Movimentos defendem agroecologia como alternativa no combate à fome

Caravana Semiárido Contra a Fome debate soberania e segurança alimentar durante passagem por Belo Horizonte (MG)
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Após passar por PE e BA, Caravana chega à capital mineira.
Foto: Monyse Ravena / Brasil de Fato

 

Por Julia Rodhen*
Do Brasil de Fato

 

A volta de cerca de 11,8 milhões de brasileiros para a extrema pobreza, aliada aos cortes em políticas públicas e o alto índice de desemprego são fatores que apontam para o possível retorno do Brasil ao mapa da Fome. Esta é a avaliação de Cristina Nascimento, coordenadora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Para ela, só é possível evitar esta calamidade se o combate à fome acontecer em conjunto com a defesa da agroecologia.

Nascimento explica que a produção de alimentos deve manter a segurança alimentar para os trabalhadores rurais e também ser sustentável em relação ao meio ambiente.“Nós queremos barrar a volta da fome e queremos barrar retomando políticas públicas. É fundamental pensar que não é só dar comida para as pessoas encherem a barriga, mas possibilitar o acesso ao alimento de qualidade, com nutrientes que sejam naturais”, defende.

Além dos estados do Nordeste, o semiárido brasileiro abrange também a região Norte de Minas Gerais e o Vale do Jequitinhonha, equivalente a cerca de 17% do território mineiro. As entidades que compõem a ASA defendem a convivência com o semiárido, não o combate à seca, já que se trata de um fenômeno natural da região. 

Em parceria com movimentos populares da Via Campesina, a ASA está circulando o Brasil na Caravana Semiárido Contra a Fome, que partiu de Caetés (PE) na última sexta-feira (27) e chegou nesta segunda (30) em Belo Horizonte (MG). Na capital mineira, um ato político e cultural aconteceu no Armazém do Campo, espaço que comercializa produtos orgânicos e agroecológicos oriundo especialmente das cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Agroecologia 

Cristina Nascimento explica que as iniciativas do Estado brasileiro de combate à seca ao longo da história não passavam de um paliativo para que as famílias não morressem de fome, mas não promoviam a autonomia dos agricultores. “Na contramão disso, já havia no semiárido várias organizações que trabalhavam com as famílias agricultoras no sentido de conviver com o lugar onde estão. Se você perguntar para uma família no interior, verá que ela não quer sair de lá, ela quer ter condição de permanecer”, afirma a coordenadora da ASA no Ceará.

A partir dessa perspectiva, as organizações desenvolveram ações como banco de sementes, no qual os agricultores guardam as sementes para plantar quando começar a chuva, sem precisar esperar a distribuição pelos entes governamentais. Outra ação fundamental para a região do semiárido é o estoque de água.

Para Nascimento, o Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), criado no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é uma forma importante de dar autonomia para as famílias agricultoras. Por esse programa, as famílias conseguem estocar até 16 mil litros de água da chuva para beber e cozinhar. Apenas em Minas Gerais, foram construídas mais de 62 mil cisternas com capacidade de 16 mil litros, de acordo com levantamento da ASA.

Cristina ressalta que, por conta destas políticas públicas, os últimos sete anos de seca no semiárido não geraram uma grande migração de famílias do sertão rumo às cidades em busca de alimentação. “Nós avaliamos que essas estruturas hídricas e de produção de alimentos possibilitaram que as famílias continuassem minimamente produzindo o que iam comer”, relata. “A soberania alimentar está atrelada a um conjunto de políticas públicas estruturantes e que vão possibilitar autonomia dessas famílias”, avalia Nascimento.

Contudo, os cortes nas políticas públicas e a aprovação da Emenda Constitucional 95, que instituiu um limite para o crescimento dos gastos públicos nos próximos 20 anos, estão mudando o cenário e se tornando um dos principais fatores da volta da insegurança alimentar. “Nas políticas de acesso à água, que estão dentro das ações de convivência com semiárido, tivemos um corte de 92% do orçamento de 2016 pra cá, o que impactou bastante toda a ação que a gente vinha desenvolvendo com as comunidades. O corte de recursos também impacta a produção de alimentos saudáveis, uma vez que para o semiárido produzir é preciso ter água”, afirma Valquíria Lima, da Coordenação Nacional da ASA. 

Soberania alimentar

De acordo com dados do Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), o agronegócio produz apenas 30% do alimento mundial – apesar de consumir cerca de 70% dos recursos de terra e água do planeta. Já a agricultura familiar e camponesa é responsável por 70% dos alimentos produzidos.

Paulo Mansan, coordenador da Caravana Semiárido Contra a Fome e integrante da direção estadual do MST em Pernambuco, avalia que, para haver segurança alimentar, é necessário não apenas a ingestão de uma determinada quantidade de calorias, mas de alimentos com qualidade e nutrientes. “A quantidade é importante e necessária, mas também a qualidade”, ressalta Mansan. “O Brasil, devido ao agronegócio, é campeão mundial de uso de agrotóxico e cada brasileiro consome aproximadamente 7 litros de veneno por ano”, lembra.

Caravana

Depois do ato inaugural em Caetés, e da passagem em Feira de Santana, as 102 pessoas que participam da Caravana Semiárido Contra a Fome chegaram na capital mineira nesta segunda-feira (30). No início da tarde, os agricultores foram ao Centro da cidade para entregar panfletos e conversar com a população da cidade sobre a volta da fome ao Brasil, em especial na região do semiárido.

Da praça 7 de Setembro, eles marcharam até o Armazém do Campo, onde houve um ato marcado pela presença de artistas e políticos, como o deputado federal Patrus Ananias (PT) e o músico Flávio Renegado.

A Caravana segue para Guararema (SP) e depois para a Vigília Lula Livre, em Curitiba (PR). Da capital paranaense, os ônibus partem rumo a Brasília onde haverá um ato em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

*Com a colaboração de Larissa Costa
**Editado por Thalles Gomes do Brasil de Fato