 2017, no município de Barbalha (Ceará), e como supervisora do Projeto Mais Médicos para o Brasil nos municípios de Santana do Cariri, Tarrafas e Saboeiro.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No que tange à saúde, que consequências a senhora projeta se for aprovado o Projeto de Lei 6.299/2002, o “Pacote do Veneno”, que flexibiliza o uso e registro dos agrotóxicos no Brasil?

Ada Aguiar – Atualmente, pela legislação vigente no país sobre a liberação, comercialização e o uso dos agrotóxicos no Brasil, aprovada em 1989 e atualizada no ano de 2002, existem três órgãos responsáveis pela liberação e avaliação desses produtos no país, sendo eles: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – Ibama. O novo projeto de lei, entretanto, propõe que essa liberação seja concentrada nas mãos do Mapa, delegando à Anvisa e ao Ibama papéis secundários nesse processo, pois eles teriam a obrigação apenas de homologar o parecer emitido pelo Mapa, de forma que as consequências sobre a saúde humana e o ambiente, ocasionados por esses produtos, não seriam avaliados com a seriedade necessária. Além disso, hoje, no Brasil, não é permitida a liberação de agrotóxicos comprovadamente carcinogênicos, mutagênicos, teratogênicos ou desreguladores endócrinos.

Pacote do Veneno

O “Pacote do Veneno”, entretanto, propõe que a toxicidade dos agrotóxicos seja analisada de acordo com uma avaliação de risco, assim, mesmo que eles se enquadrem em uma dessas categorias que hoje são proibidas no Brasil, poderão ser liberados de acordo com os limites aceitáveis por essa avaliação de risco. Soma-se a esses fatores a instituição de um prazo máximo de 180 dias para que novos produtos sejam avaliados pelos órgãos competentes, o que, sem dúvida, comprometerá sobremaneira a qualidade dessas avaliações, pois não está previsto pela nova lei nenhuma melhoria em termos qualitativo e/ou quantitativo do arsenal estrutural e dos recursos humanos responsáveis pela análise dos agrotóxicos. Por fim, o PL 6.299/02 também propõe a substituição do termo “agrotóxico” por “defensivos fitossanitários”, o que se configura, ao nosso ver, um grave problema de ocultação dos riscos relacionados à toxicidade desses produtos e violação do direito de saber dos trabalhadores que estão em contato direto ou indireto com essas substâncias e dos consumidores que ingerem os alimentos contaminados por agrotóxicos.

IHU On-Line – Há registros de casos de puberdade precoce em bebês e de fetos com má-formação congênita no interior do Ceará, em uma região onde aviões e tratores pulverizam agrotóxicos em plantações de banana, melão e outras frutas para exportação. Há como responsabilizar os agrotóxicos? Há pesquisas sobre esses casos específicos?

Ada Aguiar – Realizamos uma dissertação de mestrado sobre esse tema, na região da Chapada do Apodi (CE), onde, desde os anos 2000, intensificou-se a implantação de fruticultura irrigada, principalmente para exportação e, consequentemente, o uso de agrotóxicos na região. O trabalho, intitulado “Más-formações congênitas, puberdade precoce e agrotóxicos: uma herança maldita do agronegócio para a Chapada do Apodi (CE)”, teve como objetivo geral “investigar as relações entre os casos de más-formações congênitas e puberdade precoce, ocorridos na comunidade de Tomé (Chapada do Apodi/CE), e as exposições ambientais e ocupacionais aos agrotóxicos nessa localidade”. Para alcançarmos esse objetivo, foi preciso ousar na abordagem metodológica, ao formular uma proposta de Estudo de Casos Múltiplos que reunisse aportes da Clínica Médica, Toxicologia, Genética, Saúde do(a) Trabalhador(a) e Saúde e Ambiente. Após execução dessa investigação minuciosa, apresentaremos, a seguir, uma síntese dos principais resultados encontrados, de acordo com os objetivos específicos elencados:

a) Identificar e descrever os casos de más-formações congênitas e puberdade precoce detectados na comunidade de Tomé – identificamos, com a ajuda da comunidade, e descrevemos, 8 famílias que se enquadravam nesse objetivo, das quais 5 apresentavam histórico de crianças que nasceram com más-formações congênitas (8 crianças) e 3 possuíam crianças em acompanhamento pelo diagnóstico de puberdade precoce (3 crianças). Com exceção de uma das 8 famílias, a qual gerou 3 crianças com más-formações congênitas no início dos anos 2000, todas as outras 7 famílias comprovaram que as crianças nasceram com más-formações congênitas ou tiveram o diagnóstico de puberdade precoce (8 crianças) após o ano de 2014.

b) Caracterizar a exposição ambiental e ocupacional dos casos de más-formações congênitas e puberdade precoce e dos seus núcleos familiares (pai e mãe) aos agrotóxicos – o estudo demonstrou que todas as 8 famílias participantes possuem um histórico no qual é possível comprovar uma exposição ambiental intensa aos agrotóxicos, por meio de variadas fontes (água, ar, solo, pulverização aérea, alimentos). Todas as crianças envolvidas na pesquisa possuem um histórico de exposição ambiental aos agrotóxicos que se estende desde a gestação – inclusive com alguns relatos das genitoras de terem apresentado quadros típicos de intoxicação aguda em períodos críticos da gravidez, como o primeiro trimestre – até os dias atuais. Em relação à exposição ocupacional aos agrotóxicos, verificou-se que todos os 8 genitores masculinos (pais) das crianças sob investigação apresentam um histórico relevante de exposição ocupacional aos agrotóxicos, com relatos de contato direto com esses produtos durante muitos anos.

c) Realizar análises toxicológicas para a investigação de ingredientes ativos de agrotóxicos em matrizes biológicas (sangue e urina) das famílias incluídas no estudo – dentre as 8 famílias incluídas no estudo, foi possível realizarmos análises toxicológicas em matrizes biológicas (sangue e urina) em 7 delas, para investigação de ingredientes ativos de agrotóxicos, organoclorados, em sangue, e metabólitos de piretroides na urina. Em relação à análise dos organoclorados, dentre as 19 pessoas que realizaram a coleta, 14 eram genitores(as) (7 pais e 7 mães) e 5 eram crianças (2 casos de más-formações congênitas e 3 casos de puberdade precoce). Os resultados dessas análises mostraram que das 19 amostras, em 11 delas foram detectadas, pelo método empregado, concentrações de organoclorados, sendo estes sujeitos: 2 pais que tiveram filhos com más-formações congênitas; 2 pais que possuem filhas com puberdade precoce; 3 mães que possuem filhas com puberdade precoce; 1 criança portadora de má-formação congênita e em todas as 3 crianças que apresentam puberdade precoce. Em relação à análise de metabólitos de piretroides na urina, foram coletadas 17 amostras, nas quais foram detectados metabólitos de piretroides (3PBA ou 4F3PBA) em 7 dos participantes: 2 pais que tiveram filhos com más-formações congênitas; 2 mães que geraram crianças com más-formações congênitas; 1 mãe que possui uma filha com puberdade precoce; e 2 crianças acompanhadas por puberdade precoce.

d) Realizar pesquisa de ingredientes ativos de agrotóxicos em amostras de água dos domicílios das famílias incluídas no estudo – dentre os 7 domicílios nos quais foram coletadas amostras de água, oriundas do Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto – SAAE, responsável pelo fornecimento de água potável à comunidade de Tomé, em 6 deles detectou-se a presença de pelo menos 1 ingrediente ativo de agrotóxicos na amostra coletada, ou seja, em apenas um domicílio não foi detectada a presença de nenhum ingrediente ativo de agrotóxico na amostra analisada. Nos 6 domicílios que apresentaram amostras positivas de água para a pesquisa de agrotóxicos (famílias 2, 3, 4, 6, 7 e 8), o ingrediente ativo de agrotóxicos mais presente nas análises foi o alacloro, o qual foi detectado em 5 das 6 amostras positivas (famílias 2, 3, 4, 6 e 8). O segundo mais presente nas análises foi o ethion, encontrado em 3 das 6 amostras positivas (famílias 2, 3 e 7). Em terceiro lugar, nas amostras de água analisadas foram encontrados os produtos pentimentalina (família 4) e malation (família 6).

e) Discutir as possíveis relações entre esses agravos e a exposição aos agrotóxicos – ao discutir todos esses resultados de forma conjunta e realizar um entrecruzamento das histórias clínicas, de exposição ambiental e ocupacional aos agrotóxicos das famílias, exames físico e complementares das crianças, dos resultados das análises toxicológicas e das amostras de água dos domicílios, com os aportes teóricos da toxicologia e da genética, somando a uma revisão da literatura científica nessa área, principalmente para investigar a relação entre os ingredientes ativos de agrotóxicos registrados em diversas etapas do estudo com os agravos pesquisados, pode-se afirmar que existem fortes evidências que nos levam a concluir que os casos de más-formações congênitas e puberdade precoce na comunidade de Tomé têm relação com a intensa exposição dessas crianças e suas famílias aos agrotóxicos nessa região.

f) Discutir os desafios epistemológicos, metodológicos e institucionais para o estabelecimento destas relações – ao lançarmos um olhar global sobre os casos das 8 famílias investigadas, foi possível apreender e aprofundar os principais desafios epistemológicos – relacionados aos próprios limites da ciência moderna positivista; metodológicos – relacionados às simplificações e aos reducionismos de áreas como a epidemiologia clássica que, apesar de muito contribuir com desenhos metodológicos que ajudam a desvelar quantitativamente as incidências e prevalências de determinados agravos, tornam-se insuficientes quando partimos de cenários complexos como o relatado no presente estudo; e institucionais – relacionados aos relatos dos próprios sujeitos da pesquisa, da trajetória do Núcleo Tramas no território e da atuação da pesquisadora na região nos últimas anos, por meio dos quais foi possível registrar a fragilização das políticas públicas, principalmente no âmbito da saúde, diante do enfrentamento dos contextos de adoecimento dessas populações, incapazes de implementar medidas e ações que objetivem antecipar, prevenir, monitorizar, acompanhar e prestar assistência a esses agravos, contribuindo para o processo de invisibilização deles.

IHU On-Line – A relação entre esses problemas de saúde e agrotóxicos ocorreu, conforme aponta pesquisa coordenada pela senhora, depois que testes identificaram ingredientes ativos desses produtos no sangue e na urina das crianças e de seus familiares. Também havia resíduos na água que abastece as casas. Foram sete domicílios visitados e 17 pessoas submetidas a exames. A amplitude da pesquisa é suficiente para sustentar essa relação?

Ada Aguiar – Na verdade foram 8 famílias visitadas e 19 pessoas submetidas a exames toxicológicos. As conclusões às quais o estudo chegou não foram realizadas somente pelos resultados das análises de ingredientes ativos de agrotóxicos em material biológico e na água dos domicílios, mas por uma complexa metodologia de Estudo de Casos Múltiplos que reuniu aportes da Clínica Médica, Toxicologia, Genética, Saúde do(a) Trabalhador(a) e Saúde e Ambiente.

Em relação ao número de famílias e casos que participaram da pesquisa, e a relevância numérica deles para a validação do estudo, é importante afirmar que, quando trabalhamos a partir de uma pesquisa cuja metodologia é o Estudo de Caso, o que na verdade importa é a quantidade e qualidade das informações reunidas para elucidar o problema de estudo, e não o tamanho de uma pretensa amostra numérica, como é comum nos estudos epidemiológicos. Gostaríamos também de ressaltar que, ao longo da nossa dissertação, explicitamos com o devido embasamento teórico o porquê de termos selecionado o Estudo de Caso como metodologia e discutimos os principais desafios epistemológicos, metodológicos e institucionais que envolvem a investigação entre agravos crônicos e exposição aos agrotóxicos.

IHU On-Line – Por que se chegou a esta realidade? Falta de fiscalização? Falta de treinamento dos trabalhadores rurais?

Ada Aguiar – A comunidade onde vivem as famílias que participaram da pesquisa é cercada por grandes plantações de fruticultura irrigada, nas quais se utiliza um enorme volume de produtos químicos, principalmente agrotóxicos e fertilizantes. Todos(as) os(as) entrevistados(as) relataram algum nível de exposição ambiental aos agrotóxicos, tanto na comunidade de Tomé, como em residências localizadas em outras regiões nas quais viveram no passado. Reconhecemos que estes produtos pulverizados nos arredores dos domicílios podem contaminar diversos ecossistemas, como o solo, o ar, as águas (superficiais e profundas), os alimentos e, também, os(as) moradores(as) que vivem cercados por estas plantações, mesmo aqueles(as) que nunca trabalharam em contato direto ou indireto com estes produtos.

Partimos de uma compreensão de que o agronegócio constitui-se em um modelo de produção que engloba setores diversificados da economia, e, nos últimos anos, o fortalecimento e imposição desse modelo produtivo às várias regiões do território nacional transformou as relações construídas historicamente dos(as) agricultores(as) com a terra, pois, há algumas décadas, as políticas governamentais incentivam, e, em determinados casos, impõem, a adoção de técnicas e o uso de produtos outrora desconhecidos na agricultura familiar. Desta forma, não nos surpreende o fato de as famílias entrevistadas afirmarem que os cultivos existentes em seus domicílios, nos períodos correspondentes à infância e adolescência dos pais das crianças adoecidas, não eram pulverizados por agrotóxicos, enquanto, na atualidade, mesmo nas plantações mantidas de forma autônoma por estes(as) agricultores(as), suas famílias ou por associações de pequenos(as) agricultores(as), são utilizados agrotóxicos. Devemos lembrar que, além dos incentivos fiscais ao uso destes produtos, ao longo dos anos, o esgotamento dos bens naturais e a resistência dos seres vivos à aplicação dessas substâncias tornou a utilização intensiva dos agrotóxicos e o uso cada vez mais corriqueiro de substâncias com alto grau de toxicidade uma prática imposta aos(às) pequenos(as) agricultores(as).

Ao visitarmos os domicílios das famílias e caminharmos pela comunidade de Tomé, constatamos que existe uma contiguidade alarmante entre as residências e as plantações da fruticultura. Diante deste cenário, podemos afirmar que todas as comunidades e famílias que vivem nesta região estão expostas ambientalmente aos agrotóxicos. Pesquisas realizadas ao longo dos últimos anos têm demonstrado a contaminação das fontes de água (superficiais e profundas) e do ar por agrotóxicos. Assim, também é recorrente entre as famílias os relatos de que, desde o início das denúncias a respeito da contaminação por agrotóxicos da água utilizada para consumo humano, por volta do ano de 2010, a maioria dos(as) moradores(as) começaram a comprar recipientes de água (mineral ou adicionada de sais) para ingestão das famílias.

Água contaminada

Precisamos lembrar que o fornecimento de água para as famílias da região acontece pelo mesmo canal que atravessa as grandes plantações de fruticultura irrigada, o qual percorre aproximadamente 14 quilômetros a céu aberto da sua origem até as comunidades. Em relação à contaminação da água para consumo humano, existem dois estudos principais realizados na Chapada do Apodi (CE) que corroboram a presença de princípios ativos de agrotóxicos nos reservatórios de água (superficiais e profundos) que abastecem as comunidades. O primeiro estudo, realizado em 2008, pela Companhia de Gestão de Recursos Hídricos – COGERH, após coleta de dez amostras de água oriundas de poços da região, constatou a presença de ingredientes ativos de agrotóxicos em cinco amostras de água. O segundo estudo, realizado pelo Núcleo Tramas (Trabalho, Meio Ambiente e Saúde), grupo de pesquisa vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, no ano de 2009, a partir da coleta de 24 amostras de água dos canais que abastecem as comunidades, das caixas d’água e de poços profundos, revelaram a presença de princípios ativos de agrotóxicos em todas as amostras analisadas (entre 3 e 10 produtos) (MARINHO; CARNEIRO; ALMEIDA, 2011).

Especificamente sobre a comunidade de Tomé, nessa mesma investigação realizada pelo Núcleo Tramas, no ano de 2009, foram identificados 12 princípios ativos de agrotóxicos em um poço profundo do distrito, sendo o local onde a variedade de produtos foi maior em comparação às outras amostras analisadas. Dentre os venenos, Abamectina, Difenoconazol, Tepraloxydim pertencem à Classe Toxicológica I (Extremamente Tóxico); Cletodim, Carbofurano, Carbaril e Fenitrotiona (Classe II – Altamente Tóxico) e Procimidona, Tebuconazol, Glifosato e Ciromazina (Classe IV – Pouco Tóxico). A interpretação dos resultados sobre a totalidade das amostras de água coletadas para investigação de princípios ativos de agrotóxicos na região nos revela que as substâncias mais presentes nas análises foram Carbaril, Procimidona, Carbofurano, Fenitrotiona, Tebuconazol, Cletodim, Tepraloxydim, Glifosato, Abamectina, Difenoconazol, Flumuioxazina, Fosetil, Ciromazina, Imidacloprido, Azoxistrobina e Endosulfan (MARINHO; CARNEIRO; ALMEIDA, 2011).

 

irrigada.JPG
Área irrigada da fruticultura (Foto: Divulgação)

Exposição ambiental dos agrotóxicos

 

Ainda sobre a exposição ambiental aos agrotóxicos, um item que merece uma reflexão à parte é a pulverização aérea dos agrotóxicos, prática agrícola utilizada na região, principalmente a partir dos anos 2000, após a implantação das grandes empresas de fruticultura irrigada. Estudos comprovam que a aplicação de agrotóxicos por meio da pulverização aérea ocasiona a contaminação do ambiente e das populações nos arredores das plantações, por meio da denominada deriva técnica, pois já se constatou que apenas 32% das substâncias aplicadas permanecem nas plantas, 19% se disseminam pelo ar, atingindo as áreas que estão ao redor das plantações, e 49% ficam retidas no solo – informações disponibilizadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa (PIGNATI; MACHADO; CABRAL, 2007) – ou, a depender das características climáticas da região, se disseminam para localidades distantes da origem onde foi aplicado o produto, contaminando as pessoas, cisternas, plantações e demais componentes dos lugares de vida comunitária.

Em relação à região da Chapada do Apodi (CE), especificamente, entre os anos 2000 e 2010, foi pulverizado um volume correspondente a 4 milhões de litros de calda extremamente tóxica ou muito tóxica, altamente persistente no meio ambiente e muito perigosa, somente por meio da pulverização aérea, sendo os principais princípios ativos utilizados nesta atividade: Difenoconazol, Piraclostrobina + Epoxiconazol, Trifloxistrobina + Tebuconazol, Propiconazol e Tebuconazol (TEIXEIRA, 2011). Além desse volume considerável de agrotóxicos, principalmente se analisarmos este número a partir de uma perspectiva territorial, compreendendo que as comunidades da Chapada do Apodi (CE) são numericamente pequenas, ou seja, todo esse volume de agrotóxicos concentra-se em alguns milhares de habitantes, é importante também ressaltarmos que os produtos utilizados na pulverização aérea de agrotóxicos foram encontrados nas análises dos reservatórios de água da região, e, alguns desses ingredientes ativos são considerados altamente tóxicos, potencialmente teratogênicos e desencadeadores de desregulações endócrinas.

Ainda sobre a contaminação ambiental por agrotóxicos na região, Sousa (2015) realizou estudo para verificar e quantificar a presença do ingrediente ativo Glifosato, um dos herbicidas mais comercializados e utilizados no Brasil e no mundo. A autora analisou a presença de Glifosato tanto associado às Partículas Totais em Suspensão (PTS, µg/m³), como em sua fase gás. Os resultados da pesquisa evidenciaram que, na zona rural, o glifosato associado ao PTS apresentou níveis entre 0,002 e 0,144 µg/m³ (média de 0,055 µg/m³) e na fase gás entre 0,313 µg/m³ e 2,939 µg/m³ (média de 1,218 µg/m³). Na zona urbana, o glifosato associado ao PTS variou entre 0,009 µg/m³ e 2,576 µg/m³ (média de 1,006 µg/m³). De acordo com a autora, estes valores devem ser considerados relevantes e preocupantes em termos de saúde humana e ambiental (SOUSA, 2015).

As fontes de exposição aos agrotóxicos na região são múltiplas; desta forma, além das plantações que circundam os domicílios, destaca-se também a ingestão de água e alimentos contaminados, além da exposição a produtos utilizados nas campanhas de saúde pública para combate aos vetores que transmitem arboviroses. Em relação a esta última via de exposição, durante as entrevistas, algumas mulheres destacaram que a pulverização de agrotóxicos por veículos automotores não somente se constitui como uma prática comum utilizada pela secretaria de saúde do município, como destacaram a relação entre esta prática e a manifestação de sintomas típicos de intoxicação aguda por agrotóxicos nelas, os quais levaram estas moradoras a recorrerem aos serviços hospitalares de emergência, inclusive nos períodos gestacionais. Outro relato recorrente nas falas das mulheres foi o hábito de os maridos que trabalham nas plantações em contato com os agrotóxicos levarem as suas vestimentas para serem lavadas nas suas respectivas residências, na grande maioria das vezes, por suas esposas, ocasionando uma exposição de todos os membros daquele núcleo familiar aos produtos com os quais o trabalhador entrou em contato. De acordo com Teixeira et al. (2011), que estudaram a exposição ocupacional dos trabalhadores da região aos agrotóxicos, 94,7% dos trabalhadores do agronegócio, 96,2% dos agricultores familiares e 96,0% dos agricultores agroecológicos/assentados relataram que suas roupas utilizadas durante o trabalho eram lavadas em casa.

Características físico-químicas dos agrotóxicos

Ao analisarmos as características físico-químicas dos agrotóxicos, podemos verificar que, enquanto alguns produtos são rapidamente degradados no ambiente, outros possuem a capacidade de se acumular nos ecossistemas durante um longo período de tempo. Como os seres humanos estão no topo da cadeia alimentar, esses produtos com capacidade de permanecer no ambiente de forma duradoura, em geral, concentram-se com maior intensidade nas pessoas, último nível da cadeia trófica, em um processo denominado magnificação trófica ou bioacumulação. Por isso, mesmo que alguns produtos não estejam mais sendo utilizados na região há bastante tempo, os mesmos ainda podem estar presentes no ambiente e nos tecidos corporais humanos e são potencialmente desencadeadores de efeitos crônicos.

Ainda sobre as inter-relações entre a exposição ambiental aos agrotóxicos e o surgimento de efeitos crônicos, pesquisa realizada por Barbosa (2016), ao analisar as taxas de mortalidade por câncer infanto-juvenil no estado do Ceará, entre os anos de 2000 e 2011, constatou que nas regiões de Camocim/Acaraú, Baixo Jaguaribe e Cariri houve uma elevação na média anual desses agravos no período estudado. Foi verificado que as maiores concentrações de casos de câncer infanto-juvenil estão nas microrregiões que apresentam polos de irrigação. Na região do Baixo Jaguaribe, especificamente, constatou-se que o fator de risco mais relevante para o desencadeamento dos casos de câncer entre crianças e adolescentes foi a exposição aos agrotóxicos.

A exposição ocupacional aos agrotóxicos constitui-se em uma das dimensões centrais nos históricos das famílias entrevistadas. Constatamos que todos os pais das crianças participantes da pesquisa apresentam relatos atuais ou pregressos de trabalho com exposição direta ou indireta aos agrotóxicos. Ao longo das entrevistas, no entanto, tivemos muitas dificuldades para caracterizar essa exposição, pois muitos sujeitos não souberam informar os nomes das substâncias aos quais estão ou foram expostos no trabalho, principalmente quando os mesmos são ou foram exercidos nas empresas de fruticultura irrigada. De acordo com os entrevistados, as empresas não informam a eles a respeito desses riscos ocupacionais, e, mesmo que trabalhem com a manipulação direta destes produtos, como as misturas de agrotóxicos são preparadas em um setor específico, de maneira geral o funcionário responsável pela aplicação deles não é comunicado sobre o conteúdo a ser pulverizado.

São frequentes também os relatos de descumprimento das principais normas legais de segurança do trabalhador, como a norma regulamentadora 31 (NR-31). Além de os trabalhadores desconhecerem os principais riscos químicos aos quais estão expostos, muitas empresas de fruticultura não respeitam o denominado período de reentrância (intervalo de tempo entre a aplicação do produto e o retorno dos trabalhadores para o local em que ele foi pulverizado), submetendo os funcionários a uma exposição a altas concentrações de agrotóxicos. Há registros também de que algumas empresas de fruticultura continuam utilizando produtos que já foram banidos no país (TEIXEIRA et al., 2011). O estudo dos processos produtivo e de trabalho das empresas de fruticultura da região realizado pelo Núcleo Tramas (RIGOTTO et al., 2011) e os relatos dos trabalhadores entrevistados na presente pesquisa, permitem-nos afirmar que existem erros graves das empresas em garantir os mecanismos obrigatórios de proteções coletivas e individuais dos trabalhadores.

O estudo epidemiológico realizado pelo Núcleo Tramas na região incluiu como sujeitos da pesquisa 420 trabalhadores de três segmentos do campo (agronegócio, agricultores familiares camponeses e assentados rurais), os quais, além de entrevistados, passaram por exames clínicos e laboratoriais completos. Dentre os 420 trabalhadores, 316 (75,2%) eram empregados do agronegócio e 104 (24,8%) eram agricultores familiares (MACIEL; RIGOTTO; ALVES, 2011). A pesquisa evidenciou que a exposição aos agrotóxicos e fertilizantes químicos é uma realidade muito presente na região, sendo mais relevante no agronegócio (99,1%) e entre os agricultores familiares camponeses (93,9%). Os mesmos estudos mostraram que a exposição aos agrotóxicos é múltipla (em média 3,81 produtos comerciais diferentes por trabalhador), tanto porque, em geral, aplica-se uma mistura de ingredientes ativos e demais componentes nos cultivos, como também porque pode-se utilizar, de acordo com as características da plantação, produtos diversos ao longo do tempo (TEIXEIRA et al., 2011).

As pesquisas também constataram que muitos trabalhadores manifestam, no dia a dia do trabalho em que estão expostos aos agrotóxicos, sintomas francos de intoxicação aguda (43,3% dos trabalhadores entrevistados). No entanto, na maioria das vezes, os trabalhadores não recorrem aos serviços de saúde, ou, quando buscam atendimento, comumente não se investigam as possíveis relações entre o surgimento dos sintomas e a exposição ocupacional aos agrotóxicos (MACIEL; RIGOTTO; ALVES, 2011). As análises bioquímicas realizadas pelo Núcleo Tramas em trabalhadores agrícolas da região mostraram alterações laboratoriais em sistemas diversos, sendo as principais no fígado, e os indicadores hepáticos (nove) analisados apresentaram alterações sugestivas de hipertrofia e necrose dos hepatócitos, dano de vias biliares e coléstase. A TGP [transaminase glutâmico-pirúvica] encontrava-se aumentada em 14% dos casos e a TGO [transaminase glutâmico-oxalacética] elevou-se em 6,2%, enquanto a fosfatase alcalina mostrou-se aumentada em 6,2%, indicadores destacados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 1996) como responsáveis pelo desencadeamento de lesões hepáticas crônicas relacionadas aos agrotóxicos; e sistema hematopoiético, alterações na série vermelha (cerca de 37% de macrocitose e 14% de anemia) e na série branca (19,1% de leucopenia e 31,1% de eosinopenia), achados que podem ser considerados como preditivos de efeitos crônicos graves, como a síndrome mielodisplásica ou leucemia mieloide (MACIEL; RIGOTTO; ALVES, 2011).

Alterações genéticas e o uso de agrotóxicos

Estudos desenvolvidos por grupo de pesquisa da área de Hematologia da UFC, em trabalhadores das empresas de fruticultura da região, evidenciaram alterações cromossômicas e genéticas com características pré-neoplásicas nestes sujeitos, e, de acordo com a análise dos IAs [ingredientes ativos] aos quais eles estão expostos ocupacionalmente, essas alterações podem ser atribuídas aos mecanismos toxicológicos e mutagênicos dessas substâncias, os quais já foram extensamente retratados na literatura científica. Pesquisa realizada por Ferreira Filho (2013) encontrou alterações cromossômicas em células da medula óssea em 25% do grupo de trabalhadores expostos a agrotóxicos utilizados no cultivo da banana no Ceará – aneuploidias; deleções dos cromossomos 5, 7 e 11; monossomia; amplificação do gene TP53 –, anormalidades semelhantes às encontradas nas síndromes mielodisplásicas e nas leucemias mieloides agudas e importantes para o prognóstico de doenças malignas.

Estudo realizado na região com 90 trabalhadores, divididos em três segmentos, sendo eles grande produtor (GP), agricultura familiar (AF) e agricultura ecológica (AE), no qual se avaliou a expressão gênica de alvos relacionados aos mecanismos de reparo do DNA, os genes de fita simples do DNA (SSB: CSA, CSB, XPA, XPC e XPG), mostrou diferenças significativas entre os três grupos de trabalhadores estudados, constatadas por meio da comprovação de que os empregados do agronegócio manifestaram níveis de transcrição significativamente inferiores de XPG (p = 0,004), CSA (p = 0,000), quando comparados aos trabalhadores da agricultura familiar e ecológica. Ao se analisarem os trabalhadores com histórico de exposição aos agrotóxicos por um período superior a 12 anos, observou-se uma diminuição geral da expressão de XPC (p = 0,001), XPG (p = 0,010) e CSB (p = 0,05) em relação àqueles com registro de exposição há menos de 12 anos, achados que aumentam os riscos destes trabalhadores de desenvolver câncer de medula óssea (COSTA, 2017).

No ano de 2008, o Núcleo Tramas se deparou com o óbito lamentável de um jovem trabalhador do almoxarifado químico de uma das empresas de fruticultura irrigada instalada na região, o qual foi responsável por produzir, durante três anos, a calda tóxica (mistura de princípios ativos de agrotóxicos utilizada para pulverizar as frutas). Após investigação realizada pela equipe de médicos(as) do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e por pesquisadores(as) do Tramas, o diagnóstico para explicar o caso foi o de hepatopatia crônica desencadeada por substâncias tóxicas (RIGOTTO; AGUIAR, 2017).

IHU On-Line – Quais os desafios para se reverter esse quadro?

Ada Aguiar – Consideramos que os resultados do presente estudo são suficientes para visibilizar o adoecimento dessas crianças e suas famílias na comunidade de Tomé, encurraladas pelo modelo produtivo do agronegócio e contaminadas cotidianamente por agrotóxicos. Por isso, defendemos que as medidas para impedir que esses e outros problemas continuem a surgir na região já deveriam estar sendo implementadas pelo poder público há bastante tempo. Além disso, para interromper os processos de vulnerabilização das comunidades, responsáveis diretos pela geração de problemas de saúde, não é suficiente reivindicarmos uma maior e melhor atuação do SUS, pois, enquanto não enfraquecermos o modelo de desenvolvimento hegemônico vigente, perpetuador de injustiças e assimetrias, e fortalecermos um caminho de vida plena, como nos incentiva a agroecologia, não será possível restaurar o equilíbrio do processo saúde-doenças das populações. Estamos ao lado das famílias, crianças, dos movimentos sociais e de todos os sujeitos que reivindicam o direito à saúde e uma vida digna para a Chapada do Apodi.

IHU On-Line – Quais os problemas de saúde mais comuns que atingem pessoas expostas a agrotóxicos?

Ada Aguiar – Os agrotóxicos, absorvidos por via dérmica, respiratória e/ou digestiva, desencadeiam sobre a saúde humana efeitos variados, os quais podem ser classificados, de acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS, 1996), em:

• Agudos – apresentam-se comumente através de sinais e sintomas inespecíficos, que dependerão do(s) ingrediente(s) ativo(s) envolvido(s). Dentre eles podemos citar: cefaleia, dispneia, convulsões, náuseas, vômitos, fraqueza, dor abdominal, epistaxe, desmaio, contrações musculares. Em geral, estão relacionados a produtos classificados como extremamente ou altamente tóxicos, o que ocasiona o surgimento rápido dos sintomas, com latência de algumas horas entre a exposição e o aparecimento deles. Os efeitos agudos são divididos, a depender da quantidade de agrotóxico absorvida, em leves, moderados ou graves.

• Subagudos – os principais sintomas associados a esse tipo de efeito são: sonolência, mal-estar, fraqueza, cefaleia, epigastralgia. Estão relacionados, em geral, a uma exposição a substâncias altamente ou medianamente tóxicas, em quantidades pequenas ou moderadas, e o tempo entre a exposição e o surgimento das queixas comumente é mais lento do que nos efeitos agudos.

• Crônicos – podemos citar como exemplos de efeitos crônicos as seguintes alterações: desregulações endócrinas, teratogênese, lesões renais e hepáticas, neoplasias, paralisias, efeitos neurotóxicos retardados, alterações cromossomiais, alterações na reprodução. Esses efeitos, em geral, são irreversíveis, ocasionados após meses ou anos de exposição a baixas doses a um ou mais produtos. Devido ao grande período de latência entre a exposição e o desencadeamento desses efeitos, comumente o nexo entre eles e os agrotóxicos dificilmente consegue ser estabelecido.

Os dados oficiais sobre as intoxicações agudas por agrotóxicos, em geral, estão submetidos a falhas ocasionadas por subdiagnósticos e sub-registros. No entanto, mesmo reconhecendo essas incompletudes, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan alerta-nos sobre um aumento de 67,4% de novos casos de acidentes de trabalho não fatais relacionados aos agrotóxicos, entre os anos 2007 e 2011.

IHU On-Line – Como esses problemas acabam impactando as populações locais? E já se sabe o impacto dessas doenças no sistema público de saúde?

Ada Aguiar – Em relação aos impactos desses problemas nas populações locais, consideramos que esse tema já foi extensamente discutido anteriormente. Sobre o impacto dessas doenças no sistema público de saúde, é importante lembrarmos que o ônus desse adoecimento, dos casos de intoxicações agudas e crônicas por agrotóxicos, recai sobre o Estado brasileiro, o qual possui a obrigação legal de prestar assistência às pessoas intoxicadas no Sistema Único de Saúde – SUS. Pesquisa realizada no Brasil comprovou que, para cada dólar que o Estado brasileiro gasta na compra de agrotóxicos, deveriam ser utilizados 1,28 dólares para atender às vítimas de intoxicação.

IHU On-Line – No Brasil, é permitida a aplicação de agrotóxicos por avião. O quão grave é esta situação? Há alguma articulação para se coibir essa prática?

Ada Aguiar – Em relação à pulverização aérea de agrotóxicos, pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Mato Grosso, região em que esse tipo de pulverização ocorre rotineiramente, comprovaram que os agrotóxicos oriundos dessa forma de aplicação estavam presentes inclusive na água da chuva, como consequência da deriva da pulverização aérea, em uma área onde havia monocultivo de soja (PIGNATI, MACHADO, CABRAL, 2007). Essa forma de pulverização é responsável por um grave processo de contaminação ambiental, pois – como já dito anteriormente –, enquanto apenas 32% das substâncias aplicadas permanecem nas plantas, 19% se disseminam pelo ar, atingindo as áreas que estão ao redor das plantações, e 49% ficam retidas no solo, de acordo com informações disponibilizadas pela Embrapa (PIGNATI, MACHADO, CABRAL, 2007).

Búrigo et al. (2015) relatam um acidente que envolveu a pulverização aérea de agrotóxicos, com repercussões graves, acontecido em 2013, no município de Rio Verde (GO), responsável por contaminar uma escola e provocar efeitos agudos em crianças, professores e servidores. A longo prazo, é possível e, infelizmente, esperado, que esse crime também ocasione efeitos crônicos nas vítimas dessa intoxicação.

No Ceará, e em alguns outros estados brasileiros, existem iniciativas de mandatos legislativos estaduais que propõem projetos de lei com o objetivo de proibir a pulverização aérea de agrotóxicos. Essas iniciativas, entretanto, esbarram em muitos empecilhos em suas respectivas localidades, principalmente devido ao poder da bancada ruralista atualmente na política brasileira.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Ada Aguiar – São muitas as evidências científicas, tanto em âmbito nacional como internacional, a respeito dos efeitos negativos à saúde humana causados pelos agrotóxicos. No Brasil, diversos grupos acadêmicos e científicos, em parceria com movimentos sociais e comunidades, constroem espaços com a Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e pela Vida. Com a intensificação desse debate na população brasileira, principalmente por conta do “Pacote do Veneno”, diversos órgãos e instituições têm manifestado publicamente os motivos pelos quais desaprovam esse projeto de lei, por considerá-lo um perigo à saúde da população brasileira. Dessa forma, o momento exige que a população esteja unida e consiga reivindicar a garantia do direito à saúde, conforme conquistamos na Constituição de 1988.

 

 

*Editado por Patrícia Fachin no Ihu Online